17/7/2014, [*]
Pepe Escobar, Rússia Today,
Moscou
Traduzido
pelo pessoal da Vila Vudu
Abertura VIª Cúpula dos BRICS - Fortaleza, 2014
Foto Yasuyoshi Chiba-15/7/2014
|
A reunião dos
BRICS no nordeste do Brasil já fez história por
uma razão chave: a criação do Novo Banco de Desenvolvimento.
Podem
chamá-lo de antídoto Sul Global àquela máquina de ajuste estrutural, o FMI. Muitas e muitas vezes, as nações membros do
grupo BRICS e outras
insistiram para que se fizesse uma reforma institucional no FMI, que
reconhecesse o peso econômico do Sul Global. Pacotes de reformas dormem no Congresso dos EUA desde 2010. E em abril passado, mais uma vez, foram
bloqueados.
O Novo Banco
de Desenvolvimento será muitíssimo mais democrático que o FMI controlado por
EUA e União Europeia (UE).Considerem o
dinheiro: 10 bilhões de dólares, contribuição de cada país membro. Significa
que, mais cedo ou mais tarde, outras nações em desenvolvimento poderão
juntar-se ao projeto. Já
chamei de capitalismo de cassino versus um modelo de
capitalismo produtivo.
A agenda da
reunião foi gigantesca: os BRICS discutiram
comércio, estratégias de desenvolvimento sustentável, política macroeconômica,
energia, finanças, terrorismo, mudança climática, segurança regional,
contrabando de drogas, crimes transnacionais, industrialização da África. Os BRICS já estão
fazendo avançar uma torrente de projetos multilaterais estratégicos em termos
de demarcar uma rede alternativa de infraestrutura; por exemplo, o cabo
BRICS [BRICS cable], atualmente em implantação de Vladivostok a Shantou, Chennai,
Cape Town e Fortaleza (onde se
realizou a reunião). O cabo BRICS tem tudo a ver com segurança para a
Tecnologia de Informações, transferência de tecnologia, giro de commodities
– e facilitação de operações financeiras. Detalhe crucialmente importante: o
cabo não passa pelos EUA.
Cabo submarino dos BRICS (em vermelho) |
No segundo
dia de reunião, os cinco presidentes dos países BRICS passaram quatro horas e
meia em torno de uma mesa com líderes dos estados da UNASUL [esp. Unasur], a União das Nações Sul-Americanas [ing. the Union of South
American Nations]. Ali estavam – Kirchner, da Argentina; Bachelet, do Chile; Santos, da Colômbia; Evo
Morales, da Bolívia; Correa, do Equador; Pepe Mujica, do Uruguai; Maduro, da Venezuela; Umala, do Peru, dentre outros. Foi o Sul
Global em ação; parcela
substancial da verdadeira “comunidade internacional”, a que existe,
discutindo produção, investimento, integração, não sanções e bombas.
Falaram sobre
a miríade de possibilidades de investimentos BRICS em projetos de
infraestrutura – e integração – por toda a América Latina. Por exemplo, como o presidente chinês Xi Jinping sugeriu, a estrada de ferro perenemente sonhada do Oceano
Pacífico no Peru, ao Atlântico, no Brasil. Foi criado um
grupo trilateral Brasil-Peru-China encarregado de planejar, desenhar,
construir e operar a estrada de ferro transcontinental.
A Rússia partilhou a experiência que tem em
investigações sobre lavagem de dinheiro e crimes transnacionais transfronteiras. No campo da segurança, Rússia e China partilharam a
sinergia que há entre os dois BRICS e a Organização de Cooperação de Xangai
[orig. Shanghai Cooperation Organization
(SCO)] que conecta Rússia e China numa política de segurança comum com a
Ásia Central.
Falaram sobre
várias estratégias para escapar à vigilância do complexo orwelliano/ Panopticon. E muito
falaram sobre lentamente implementar um mundo multilateral, multipolar.
Reunião de trabalho na VIª Cúpula dos BRICS
Foto Yasuyoshi Chiba-15/7/2014
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De Brasília a Bruxelas
Em resumo, Putin e Xi jogaram xadrez no “quintal” de Obama, enquanto o moço-lá do “Yes We Can” brincava
com – e o que poderia ser?! – mais sanções.
Eis o que disseram os BRICS, a uma só voz, sobre sanções:
Enfatizamos nosso compromisso com a solução sustentável e pacífica de
conflitos, conforme os princípios e
objetivos da Carta da ONU. Condenamos intervenções militares unilaterais e sanções econômicas em violação ao
direito internacional e normas
universalmente reconhecidas das relações internacionais. Tendo isso presente, enfatizamos a singular importância da
natureza indivisível da segurança e que
nenhum Estado deve fortalecer sua segurança em detrimento da segurança dos
demais.
Enquanto os BRICS e a UNASUL falavam sobre cooperação e integração em Brasília, em Bruxelas a França, a Alemanha e a Itália eram os
principais países da União Europeia que se recusaram a acompanhar Washington e impor à Rússia “sanções econômicas e de
comércio setorial”. Mas a rachada
União Europeia não tinha alternativa e acabou por ter de dançar conforme a Voz
do Dono (as sanções que EUA estão criando agora ajudam muito a promover a
“Parceria Comercial Trans-Atlântico”, o “livre” comércio de multibilhões de
dólares contra o qual muitos ainda se opõem dentro da União Europeia).
Portanto, o
Banco Europeu de Investimentos e o Banco Europeu para Reconstrução e
Desenvolvimento [orig. European Bank for
Reconstruction and Development (EBRD)] vetarão novos projetos na Rússia, e a Comissão Europeia também suspenderá
muitas dotações e empréstimos prometidos à Rússia.
A Casa
Branca, claro, é senhora de um escaninho só dela, de mesquinharia e
vingancismo. Significa mais sanções contra as empresas Rosneft, Gazprombank, Novatek, e contra o
banco estatal de desenvolvimento econômico VEB, plus uma lista de mais oito empresas da
Defesa, de propriedade do estado russo, contra funcionários do governo russo,
contra uma empresa de petroleiros na Crimeia e contra federalistas em Donetsk e Lugansk no leste da Ucrânia. Os proverbiais “funcionários dos EUA” que não se
identificam lá estavam, à mão, para declarar que essas sanções “restringirão” o
acesso da Rússia ao “mercado dos EUA”.
Foto: Dmitry Kostyukov
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Agora então
comparem isso e a voz harmônica dos BRICS sobre a Ucrânia,
que clama
(...) por um diálogo abrangente; pelo declínio das
tensões no conflito; e pela moderação de todos os atores envolvidos, com vistas
a encontrar solução política pacífica, em plena conformidade com a Carta das
Nações Unidas.
Alexei Pushkov, presidente da Comissão de Assuntos
Internacionais do Parlamento Russo, definiu muito bem, antes do encontro, o
contexto em que aparecem os BRICS:
Quando dizem no ocidente que há algum tipo de “comunidade
internacional” que nos condena, estão falando dos 28 estados-membros da OTAN e
da União Europeia. Mas isso não é o mundo: isso é só a comunidade
euro-atlântica. Tem seu peso, mas não é a comunidade mundial. É
só uma fração dela.
Implica dizer
pois que não são apenas BRICS contra o consenso de Washington; são também BRICS contra o “modelo”
ocidental das sanções. E as
mensagens superpostas que nos vêm de Fortaleza são claras
como cristal: o monopólio do Ocidente, que o autorizava a definir a agenda
global já não existe. Acabou.
Considerem
também a voz unívoca dos BRICS sobre Israel/Palestina: os
BRICS conclamam
(...) Israel e Palestina a
retomar as negociações conducentes a uma solução de dois Estados, com um Estado palestino
contíguo e economicamente viável, existindo lado a lado e em paz com
Israel, dentro de fronteiras mutuamente acordadas e reconhecidas internacionalmente
com base nas linhas de 4 de junho de 1967, com Jerusalém Oriental como sua
capital.
Os BRICS claramente se opõem (...) à continuada
construção e à expansão dos assentamentos
nos Territórios Palestinos Ocupados pelo Governo israelense, que violam o direito internacional, solapam gravemente os esforços
de paz e ameaçam a viabilidade da solução de dois Estados. Saudamos os
recentes esforços pela unidade intra-palestina, inclusive a formação de um
governo de unidade nacional e os passos em direção à realização de eleições
gerais, elemento-chave para consolidar um Estado palestino democrático e sustentável.
Israel, claro, nem ouve. Prefere prosseguir com a limpeza
étnica em câmera lenta e massacre, de
Gaza.
Afinal, o
ex-leão de chácara e hoje truculento ministro de Relações Exteriores de Israel,
Avigdor Lieberman disse ao Kneset
[parlamento] que:
(...) a operação deve concluir com o exército de
Israel no pleno controle de toda a Faixa de Gaza.
Massacre em Gaza 2014 |
Os BRICS, por insistência de Rússia e China, até
introduziram um projeto de Resolução da ONU, atualizado, sobre a necessidade de
impedir a militarização do espaço sideral – como no projeto “Guerras das
Estrelas” que é parte essencial da doutrina do Pentágono, de Dominação de Pleno
Espectro. Adivinhe
então quem sempre votou contra, na ONU: Telavive e Washington.
Por tudo
isso, a escolha que o Sul Global está apresentando é, de fato, bem simples.
Escolha o seu modelo: de um lado, há um modelo marcado por integração,
cooperação, respeito mútuo; de outro lado, há outro modelo que ordena que você
se curve à Voz do Dono; se você desobedecer, o modelo tentará matar você a
golpes de sanções; detonará sua indústria de energia, seu acesso aos mercados
financeiros, o bem-estar de seus cidadãos; se nada funcionar, o modelo
bombardeia você, detona tudo, seu país é empurrado de volta à Idade Média.
[*] Pepe Escobar (1954) é jornalista, brasileiro, vive em São
Paulo, Hong Kong e Paris, mas publica exclusivamente em inglês. Mantém coluna (The
Roving Eye) no Asia Times Online; é também analista de política de
blogs e sites como: Tom Dispatch, Information Clearing House, Red
Voltaire, Counterpunch e outros; é correspondente/ articulista das redes Russia
Today,The Real News Network Televison e Al-Jazeera.
Seus artigos podem ser lidos, traduzidos para o português pelo Coletivo de
Tradutores da Vila Vudu e João Aroldo, no blog redecastorphoto.
Livros:
− Globalistan:
How the Globalized World is Dissolving into Liquid War,
Nimble Books, 2007.
− Red
Zone Blues: A Snapshot of Baghdad During the Surge, Nimble Books, 2007.
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