7/7/2014, [*] Michael Hudson (entrevistado),
“Truthseeker”, RT TV
Entrevista traduzida pelo pessoal da Vila Vudu
Os alfarrábios pós-bolha assumem que chegamos ao
“fim da história”, no que tenha a ver com grandes problemas. Mas ainda falta
desmascarar e criticar o grande quadro: o modo pelo qual Wall Street financeirizou o domínio público para inaugurar uma
economia neofeudal de pagar pedágio [orig. toll-booth]
aos rentistas, ao mesmo tempo em que privatizou o próprio governo que, nos EUA,
passou a ser governado pelo Tesouro e pelo Federal
Reserve.
A história em que ninguém toca é a história de
como o [vaidoso,
presunçoso, “ético”, moralista, metido a besta] capitalismo
industrial [liberal]
sucumbiu a um capitalismo financeiro insaciável e insustentável, o qual –
perfeito neo “estágio final”! – é jogo de soma zero (só um ganha e, esse, leva tudo)
jogado pelo capitalismo - de - cassino baseado em trocas de papéis “derivativos” e
fundos hedge, as mais novas “inovações”
da jogatina e da agiotagem.
Michael
Hudson, 20/5/2009, Counterpunch, em: “The Toll
Booth Economy” trecho aqui traduzido e acrescentado [NTs].
Michael Hudson no "Truthseeker" da RT |
O “apoio” ocidental permitirá novos empréstimos
pelo FMI e pelos europeus para segurar a moeda ucraniana, até que os oligarcas
ucranianos possam transferir com segurança o dinheiro deles para bancos
britânicos e norte-americanos – explica o economista Michael Hudson a RT.
RT: O senhor
pode resumir para nós as etapas tentadas e testadas que resultarão dos
empréstimos pelo FMI à Ucrânia, com o melhor do patrimônio público da Ucrânia
sendo transferido para proprietários privados ocidentais – a função “quebra-joelho”
do FMI, como o senhor a definiu memoravelmente?
Michael
Hudson: O princípio básico a ter em mente é que a finança hoje é
guerra, por meios não militares. O objetivo de empurrar o país até que se perca
no endividamento, é conseguir arrancar dele o superávit econômico,
apossando-se, logo depois, da propriedade nacional. A principal propriedade
nacional a ser “obtida” é aquela que gere exportações e divisas (moeda
estrangeira). No caso da Ucrânia, significa a manufatura concentrada no leste e
as empresas de mineração – itens que, hoje, estão em mãos dos oligarcas. Para
os investidores estrangeiros, o problema é como transferir para mãos
estrangeiras esses bens e a renda que eles geram – numa economia cujos
pagamentos internacionais estão presos em déficit crônico, resultado da
fracassada “restruturação” pós-1991. É onde o FMI entra.
O FMI não foi
criado para “consertar” déficits domésticos de governos. Os empréstimos que o
FMI faz têm destino definido: têm de ser usados para pagar credores externos, sobretudo
para manter a taxa de câmbio do país. O efeito, quase sempre, é subsidiar
capital especulativo que voa para fora do país – com juros cambiais maiores;
para os depositantes e credores sobram menos dólares ou euros. No caso da
Ucrânia, entre os credores estrangeiros estaria a Gazprom, que já recebeu
alguma coisa. O FMI transfere um crédito para sua “conta Ucrânia”, a
qual então paga credores estrangeiros. O dinheiro realmente jamais chega à
Ucrânia ou a outros países que tomam empréstimos do FMI. É depositado em contas
de estrangeiros, inclusive governos estrangeiros tomadores, como no caso dos
empréstimos do FMI à Grécia. Esses empréstimos vêm com “condicionalidades”,
condições impostas para obter o empréstimo. Uma dessas “condicionalidades” é a
que impõe a “austeridade”. Esse processo
de novos empréstimos aumenta o endividamento – o que força o governo a apertar
cada vez mais o orçamento, trabalhar com déficits orçamentários menores e
vender patrimônio público.
RT: A Ucrânia deve esperar o chamado
“efeito-FMI”, com 1/5 da população empurrada para emigrar. Quais as
consequências de o país ver partir a parte de melhor formação educacional e
profissional da população?
MH: A Ucrânia já
depende do dinheiro que os emigrados mandam para casa, que já chega a 4% do PIB
(cerca de US$ 10 bilhões/ano.) A maior parte desse dinheiro vem da Rússia, o
restante da Europa Ocidental. O efeito dos planos de austeridade do FMI é
forçar maior número de ucranianos a emigrar à procura de emprego. E eles terão
de mandar para as famílias parte do dinheiro que ganhem fora da Ucrânia, o que
fortalecerá a moeda ucraniana na relação com o rublo e com o euro.
RT: Em
que sentido as ferramentas do FMI são, na realidade, “armas de destruição em
massa”, como o senhor escreveu? [1]
MH: Déficits mais
baixos de orçamento provocam “austeridade” e desemprego ainda mais profundos. O
resultado é uma espiral econômica para baixo. Menos renda, menos arrecadação de
impostos. Então os governos são mandados equilibrar os orçamentos... com a
venda de patrimônio público – principalmente monopólios existentes, cujos
compradores podem aumentar os preços, para fazer aumentar os lucros e o saque
econômico. O efeito disso é converter a economia numa economia de “pagar pedágio”
aos rentistas. As estradas públicas recebem “postos de [pagar] pedágio”, outros
sistemas de transporte, água, esgotos, são privatizados. Isso faz aumentar o
custo de vida, e, portanto, o custo do trabalho – mas os salários são reduzidos
e reduzidos, sangrados pela austeridade financeira que faz encolher os mercados
e eleva o desemprego.
RT: Pode-se
dizer que o FMI é “arma de destruição em massa” também em sentido mais literal.
A organização ameaçou publicamente
e chantageou a Ucrânia; disse que teria de “redesenhar” o pacote de ajuda,
a menos que Kiev fizesse guerra contra os ucranianos no leste do país e
impedisse os protestos. Essa atitude não converte o FMI em criminoso,
literalmente, no mínimo cúmplice ou instigador de guerra e assassinato?
MH: A “condicionalidade”
do FMI prevê que assim estaria “pacificando” o leste da Ucrânia. Nessa retórica
orwelliana, pode-se pacificar a ferro
e fogo; pacificação à bala é a paz dos cemitérios.
O único meio
pelo qual se pode alcançar paz econômica e política real é uma federalização da
Ucrânia, com unidades independentes, mas coligadas, de modo que cada região
consiga ser independente dos cleptocratas em Kiev – a maioria dos quais “nomeados”
pelo ocidente.
Quanto às
acusações de práticas criminosas, sempre dependem do acusador, do procurador e
da corte! Até hoje, nenhum país acusou o FMI por crimes de guerra ou por crime
econômico. O máximo que os eleitores podem fazer é rejeitar governos que se
rendam às condições que o FMI imponha. Muitos eleitores que podem votarão “com
os pés” e andarão para bem longe das urnas eleitorais, simplesmente abandonarão
a economia que naufraga. Portanto, o que se deve reconhecer a favor do FMI é que
a Ucrânia e outros dos seus “clientes” estão cometendo suicídio voluntariamente.
Não se pode dizer que estejam sendo assassinados. A austeridade é uma política.
Só raramente os neoliberais armam-se e assassinam governantes que se oponham à
austeridade.
Mas, sim, foi
exatamente o que aconteceu no Chile, em 1974, no governo de Pinochet. O governo
dos EUA estava, então, sim, por trás dos assassinatos. Nesse sentido, pode-se
dizer que a Ucrânia é replay do Chile (e do Brasil/1964
[Nrc]) há quarenta anos.
RT: Todos
conhecem os efeitos da austeridade na Grécia e em outros países; pesquisas
mostram que muitos ucranianos rejeitam a austeridade; hoje, até o FMI já admite
que a austeridade não funciona. Por que os governantes da Ucrânia insistem
nisso? Será que receberam “garantias” e já têm emprego prometido no ocidente,
depois que forem expulsos de seus países, talvez, pelas urnas?
MH: Os líderes
ucranianos são, praticamente todos, cleptocratas. O objetivo deles não é ajudar
o país, mas ajudar a consolidar o próprio poder. O objetivo deles não é ajudar
o país, mas ajudar a consolidar o próprio poder deles. George Soros escreveu
que o melhor modo de eles fazerem isso é encontrar sócios ocidentais. Assim os
EUA e a Europa terão meios para apoiar os cleptocratas, no processo de fecharem
o cerco à economia. Apoio ocidental garantirá mais empréstimo à moda FMI para reforçar
a moeda ucraniana, de modo que os ucranianos possam levar seu dinheiro em
segurança para o ocidente, para bancos britânicos e norte-americanos.
RT: O
senhor entende que a União Europeia chegará a acolher a Ucrânia como membro
pleno, para que, nos termos do acordo de associação, os estados-membros possam
arrancar do país a melhor parte de seu patrimônio e usar seus trabalhadores
como algo bem próximo de mão de obra escrava, pagando-lhes o salário mínimo
ucraniano de 91 centavos de dólar por hora de trabalho?
MH: A União
Europeia, de fato, nem tem interesse em admitir a Ucrânia como membro. Há uma
Política Agrícola Comum [orig.Common Agricultural Policy (CAP)],
subjacente à criação entre França e Alemanha, do Mercado Comum em 1957, que
define o oeste da Ucrânia como rica terra ocidental; e aquela área ainda é, até
hoje, área predominantemente rural. O que os investidores estrangeiros querem é
comprar a Ucrânia e “refeudalizar” o país, criando grandes estabelecimentos
comerciais rurais, grandes fazendas. Mas a UE dificilmente fornecerá os
subsídios necessários para financiar a mecanização e investimentos em capital,
para a agricultura na Europa Ocidental.
A União
Europeia não precisa integrar formalmente a Ucrânia, para beneficiar-se do
trabalho barato. Basta arruinar a economia ucraniana, como arruinaram a economia
grega, da Irlanda, da Letônia, para que os trabalhadores ucranianos tenham de
partir para o ocidente. E os trabalhadores de maior mobilidade são,
tradicionalmente, a geração que está hoje na casa dos 20 anos, a mais bem
formada que o país produziu, que fala vários idiomas e tem as competências que
mais fazem falta no ocidente.
RT: O
senhor escreveu que a Ucrânia “deve ter consultado os EUA”, para explodir
aquele gasoduto. O senhor acha que a OTAN apoiará qualquer coisa, até o
terrorismo, para tornar o gás russo menos “confiável”, sobretudo num momento em
que as gigantes norte-americanas do fracking estão empenhadas em
campanha gigante de propaganda & publicidade (“Relações Públicas”) na
Europa?
MH: Os EUA
pressionaram a Europa para que tornasse ainda mais custosa a economia europeia
e dependente das exportações de gás dos EUA. O objetivo principal foi privar a
Rússia de divisas. O que a OTAN pensa é, essencialmente, o que o
primeiro-ministro Arseniy Yatsenyuk tuitou na 2ª-feira, 16/6/2014: a Ucrânia “não
continuará a subsidiar a Gazprom [ao ritmo de] US$5 bilhões/ano, para que a
Rússia [com esse dinheiro] consiga armar-se outra vez contra nós”.
A posição dos
EUA hoje é a mesma de 1991: sem manufatura a Rússia não pode ser potência
militar séria capaz de se autodefender. E sem comprar tecnologia estrangeira e
sem vastos subsídios estatais – como os governos de EUA e europeus asseguram
às suas respectivas economias nacionais – a Rússia não conseguirá criar
manufatura. Assim sendo, a OTAN está hoje dedicada a tentar impedir que a
Rússia ganhe dinheiro suficiente para modernizar sua economia, sob o pressuposto
de que
(1) qualquer potência industrial sempre é
potencialmente potência militar; e de que
(2) qualquer potência militar pode ser usada
para construir a própria independência política, que afastará qualquer país da
esfera de influência dos EUA.
RT: Algo
mais que o senhor queira acrescentar?
MH: O que está
em questão é se as economias, em todo o mundo deixarão o poder da finança
continuar a desmontar e minar o poder de governos eleitos e, portanto, a minar
o poder da própria democracia. Governos são soberanos. Nenhum governo precisa,
de fato, pagar sua “dívida externa” ou submeter-se a políticas que minam os
três pilares que definem um estado: a capacidade para criar a própria moeda;
para impor impostos e para declarar guerra.
O que está em
disputa é quem manda no mundo: o 1% que existe como oligarquia financeira, ou
os governos progressistas eleitos. Os conjuntos de objetivos de um lado e do
outro são antitéticos: melhorar os padrões de vida da população e ampliar a
independência nacional; ou render-se a uma economia rentista, à austeridade e a
dependência.
_______________
Nota
dos tradutores
[1] 13/5/2014, Michael Hudson, “The
New Cold War’s Ukraine Gambit”, cap. do livro Flashpoint in Ukraine (Stephen Lendman, Ed.).
________________
[*] Michael Hudson (nascido em 1939, Chicago, Illinois, EUA) é professor e pesquisador de
economia na Universidade de Missouri–Kansas City (UMKC) e pesquisador
associado do Bard College. É ex-analista e consultor em Wall Street; presidente do “Instituto para o Estudo de
Tendências Econômicas de Longo Termo” (Institute
for the Study of Long-term Economic Trends - ISLET) e um membro-fundador da
"Conferência Internacional de Pesquisadores de Economias do Antigo Oriente
Próximo" (International Scholars Conference on Ancient Near Eastern
Economies - (ISCANEE).
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