quinta-feira, 17 de julho de 2014

Poder dos EUA no exterior evapora

16/7/2014, [*] Shamus Cooke, Counterpunch
Traduzido pelo pessoal da Vila Vudu


Era uma vez, nem faz muito tempo, quando a capacidade do governo dos EUA para dirigir a política de outras nações era quase absoluta. Bastava que qualquer presidente dos EUA anunciasse publicamente qualquer política econômica ou militar para outra nação, e os efeitos eram instantâneos.

Os países que recusassem as instruções dos EUA eram declarados “párias”, ou inimigos, e imediatamente postos sob a mira da política externa dos EUA, expostos a receber sanções econômicas ou invasão militar; líderes desses governos “do mal” eram inevitavelmente declarados “iguais a Hitler”.

Essas nações tipo “eixo do mal” eram, então, exceções. Hoje, parecem “lançadoras de tendências”. Os “policiais” do mundo estão vendo suas instruções cada dia mais ostensivamente ignoradas, enquanto várias nações já cospem desafiadoramente na cara dos tais “policiais”.

Mas, como qualquer ditador−gorila com longa folha corrida de brutalidades, o governo dos EUA de modo algum aceitará conformado esse seu novo destino de potência de segunda classe, enquanto a recriação da nova ordem internacional exacerba tensões globais, com nações emergentes competindo por influência em países mais pobres que, em tempos passados, prestavam vassalagem aos EUA.

O sinal mais palpável da fraqueza dos EUA é a política norte-americana para a Rússia. O Departamento de Estado de Obama prometeu sanções “dolorosas” contra a política da Rússia na Ucrânia; mas os EUA já não conseguem nem arranhar de leve. Para realmente “doer” economicamente na Rússia, os EUA precisariam que seus aliados europeus obedecessem; e esses, precisamente, estão dando as costas aos planos anti-Rússia de Obama.


Não só [os países do G-7] não deram sinal algum de desejar esnobar o presidente da Rússia, como desejava os Sr. Obama, como, de fato, sequer manifestaram interesse em manter os esforços para isolar o Kremlin. Chamou a atenção, sobretudo, o governo francês, que repetiu que, sim, dará andamento ao negócio de $1,6 bilhões, da venda de navios de guerra a Moscou, e que, sim, treinará 400 marinheiros russos na França ao longo desse mês. E outros líderes europeus foram cautelosos sobre demarcar novas ‘linhas vermelhas’ e ameaçar novas sanções contra a Rússia.

O governo dos EUA meteu os pés pelas mãos, então, contra o governo francês. Quando a França não desistiu da venda de armas à Rússia, o governo Obama aplicou multa de US$10 bilhões ao maior banco francês, sob alegação de que teria participado de operações de lavagem de dinheiro.

BNP PARIBAS - Multado em US$ 10 bilhões
A arrogância padrão-Bush, que levou os EUA ao desatino de multar um banco francês, despertou a fúria dos franceses, do governo e da opinião pública, e em nada ajudou a melhorar a imagem dos EUA em outros países europeus. Mas a dominação que os EUA exercem sobre o sistema financeiro global – por causa do status do dólar, como moeda mundial de reserva – que ainda é uma das derradeiras formas de poder dos EUA sobre o mundo – também está perdendo a “pegada”.

Com a França discursando contra os EUA, outro forte aliado europeu, a Alemanha, fez o que, antes, seria impensável: expulsou do país o chefe da inteligência dos EUA (CIA) na Alemanha. O jornal Huffington Post comentou:

O escândalo fez congelarem as relações com Washington, que caíram a temperaturas jamais vistas desde que o predecessor de Angela Merkel opôs-se à invasão do Iraque, em 2003.

O poder dos EUA desabou para profundidades tais, que o governo Obama já não consegue sequer controlar politicamente o Afeganistão, nem mesmo com o país afogado sob o peso descomunal da ocupação militar pelos EUA. As recentes eleições afegãs foram atingidas por denúncias de fraude – mais uma vez! – que ameaçam destroçar ainda mais o país, rompendo completamente a frágil colcha de retalhes de “alianças” que a diplomacia dos EUA vem tentando costurar lá, para manter a aparência de “democracia” e alguma ilusão de “domínio” pelos EUA.

O New York Times ofereceu tímida explicação para os eventos:

(…) os EUA têm hoje muito menos influência que em 2009. Depois de anos de assistir funcionários dos EUA se curvarem ante Karzai, para serem repetidamente desautorizados por ele, já poucos dão crédito às ameaças dos EUA de retirarem as tropas e cortar a ajuda. E cada crise sucessiva por fraudes eleitorais – esse ano é a terceira em cinco anos, incluindo as eleições parlamentares de 2010 — diminuiu ainda mais a fé de muitos afegãos no governo imposto a eles pelos EUA.

Joe Biden
O ruidoso fracasso da política dos EUA no Iraque está encobrindo o resultado ainda parcial de erros igualmente ruidosos também na Síria. A influência dos EUA no Iraque é tão fraca, que o establishment norte-americano parece aprovar a total fragmentação do Iraque, que foi a “solução” dos EUA para a Iugoslávia: criar nações menores, divididas por etnias e mais fáceis de controlar. O velho plano do vice-presidente Joe Biden para o Iraque é grande passo naquela direção, que Obama parece estar tentando implementar até hoje, mesmo que nada diga sobre isso.

O erro ainda maior que os EUA cometeram na Síria foi talvez ainda mais comprometedor contra o poder dos EUA que o “casamento” dos EUA com os ditadores do Golfo para financiar e armar grupos extremistas fundamentalistas sunitas.

Quando Obama inventou aquela tal “linha vermelha” e inventou também que a Síria a teria “infringido” – o que jamais passou de deslavada mentira do quilate das armas de destruição em massa que nunca existiram no Iraque – mas nada fez como reação real, o mundo logo viu. Ameaças só ameaçam, se seguidas por atos e consequências, e os EUA foram impotentes para “punir” a Síria, assim como já haviam fracassado no movimento para “disciplinar” a Rússia. Todos os “aliados” que Obama reuniu para castigar a Síria deram-se conta de que os EUA nada fariam; dali em diante, foi-se tornando cada vez mais difícil formar alianças, como se constata hoje contra a Rússia.

"Acho que você usou tudo na Síria"
Obama e a Linha Vermelha
Agora, os EUA já enfrentam uma avalanche de “maus modos”, quando até o pequenino Bahrain já desafia abertamente o poder norte-americano.

O editorial do New York Times sobre o assunto levava o título de A má decisão do Bahrain:

Bahrain pareceria país que de modo algum expulsaria alto diplomata dos EUA sob acusações feitas com estardalhaço, dado que naquele estado do Golfo está ancorada a V Frota da Marinha dos EUA e o país depende da proteção dos EUA para defendê-lo, sobretudo contra ataques do Irã. Pois o Bahrain fez exatamente o que ninguém esperaria que fizesse (...).

Esses atos ultrajantes obrigam a questionar o respeito que o Bahrain demonstra pela aliança com os EUA (...). Até aqui, o governo Obama, que trabalhou para manter os laços com a monarquia apesar de preocupações sobre direitos humanos, respondeu fracamente. Tem de avançar, para deixar claro que tal comportamento é inaceitável.

Bahrain - Ilha no Golfo Pérsico
Principal  base naval dos EUA no Oriente Médio
Com cada vez mais e mais nações a questionar a autoridade dos EUA – aqueles mesmos países passam a gravitar na direção de outras potências – Rússia e China, etc. – que têm mais a oferecer, além de ameaças, sanções, espionagem e venda de armas. É inevitável que o processo em andamento, de deterioração do poder dos EUA, continuará. A questão é até que ponto irá o governo dos EUA, na reação. Superpotências não cedem o próprio status– que hoje gera muitos lucros para as grandes empresas norte-americanas – sem guerra.

Enquanto o governo dos EUA recorre sempre à carta da intervenção militar para tentar manter o próprio poder sobre outros países, os trabalhadores nos EUA têm de organizar-se para falar cada vez mais alto, e exigir que as centenas de bilhões de dólares pagos pelos contribuintes norte-americanos sejam afinal usados para construir e manter escolas, atendimento à saúde dos cidadãos, projetos de infraestrutura e para atender todas as muitas carências da tão longamente negligenciada sociedade civil nos EUA.

[*] Shamus Cooke é trabalhador de Serviço Social, sindicalista e escritor ligado a Workers Action.

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