16/7/2014, [*] Shamus Cooke, Counterpunch
Traduzido pelo pessoal da Vila Vudu
Era uma vez,
nem faz muito tempo, quando a capacidade do governo dos EUA para dirigir a
política de outras nações era quase absoluta. Bastava que qualquer presidente
dos EUA anunciasse publicamente qualquer política econômica ou militar para
outra nação, e os efeitos eram instantâneos.
Os países que
recusassem as instruções dos EUA eram declarados “párias”, ou inimigos, e
imediatamente postos sob a mira da política externa dos EUA, expostos a receber
sanções econômicas ou invasão militar; líderes desses governos “do mal” eram
inevitavelmente declarados “iguais a Hitler”.
Essas nações
tipo “eixo do mal” eram, então, exceções. Hoje, parecem “lançadoras de
tendências”. Os “policiais” do mundo estão vendo suas instruções cada dia mais
ostensivamente ignoradas, enquanto várias nações já cospem desafiadoramente na
cara dos tais “policiais”.
Mas, como
qualquer ditador−gorila com longa folha corrida de brutalidades, o governo dos
EUA de modo algum aceitará conformado esse seu novo destino de potência de
segunda classe, enquanto a recriação da nova ordem internacional exacerba
tensões globais, com nações emergentes competindo por influência em países mais
pobres que, em tempos passados, prestavam vassalagem aos EUA.
O sinal mais
palpável da fraqueza dos EUA é a política norte-americana para a Rússia. O
Departamento de Estado de Obama prometeu sanções “dolorosas” contra a política
da Rússia na Ucrânia; mas os EUA já não conseguem nem arranhar de leve. Para
realmente “doer” economicamente na Rússia, os EUA precisariam que seus aliados
europeus obedecessem; e esses, precisamente, estão dando as costas aos planos
anti-Rússia de Obama.
Não só [os países do G-7] não deram sinal algum
de desejar esnobar o presidente da Rússia, como desejava os Sr. Obama, como, de
fato, sequer manifestaram interesse em manter os esforços para isolar o
Kremlin. Chamou a atenção, sobretudo, o governo francês, que repetiu que, sim,
dará andamento ao negócio de $1,6 bilhões, da venda de navios de guerra a
Moscou, e que, sim, treinará 400 marinheiros russos na França ao longo desse
mês. E outros líderes europeus foram cautelosos sobre demarcar novas ‘linhas
vermelhas’ e ameaçar novas sanções contra a Rússia.
O governo dos
EUA meteu os pés pelas mãos, então, contra o governo francês. Quando a França
não desistiu da venda de armas à Rússia, o governo Obama aplicou
multa de US$10 bilhões ao maior banco francês, sob alegação
de que teria participado de operações de lavagem de dinheiro.
BNP PARIBAS - Multado em US$ 10 bilhões |
A arrogância
padrão-Bush, que levou os EUA ao desatino de multar um banco francês, despertou
a fúria dos franceses, do governo e da opinião pública, e em nada ajudou a
melhorar a imagem dos EUA em outros países europeus. Mas a dominação que os EUA
exercem sobre o sistema financeiro global – por causa do status do dólar, como
moeda mundial de reserva – que ainda é uma das derradeiras formas de poder dos
EUA sobre o mundo – também está perdendo a “pegada”.
Com a França
discursando contra os EUA, outro forte aliado europeu, a Alemanha, fez o que,
antes, seria impensável: expulsou do país o chefe da inteligência dos EUA (CIA)
na Alemanha. O jornal Huffington
Post comentou:
O escândalo fez congelarem as relações com
Washington, que caíram a temperaturas jamais vistas desde que o predecessor de
Angela Merkel opôs-se à invasão do Iraque, em 2003.
O poder dos
EUA desabou para profundidades tais, que o governo Obama já não consegue sequer
controlar politicamente o Afeganistão, nem mesmo com o país afogado sob o peso
descomunal da ocupação militar pelos EUA. As recentes eleições afegãs foram
atingidas por denúncias de fraude – mais uma vez! – que ameaçam destroçar ainda
mais o país, rompendo completamente a frágil colcha de retalhes de “alianças”
que a diplomacia dos EUA vem tentando costurar lá, para manter a aparência de
“democracia” e alguma ilusão de “domínio” pelos EUA.
O New
York Times ofereceu tímida
explicação para os eventos:
(…) os EUA têm hoje muito menos influência que
em 2009. Depois de anos de assistir funcionários dos EUA se curvarem ante
Karzai, para serem repetidamente desautorizados por ele, já poucos dão crédito
às ameaças dos EUA de retirarem as tropas e cortar a ajuda. E cada crise
sucessiva por fraudes eleitorais – esse ano é a terceira em cinco anos,
incluindo as eleições parlamentares de 2010 — diminuiu ainda mais a fé de
muitos afegãos no governo imposto a eles pelos EUA.
Joe Biden |
O ruidoso
fracasso da política dos EUA no Iraque está encobrindo o resultado ainda
parcial de erros igualmente ruidosos também na Síria. A influência dos EUA no
Iraque é tão fraca, que o establishment norte-americano parece aprovar a
total fragmentação do Iraque, que foi a “solução” dos EUA para a Iugoslávia:
criar nações menores, divididas por etnias e mais fáceis de controlar. O velho
plano do vice-presidente Joe Biden para o Iraque é grande passo naquela direção, que Obama
parece estar tentando implementar até hoje, mesmo que nada diga sobre isso.
O erro ainda
maior que os EUA cometeram na Síria foi talvez ainda mais comprometedor contra
o poder dos EUA que o “casamento” dos EUA com os ditadores do Golfo para
financiar e armar grupos extremistas fundamentalistas sunitas.
Quando Obama
inventou aquela tal “linha vermelha” e inventou também que a Síria a teria “infringido”
– o que jamais passou de deslavada mentira do quilate das armas
de destruição em massa que nunca existiram no Iraque – mas nada fez como reação real, o mundo
logo viu. Ameaças só ameaçam, se seguidas por atos e consequências, e os EUA
foram impotentes para “punir” a Síria, assim como já haviam fracassado no
movimento para “disciplinar” a Rússia. Todos os “aliados” que Obama reuniu para
castigar a Síria deram-se conta de que os EUA nada fariam; dali em diante,
foi-se tornando cada vez mais difícil formar alianças, como se constata hoje
contra a Rússia.
"Acho que você usou tudo na Síria" Obama e a Linha Vermelha |
Agora, os EUA
já enfrentam uma avalanche de “maus modos”, quando até o pequenino Bahrain já
desafia abertamente o poder norte-americano.
O editorial
do New York Times sobre o assunto levava o título de “A
má decisão do Bahrain”:
Bahrain pareceria país que de modo algum
expulsaria alto diplomata dos EUA sob acusações feitas com estardalhaço, dado
que naquele estado do Golfo está ancorada a V Frota da Marinha dos EUA e o país
depende da proteção dos EUA para defendê-lo, sobretudo contra ataques do Irã.
Pois o Bahrain fez exatamente o que ninguém esperaria que fizesse (...).
Esses atos ultrajantes obrigam a questionar o
respeito que o Bahrain demonstra pela aliança com os EUA (...). Até aqui, o
governo Obama, que trabalhou para manter os laços com a monarquia apesar de
preocupações sobre direitos humanos, respondeu fracamente. Tem de avançar, para
deixar claro que tal comportamento é inaceitável.
Bahrain - Ilha no Golfo Pérsico Principal base naval dos EUA no Oriente Médio |
Com cada vez
mais e mais nações a questionar a autoridade dos EUA – aqueles mesmos países
passam a gravitar na direção de outras potências – Rússia e China, etc. – que
têm mais a oferecer, além de ameaças, sanções, espionagem e venda de armas. É
inevitável que o processo em andamento, de deterioração do poder dos EUA,
continuará. A questão é até que ponto irá o governo dos EUA, na reação.
Superpotências não cedem o próprio status– que hoje gera muitos lucros
para as grandes empresas norte-americanas – sem guerra.
Enquanto o
governo dos EUA recorre sempre à carta da intervenção militar para tentar
manter o próprio poder sobre outros países, os trabalhadores nos EUA têm de
organizar-se para falar cada vez mais alto, e exigir que as centenas de bilhões
de dólares pagos pelos contribuintes norte-americanos sejam afinal usados para
construir e manter escolas, atendimento à saúde dos cidadãos, projetos de
infraestrutura e para atender todas as muitas carências da tão longamente
negligenciada sociedade civil nos EUA.
[*] Shamus Cooke é trabalhador de Serviço Social, sindicalista e escritor
ligado a Workers Action.
E-mail: shamuscook@gmail.com
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