4-17/7/2014, [*] Owen Bennett-Jones, LRB, v. 36, n.14, p. 5-7, Londres- UK
Traduzido pelo pessoal da Vila Vudu
Cenas violentas - p/ maiores de 18 anos
Em seu
recente vídeo de propaganda, Clanging of the Swords: Part 4 (acima), o Estado Islâmico do Iraque
e Levante (ISIL) apresentou uma série de execuções em imagens
pesadamente editadas. São 38 pessoas filmadas quando eram mortas: um homem
assassinado quando corria pelo deserto, tentando escapar de pistoleiros numa pick-up
4x4; outro, baleado no próprio carro; um, morto em casa, quando o ISIL invadiu
o quarto e o degolou. Difícil acreditar que o que se vê na tela realmente
aconteceu, até que a desumanidade sem fim é interrompida por um momento
ocasional. A certa altura, um pistoleiro anda por uma de uma fila de jovens
ajoelhados, com as mãos atadas às costas. Faz mira com uma pistola na nuca de
cada um, atira, vê o corpo tombar à frente numa poça de sangue, anda para o
seguinte e repete o movimento. Então, um dos ajoelhados tem a ideia de tentar
salvar-se se antecipando ao tiro e, um microssegundo antes do tiro, atira-se
para a frente, fingindo-se de morto. O truque não funciona. Há também imagens
de pistoleiros do ISIL dirigindo por uma cidade, quando, sem motivo
aparente, põem as Kalashnikovs para fora das janelas do carro e atiram contra
dois homens que andam pela calçada. Um deles é atingido e cai. O carro avança,
e os atiradores do ISIL continuam atirando até que os dois estejam
imóveis no chão. Presumivelmente, queriam ter certeza de que os dois estão
mortos. Depois que se afastam, o segundo homem – miraculosamente sem ferimento
algum – salta do chão e parte em corrida desabalada, na direção oposta.
Você
poderia supor que um filme que mostra a própria organização matando gente ao
acaso pelas ruas não atrairia novos recrutas. Mas os vários spots que o ISIL
distribuiu alcançaram dois objetivos.
● − Primeiro,
aterrorizaram o exército do Iraque, minando o desejo dos soldados de defenderem
o estado iraquiano. Mensagens ameaçadoras enviadas diretamente para telefones
celulares reforçam o efeito.
● − Segundo, o ISIL rapidamente abriu
caminho até converter-se em imagem global. Até há poucas semanas, só leitores
especializados os conheciam. Não tinham sequer nome fixado: uns diziam ISIS,
outros diziam ISIL. A distinção já não importa, porque, agora, a
organização se rebatizou como Estado Islâmico; e Abu Bakr al-Baghdadi é seu
califa.
Em 5/7/2014, al-Baghdadi distribuiu o que parece ser sua primeira imagem como califa, tomada depois de um sermão. |
Chame-se
como for, o apelo deles está nas imagens de jovens com cabelos e barbas ao
vento, em cenários desértico-rurais, livres da parafernália da vida moderna –
exceto os rifles de assalto e a munição cruzada no peito. A conversa é toda
sobre dever, sacrifício e martírio.
Mas em
vários aspectos, o ISIL é organização muito moderna. A brochura em que
detalham as atividades de 2012-13 é perfeito relatório, moderníssimo, das
atividades de uma empresa comercial privada. A página mais impressionante,
graficamente impactante, mostra 15 ícones em silhueta – bombas-relógio,
algemas, um carro, um homem correndo – cada um representando um campo de
atividades: bombas plantadas em acostamentos de estradas, prisioneiros
resgatados, carros-bomba, casas saqueadas de apóstatas. Ao lado da imagem de
uma pistola, a palavra “assassinatos” e o número 1.083: são os assassinatos
predefinidos [“targeted killings”] que o ISIL diz ter consumado
no ano ao qual corresponde o relatório técnico. Foram 4.465 bombas em acostamentos;
160 ataques-suicídas e mais de uma centena de apóstatas que se arrependeram. E
essas estatísticas impressionantes relacionam-se ao período anterior ao maior
feito jihadi desde o 11/9/2001: a conquista, pelo ISIL, da
segunda maior cidade do Iraque, Mosul.
O ISIL
é também o primeiro grupo jihadi a ocupar terra contígua em dois países.
Pode-se argumentar que a al-Qaeda fez o mesmo em áreas de fronteira no
Afeganistão-Paquistão, mas só sobrevivia porque permanecia nas sombras. O ISIL,
ao contrário, movimenta-se pelo nordeste da Síria e por vastas áreas do norte do
Iraque em quase completa liberdade. Sempre houve algum braço do Islã com
aspirações globais acima das fronteiras nacionais: agora o Estado Islâmico quer
pôr aquelas ideias em prática. Um dos primeiros atos do califa foi mandar
tanques destruir todos os postos de fronteira entre o Iraque e a Síria.
Área estimada do Novo Califado (em castanho) |
Houve
muitos comentários sobre os voluntários estrangeiros atraídos pela ideologia
pan-islamista de Baghdadi. Pode-se pensar que recrutas da Europa Ocidental,
principalmente, poderiam ser mais problema que ajuda: muitos não falam árabe e
foram criados com tais confortos que terão dificuldade para adaptar-se a vida jihadi.
Mas também têm vantagens. Podem ser bem-educados, trazem a dedicação junto com
os passaportes ocidentais. Podem servir como suicidas-bombas. A abertura do ISIL
a combatentes estrangeiros já rendeu dividendos, embora a imprensa-empresa
ocidental esteja mais preocupada, mesmo, é com o problema que eles serão quando
retornarem às sociedades que os criaram e alimentaram e educaram.
Autoridades
britânicas dizem que 500 muçulmanos do Reino Unido estão hoje lutando na Síria
e no Iraque; e que os que sobreviverem e retornarem serão numerosos demais para
que os serviços de segurança consigam vigiá-los de perto. Mas de fato não há
nada nem remotamente semelhante a ameaça existencial contra o Reino Unido.
Muitos dos jovens que foram para o Oriente Médio fizeram-no precisamente porque
não consideram que o inimigo seja o Reino Unido e não têm interesse em atacar
alvos britânicos. E um dos aprendizados que se extraíram dos vários programas
de desradicalização que existem agora por todo o mundo é que, por mais que os jihadis
tenham ar feroz, quase sempre são indivíduos de vontade muito frouxa. É fácil
persuadi-los a lutar, mas também é bem fácil persuadi-los a parar. Estima-se
que no passado apenas um, de cada nove combatentes estrangeiros, continuou a
fazer sua jihad depois que retornou à terra natal.
Abu Musab al-Zarqawi |
Apesar de
todas as inovações, o Estado Islâmico é descendente direto da al-Qaeda –
especificamente, da al-Qaeda no Iraque. Quando os EUA invadiram o Iraque em
2003, bin Laden tinha toda uma nova frente contra a qual combater. A Al-Qaeda
no Iraque foi organizada sob a liderança de Abu Musab al-Zarqawi, criminoso
menor, muito furiosamente sedento de sangue, que permitia que praticamente
qualquer um no seu grupo – tivesse ou não tivesse educação religiosa –
decidisse sobre se alguém era ou não era muçulmano certo. A organização ficou
famosa por postar filmes em YouTube
nos quais se assistia à degola de qualquer um que não tivesse atendido aos
critérios. A liderança central da Al-Qaeda tentou explicar a Zarqawi que o
subtítulo que ele usava – Xeique Degolador – não ajudava a causa, mas Zarqawi
manteve-se fiel a si mesmo até que, em 2006, os norte-americanos encontraram
seu rastro e o mataram.
Nem por
isso foi o fim. Os remanescentes muito endurecidos em batalha da al-Qaeda no
Iraque, unidos a outros grupos de militantes que haviam combatido contra a
ocupação norte-americana, decidiram recomeçar e se renomearam Estado Islâmico
do Iraque. O novo grupo progrediu muito depois que os EUA retiraram-se em 2011,
e no início desse ano, sob a liderança de Baghdadi, tomaram quase toda a área
de duas cidades que os EUA muito se esforçaram para tornar seguras: Fallujah e
Ramadi. Foram grandes vitórias simbólicas que ajudaram a fixar a reputação de
Baghdadi como mais destacado líder jihadi do mundo. Diferente de
Zawahiri da al-Qaeda, Baghdadi vencia batalhas em campo.
Abu Mohammed al-Joulani |
As coisas
também estavam avançando na Síria. No verão de 2011, quando parecia que o
regime de Assad em Damasco talvez não sobrevivesse, Baghdadi mandou homem do
Estado Islâmico no Iraque, Abu Mohammed al-Joulani, para montar loja na porta
ao lado. A oposição democrática a Assad estava exaurida; em questão de meses, al-Joulani
já estava invadindo e ocupando áreas no norte da Síria. Em janeiro de 2012
anunciou publicamente a existência do que chamou de Jabhat al-Nusra,
Frente al-Nusra. Por um ano a Frente al-Nusra acumulou ganhos, em parte porque
o regime de Assad deu-se conta de que, se deixasse os jihadis ganhar
territórios, o ocidente mudaria de ideia sobre o conflito sírio. Foi quando as
forças do governo sírio passaram a concentrar seu fogo contra o Exército Sírio
Livre, não contra os jihadis.
Depois de
ver os ganhos de Joulani na Síria, Baghdadi decidiu aparecer, ele próprio. Em
abril de 2013 mudou o nome do Estado Islâmico no Iraque, para Estado Islâmico
no Iraque e Síria (“Levante”). Logo depois anunciou a fusão entre o ISIL
e a Frente al-Nusra. Para Joulani, foi movimento de hostilidade, não de fusão.
Há várias versões sobre por que os dois homens romperam, desde um choque de
egos, até diferenças políticas irreconciliáveis. Segundo uma das histórias que
circulam, Baghdadi ordenou que Joulani explodisse um hotel na Turquia onde se
reuniam alguns líderes da oposição democrática síria. Temeroso de que suas
linhas turcas de abastecimento fossem comprometidas, Joulani recusou-se a
cumprir a ordem; e Baghdadi ficou ressentido. A política para o Irã foi outra
área de dissenso.
Ayman al-Zawahiri |
Alguns
altos membros do ISIL reclamaram que a al-Qaeda sempre tivera política
de não atacar o Irã; a Frente al-Nusra aceitava, mas o ISIL não. Fossem
quais fossem as razões precisas, os desacordos levaram a disputas internas
entre o ISIL e a Frente al-Nusra, e Joulani apelou a Ayman al-Zawahiri,
líder da al-Qaeda, para que decidisse. Zawahiri declarou que a Frente al-Nusra
era filial oficial da al-Qaeda na Síria, e que o ISIL havia rompido seus
laços com a al-Qaeda. Ordenou que o grupo se limitasse a lutar no Iraque –
sugestão que o ISIL rejeitou imediatamente. Hoje, talvez Zawahiri
lamente o que fez, mas ele também sabe que Baghdadi pode, sim, fracassar; se
por mais não for, porque só confia na violência mais extrema.
Essa foi
lição que a al-Qaeda aprendeu pela via mais difícil. 11/9 pôs muito alta a
barra a ultrapassar e ficou difícil imaginar, para os anos seguinte, algo tão
espetacular quanto os ataques da al-Qaeda que derrotaram New York; a organização descobriu que teria de usar cada vez mais
violência (dado que não havia mais talento à disposição), para conseguir
manter-se nas manchetes da imprensa-empresa planetária. A estratégia de
escalada afinal revelou-se em novembro de 2005, quando suicidas-bombas atacaram
três hotéis em Amã. No tempo de poucos minutos, mais de 50 pessoas foram
mortas, incluindo convidados que participavam de uma festa de casamento. Dia
seguinte, houve protestos nas ruas: os manifestantes condenavam a matança e
cantavam slogans a favor do rei
Abdullah.
Zawahiri
extraiu disso a conclusão óbvia, mas outros jihadis não conseguiram
entender o valor da moderação. Cada vez que um movimento jihadista ganhou
poder, ele perdeu popularidade porque não deu às pessoas comuns o que elas
desejam: paz, segurança e empregos.
Mulá Omar (Talibã) |
No Afeganistão,
por exemplo, os Talibã tiveram considerável apoio popular quando chegaram ao
poder em 1996, depois de anos de guerra civil: muitos afegãos gostaram da
estabilidade que os Talibã trouxeram. Mas o governo do Mulá Omar foi tão
violento e tão pouco preocupado com questões mundanas que, em 2001, já muitos
festejaram a partida dele. Outros governos jihadistas enfrentaram problemas
semelhantes. Em 2009, o atual líder dos Talibã no Paquistão, Mulá Fazlullah,
obteve o controle do Vale do [rio] Swat, a poucas horas de distância, de carro,
de Islamabad. Sua prática de matar os oponentes e deixar os cadáveres
apodrecendo na praça principal da maior cidade do vale, Mingora, tanto
horrorizou a população local, que passaram a apoiar uma ofensiva do exército
contra os militantes. Eventos similares verificaram-se no Norte da África, onde
nenhum movimento jihad conseguiu manter-se no poder.
A lição
deveria ser de que, deixados entregues aos seus próprios meios, governos jihadistas
sempre fracassam. Mas há sinais, porém, de que Baghdadi ou, pelo menos, alguns
de seus comandantes, começaram a avaliar a importância dessa questão. Em
algumas cidades sírias, o ISIL conseguiu restaurar algum grau de
normalidade, não só por garantiram a segurança mediante sistema de justiça nua
e crua, mas também graças à introdução de controle de preços sobre mercadorias
básicas; e, inclusive, porque começaram a dar conta de serviços públicos
simples, como organizar e controlar a distribuição de números de chapa para
veículos automotores. Gasolina e comida gratuita – sempre em embalagens com a
grife ISIL – são frequentemente distribuídas aos necessitados.
Nouri al-Maliki |
Por hora,
essas tentativas de conquistar as populações locais têm sido derrotadas não só
pelos métodos violentos de Baghdadi, mas, também, pela insistência dele em
regras impopulares, de inspiração religiosa, sobre uso de bebidas alcoólicas,
de cigarros, de roupas femininas e da música. Mas tão logo o Estado Islâmico
aprenda a governar tão bem como luta e vence batalhas, o apoio popular com que
conta com certeza aumentará muito. No momento, as suas possibilidades têm sido
comprometidas pelo muito que o Estado Islâmico ainda confia no medo.
Mas há
outra razão pela qual se deve crer que, no longo prazo, o Estado Islâmico não é
tão perigoso quanto muitos creem. Depois da queda de Mosul, o governo de Nouri
al-Maliki declarou que o ISIL teria de 4 a 6 mil combatentes no
Iraque. Outros entendem que esse número é muito maior. Seja como for, é claro
que exército tão diminuto não poderia ter ocupado superfície tão extensa e tão
depressa, sem ajuda.
O fato é
que o ISIL não é o monólito de pensamento único que parece ser. É só a
face pública de uma coalizão de ex-jihadistas, oficiais militares
baathistas e vários líderes tribais desiludidos com o governo de Maliki. Várias
diferentes milícias lutaram ao lado do ISIL, inclusive o Exército
Islâmico do Iraque, liderado pelo Xeique Ahmad al-Dabash, homem que não
partilha as ideias de Baghdadi sobre um califado.
Ahmad al-Dabash |
O Iraque pode permanecer sob sistema único,mas
com três regiões – curdos, sunitas e xiitas – separadas. Não há melhor solução
que essa – disse al-Dabash recentemente.
Os eventos
estão andando nesse rumo.
O Iraque já
está mais perto de ser três estados, que um. Dada a profundidade da
desconfiança entre as comunidades, é provável que as divisões se tornem mais
agudas: pode acontecer de a própria Bagdá ser esquartejada.
Os curdos,
que reagiram contra a tomada de Mosul, tomando o controle de Kirkuk, não
cederão facilmente. Alguns xiitas estão começando a achar que um estado xiita
pode ser preferível a um estado iraquiano, e há sunitas, também, que começam a
achar que preferem tomar conta, eles mesmos, da própria vida. A desintegração
do Iraque encaixa-se em tendências maiores que desafiam a ordem estabelecida no
Oriente Médio; não são só os jihadistas a comandar todas as mudanças.
Num
desenvolvimento que seria inimaginável há alguns anos, empresas ocidentais
estão comprando petróleo dos curdos, apesar da oposição do governo central em
Bagdá. Na Síria, o ISIL controla alguns poços de petróleo, mas muito
petróleo continua a chegar ao mercado. Quanto às fronteiras, já não é fora de
propósito pensar na possibilidade de um reduto alawita no oeste da Síria e de
autogoverno dos curdos: uma independência de fato, que mudaria, não só o
Iraque, mas também Turquia, Síria e Irã. Israel e as potências ocidentais já
estão mostrando preocupação sobre o que possa vir a acontecer na Jordânia. Não
há dúvidas de que resistirão contra qualquer demanda de que reconheçam mudanças
tentadas em limites nacionais. Mas isso pode levar a crescente divergência
entre os sistemas que regulam as relações nacionais entre estados, e a
realidade em campo.
*****
A promessa
da Primavera Árabe está extinta, em grande medida. Esperanças de mudança
democrática foram substituídas por medos de ditaduras e califatos. O principal
desapontamento é a região do Egito, onde os ideais da Praça Tahrir terminaram
em governo de ditador militar, ainda mais autoritário que Mubarak. A
Fraternidade Muçulmana – que venceu todas as eleições às quais concorreu depois
da Primavera Árabe – foi declarada organização terrorista, com centenas dos
seus principais líderes já condenados à morte.
Contente, Sisi recebe Kerry em dia de propina... |
E tudo isso
aconteceu com apoio do ocidente: o secretário de Estado dos EUA, John Kerry,
entregou recentemente mais de meio bilhão de dólares ao regime golpista do general Sisi. E a situação na Síria tem levado alguns a pensar se, comparado
aos jihadistas, o regime do presidente Assad não será, afinal, a melhor
opção. O ocidente dá sinais de estar mais do que apenas tentado a apoiar
qualquer ditador que apareça no Iraque, se der sinais de que conseguirá manter
sob controle o Estado Islâmico. Em outras palavras, o Ocidente já está
revertendo à sua tradicional política para o Oriente Médio, de apoiar regimes
autoritários que mantenham sob rédea curta sejam os islamistas radicais sejam
os democratas liberais.
Quando
George Bush e Tony Blair invadiram o Iraque, promoveram a ideia de que o
ocidente estaria enfrentando ameaça jihadista global comandada pela al-Qaeda.
Toda a Guerra Global ao Terror foi feita contra um único inimigo: o Islã
radical. De início, cada manifestação dessa ameaça foi atacada com força
massiva, a começar no Afeganistão. Mais recentemente, as ofensivas do ocidente
têm sido menos consistentes.
Tony Blair (E) e George W. Bush mentiram para invadir o Iraque |
Os jihadistas no Mali foram atacados, mas
al-Shabaab não foi incomodada na Somália. Para alguns, o não agir em alguns
casos sinalizaria fraqueza ocidental. “O ponto de partida é identificar a
natureza da batalha: é batalha contra o extremismo islamista. A batalha é essa”
– escreveu Tony Blair em ensaio publicado em sua página internet, redigido como
resposta aos avanços do ISIL no Iraque. Na sequência, recomendou outra –
possivelmente ilegal – intervenção militar.
Outros,
menos comprometidos com o passado, fazem análise diferente: ao mesmo tempo em
que os jihadistas estão envolvidos em várias lutas contemporâneas, os vários
conflitos envolvem teia complicada de muitos outros fatores. Já não há um único
inimigo – se é que algum dia houve inimigo único – dedicado a atacar o
ocidente. Há várias forças separadas, cada uma com agenda própria e seus
próprios motivos, que têm a ver, principalmente, com inimigos locais. Cada
conflito tem sua própria história e sua própria dinâmica.
No Iraque,
a atual rebelião é movida, não por antiamericanismo ou hostilidade contra o
ocidente em geral, mas, mais, pelo sectarismo, a corrupção e a incompetência do
governo Maliki. Os xiitas iraquianos e seus apoiadores iranianos, ao lado dos
sunitas moderados e até de curdos, todos têm agora um interesse comum em se
opor a al-Baghdadi – o que eles mesmos podem fazer com muito maior eficácia que
o exército dos EUA. De fato, tropas dos EUA deslocadas para lá serão como
fantoches nas mãos de al-Baghdadi e Zawahiri.
David Cameron |
Em fins de
junho, David Cameron disse à Casa dos Comuns do Parlamento que o ISIL poderia
tomar o controle do norte do Iraque e instalar lá um governo: “O pessoal que
chefia aquele governo, além de aspirar a tomar território, também planeja nos
atacar aqui em nossa casa, no Reino Unido”. É declaração temerária, altamente
belicosa, que ultrapassa em muito o que o governo de Obama tem dito.
Nos últimos
meses, os Republicanos desenvolveram com sucesso uma narrativa segundo a qual a
relutância de Obama em usar a força na região teria dado lugar a uma percepção
de fraqueza dos EUA. A pressão doméstica sobre Obama, para que seja mais
agressivo no uso da força militar tem sido considerável. Apesar disso, o
presidente dos EUA parece tem conseguido conter as demandas – que agora estão
partindo de uma improvável aliança entre Maliki e a direita norte-americana –
de que envie tropas dos EUA para o Iraque.
“Os sunitas
que tomaram cidades iraquianas”, disse Obama, representam “ameaça de médio e
longo prazo” para os EUA. Mas, acrescentou ele, “não podemos pensar que estamos
brincando de pega-pega e mandar soldados dos EUA para ocupar vários países,
cada vez que essas organizações aparecem no mundo”. “E seja como for”, disse
ele, “as populações locais rejeitam o ISIL por causa da violência deles”.
É evento muito raro: Downing Street, Londres, ainda mais falcão-linha-dura que
Casa Branca, Washington; mas talvez seja evento sem consequências.
Em frase na
qual articula de modo excepcionalmente claro a subserviência de Londres a
Washington, William
Hague disse, em resposta aos avanços do ISIL:
William Hague |
Apoiaremos os EUA em qualquer coisa que
resolvam fazer.
A
relutância de Obama, que não interveio na Síria pode parecer fracassada. Mas
estaria por acaso garantido que mais dinheiro do ocidente entregue ao Exército
Sírio Livre teria resultado na emergência de alguma espécie de estado liberal
democrático? O fracasso da Primavera Árabe em outros pontos não sugere que essa
possibilidade se concretizaria. Políticos ocidentais estão tendo de
reajustar-se à novidade de sua própria crescente incapacidade para dominar o
mundo. Se se consideram as alternativas, a inação de Obama parece boa ideia,
que é criticado pela direita e pela esquerda, pelos seus muitos erros e
fracassos. Mas o mais provável é que dentro de alguns anos, quando ele já não
estiver na Casa Branca, tenhamos muitas saudades de Obama.
[*] Owen Bennett-Jones é um jornalista britânico freelance e um dos
anfitriões do programa Newshour da
BBC. Como ex-correspondente da BBC esteve baseado em vários países fazendo
cobertura internacional. Ganhou o Sony
Radio Gold Award na categoria News
Journalist of the Year em 2008. Foi,
também, jornalista do ano da Commonwealth
em 2009. É articulista habitual de vários jornais britânicos, incluindo The Guardian, Financial Times e The
Independent e o London Review of
Books. Recentemente comentou no LRB sobre o MEK − um grupo militante
iraniano dissidente − e sobre o assassinato de Benazir Bhutto. Foi apresentador
de vários programas na BBC World Service.
Foi correspondente estrangeiro residente em Bucareste, Genebra, Islamabad,
Hanói e Beirute. Seu livro sobre a história de Paquistão: Pakistan: Eye of the Storm,, entrou na terceira edição em 2010 Tem
contribuído para o arquivo Lonely Planet,
guia histórico para o Paquistão. Em 2012 co-escreveu uma drama de rádio sobre o
assassinato de Salman Taseer, político paquistanês, intitulado “Blasphemy and the Governor of Punjab” e transmitido
pela BBC Radio 4 e o Serviço Mundial. Em 2012, tornou-se professor Ferris (título
honorífico) visitante de Jornalismo na Princeton
University. Em 2013, Bennett-Jones
publicou o seu primeiro livro de ficção, Target
Britain, um thriller inspirado na
guerra contra o terror de Bush-Blair.
Comentário enviado por e-mail e postado por Castor
ResponderExcluirLi agora há pouco na Al-Jazeera artigo que aponta a mão do sionismo israelense no Estado Islâmico. Segundo o autor do artigo, o próprio Netanyhau, primeiro-ministro de Israel, revelou, numa palestra a um think tank na Universidade de Tel Aviv, que os sionistas estão por trás da divisão do Iraque em função do plano de Oded Yinon de balcanização do Oriente Médio (também conhecido como plano Novo Oriente Médio) -- como estão por trás do que acontece na Líbia, na Síria, no Egito, na Tunísia etc.
Meninas iraquianas têm se suicidado por terem sido estupradas, ou obrigadas a casar-se com os jihadistas do Estado Islâmico. Parece que o chefe deles não entende a bestial necessidade de sexo violento de seus comandados.
BSA