30/7/2014, [*] Pepe Escobar, Asia Times Online − The Roving Eye
Traduzido pelo pessoal da Vila Vudu
O horrível, dos Dois Minutos de Ódio, não era
que se fosse obrigado a agir como todos os outros, mas que era impossível
negar-se a participar.
Um frenesi odioso de medo e vingancismo, um
desejo de matar, torturar, esmagar cabeças com uma marreta parecia percorrer
todo o grupo como uma corrente elétrica, convertendo cada um, mesmo contra a
própria vontade, em lunático que berra ameaças e faz caretas horrendas. (George Orwell, 1984).
"Os 5 Fabulosos" |
Quer dizer então que Obama, Merkel, Cameron, Hollande e o premiê italiano Matteo Renzi – “Os 5 Fabulosos” – reuniram-se lá numa videoconferência para darem-se mutuamente coragem e “aumentar a pressão”, e “exigir” um cessar-fogo em Gaza. Horas depois, Benjamin "Bibi" Netanyahu de Israel distribuiu sua resposta, em palavras claras: nada jamais o afastará da ideia de que, dessa vez, sim, o mundo conhecerá a versão dele de uma Solução Final para Gaza. Com ou sem “pressão”.
Assim sendo,
o que restou aos 5 Fabulosos, depois que Bibi chutou tão sem-cerimônias o
traseiro ocidental coletivo deles? Pois foi quando resolveram deixar Gaza de
lado e... sancionar a Rússia – outra vez. Não lhes parece estratégica
brilhantíssima, para quem tanto precisava tentar salvar a cara?
Aquela
espetacular não entidade, Tony Blinken, que reforça o orçamento trabalhando
como vice-conselheiro de segurança nacional de Barack Obama, teve a gentileza
de explicar à imprensa-empresa ocidental, que o pessoal-lá, aquela gangue sem
leis do Eurolixo, está, afinal “decidido a agir”. Não, não, não contra Israel,
por causa de Gaza; contra a Rússia, por causa da Ucrânia. Que adorável simetria
orwelliana: os Dois Minutos de Ódio
prorrogados de Israel contra os gazenses convertem-se em Dois Minutos de Ódio
prorrogados do “Ocidente” contra a Rússia, perfeita reprodução dos Dois Minutos
de Ódio prorrogados de Kiev contra os ucranianos do leste.
Nem Hollywood
teria concebido trama semelhante: Israel safa-se da cadeia, apesar do
assassinato premeditado em massa de civis... E a Rússia é enquadrada por causa
de assassinato de passageiros de um avião civil, caso que tem todas as
características de ter sido obra dos vassalos em Kiev dos “parceiros”
ocidentais da Rússia.
Em outro
artigo já discuti como sanções, sanções, sanções é
a única “política” do governo Obama para a Rússia. Além das próximas sanções
que virão sem demora da União Europeia, vêm aí também – e o que mais seria –
mais sanções dos EUA. Afinal, os EUA está tão “preocupados” porque Moscou pode,
mais dia menos dia, invadir a Ucrânia, o que seria resposta caída dos céus para
aqueles rezadores lá de “In God We Trust” como no papel-dinheiro.
"Você não está apavorado?" |
Em que pé
ficamos agora
Acompanhemos
os fatos. Washington disse, desde o primeiro instante, que o MH17 fora
derrubado por míssil do presidente russo Vladimir Putin. Juraram que teriam
provas. Tipo “A gente tem certeza. Confiem na gente”. A história comprova, pelo
menos, há 60 anos, que não se deve confiar neles. Não havia provas. Nenhuma
prova jamais apareceu. Só diz-que-disse.
Moscou, pela
voz do Ministro da Defesa, exibiu provas sólidas. E recomendou que se fizesse
investigação internacional independente não enviesada. Washington ignorou tudo:
as provas e a recomendação.
A Marinha dos
EUA, com seus radares de altíssima tecnologia e última geração, estavam há
semanas no Mar Negro. Como os russos, tinham rastreamento completo de cada
partícula que sobrevoasse a Ucrânia. A Agência de Segurança Nacional dos EUA não
faz outra coisa, além de reunir inteligência naquela área; a Agência Nacional
de Inteligência/Geoespacial só faz registrar tudo que se passe no reino da
imagem; a Agência de Inteligência da Defesa acrescenta “inteligência humana”, Humint;
e mais a CIA; e o Diretor de Inteligência Nacional, que tudo vê/tudo
sabe. Como é possível que esse aparato de três trilhões de dólares para
Dominação de Pleno Espectro não tivesse visto nada?! Como é possível que não
tenham uma única prova, uma, que seja, conclusiva, a apresentar?
A única “prova”, risível, que se viu até agora mostra uma
salada de letrinhas de siglas, de agências de inteligência dos EUA que consomem
o horário de expediente inteiro a ler blogs e tuitar. O chefe do Departamento de Estado em Kiev tuitou imagens
de satélite, o New York Times papagueou o tuíto e assim “provou” que a
Rússia estaria bombardeando a Ucrânia do seu lado da fronteira. Até que
apareceram proverbiais “altos funcionários” dos EUA, que tiveram de admitir,
tensíssimos, ao vivo, que não, não havia prova alguma do “míssil de Putin”. Se
houvesse, a OTAN estava preparada para disparar saquinhos de hambúrgueres sobre
a Praça Vermelha.
Considerada a
riqueza de informação já divulgada, a mais forte probabilidade sobre o que
causou a tragédia do MH17 é um míssil R-60M ar-ar, disparado de um jato
ucraniano Su-25 – não de um BUK (há também a possibilidade de que tenha
havido dois ataques ao avião: primeiro o míssil R-60M, em seguida um BUK).
O R-60M é muito rápido, com distância ideal de ataque de até 5 quilômetros . Essa,
precisamente, é a distância em que estava, do MH17, o Su-25 que os russos
detectaram (como se viu nas imagens que divulgaram).
Enquanto isso, em Donetsk... |
Os serviços
secretos da Ucrânia, SBU, por sua vez, confiscaram todas as gravações da
torre de controle de Kiev em conversas com o MH17. Essas gravações com certeza
explicariam por que o MH17 sobrevoava zona de guerra (a empresa Malaysia
Airlines revelou que foram forçados). Pode-se apostar bom dinheiro em que
aquelas gravações estão sendo “tratadas”.
E há também
as caixas pretas, que não serão decodificadas nem pelos malaios nem pelos
holandeses, mas pelos britânicos – que trabalham a serviço de Washington. Como
o blogueiro The
Saker resumiu a opinião de
altos especialistas russos:
(...) os britânicos deixarão que a Agência de
Segurança Nacional dos EUA falsifique os dados e a falsificação será coordenada
com o SBU em Kiev, e eles distribuirão só as gravações que “confirmem”
integralmente a ‘autenticidade’ das gravações que a ASN-EUA falsificou no Reino
Unido.
Para tornar a
coisa mais palatável, e apagar suspeitas de complô anglo-norte-americano, os
holandeses anunciarão o “laudo”. Assim, vocês já ficam avisados.
Na OTAN, as
cabeças não param. As milícias de Kiev farão “exercícios conjuntos” com a Organização
do Tratado do Atlântico Norte, OTAN, na Ucrânia, daqui a pouco mais de um mês,
dia 1º/9/2014. Alerta vermelho, porque é exatamente quando o presidente da
Ucrânia Petro Poroshenko disse que a limpeza étnica em câmara lenta no Donbass
estará concluída.
Quanto ao
aspecto R2P (“responsabilidade de proteger”), é bem pouco provável. É
verdade que, sim, Moscou sempre pode declarar que, a menos que pare a limpeza
étnica em câmara lenta no Donbass, eles reconhecerão as Repúblicas Populares,
de Donetsk e Luhansk. Nesse caso, Moscou estaria repetindo Abkhazia e Ossetia
Sul: responsabilidade de proteger apoiada em musculatura militar.
Nos termos da
lei internacional – que Washington, por falar dela, nunca respeita – não é a
mesma coisa que “invadir” a Ucrânia. Uma Samantha Power, sejamos francos, que
dá medo, embaixadora dos EUA na ONU, entrará obviamente em surto – mas será só
dose do próprio remédio que ela tanto recomenda aos outros. Seria de fato
comparável ao que os EUA estão fazendo para ajudar os jihadistas salafistas na
Síria; melhor ainda: o mesmo que os EUA fizeram no Kosovo.
US$ 50
bilhões de dólares de abutres
E agora, além
das sanções, Moscou também enfrenta tentativa de assalto massivo de US$ 50
bilhões. A Corte Internacional de Arbitragem em Haia descobriu que o processo
que o Kremlin moveu contra a petroleira Yukos e seu principal acionista, Mikhail Khodorkovsky,
há uma década, teve motivação política. Moscou não pode apelar – mas seguirá
todas as vias legais para tentar “cancelar ou revogar” essa sentença.
Yukos - falcatrua da Corte Internacional de Haia |
Ora essa! A
decisão politicamente motivada, no caso, é a sentença do tribunal de Haia.
Khodorkovsky foi considerado culpado também na Corte Europeia de Direitos
Humanos, não só no sistema judicial russo. Os acionistas de Yukos e Menotep
eram e continuam a ser um bando de gângsteres oligarcas – para dizer o mínimo.
Eis aí pois o
Império do Caos mais uma vez em ação, manipulando uma corte holandesa depois
de, literalmente, ter roubado o ouro da Alemanha e ter multado a França por
vender navios de guerra à Rússia. Nesse caso, o “Ocidente” tem mais
investimentos na Rússia que o governo russo no ocidente. O revide pode ser
terrível – se Moscou, por exemplo, congelar todos os investimentos de EUA e da
União Europeia, sobretudo os feitos na nova fronteira ultra rentável, os campos
de petróleo no Ártico. O Grande Petróleo Ocidental jamais permitirá que
aconteça tal coisa.
A lista
poderia estender-se para sempre. Resumo de tudo: o estado russo simplesmente
nunca se deixará roubar por qualquer safado que distribua sentenças para ajudar
um bando de oligarcas. Paralelamente, é verdade também que não só o Retorno dos
Mortos (neoconservadores) Vivos, mas também porções consideráveis do estado
profundo em Washington DC e arredores – além da plutocracia “ocidental” –
querem muito provocar alguma espécie de guerra da OTAN contra a Rússia e o
quanto antes, melhor.
Em linha
paralela, dizem os boatos em Moscou que o Kremlin considera essa prolongada
batalha post-Yukos como preocupação menor, comparada à guerra econômica que
ameaça convulsionar a Europa e, eventualmente, pôr a Europa em posição
antagônica em relação à Rússia: exatamente o que o Império do Caos reza – e
muito trabalha – para que aconteça. “Dois Minutos de Raiva”? Quem disse? Vêm
por aí horas, dias, semanas e anos.
[*] Pepe Escobar (1954) é jornalista,
brasileiro, vive em São Paulo, Hong Kong e Paris, mas publica exclusivamente em
inglês. Mantém coluna (The Roving Eye) no Asia Times Online; é
também analista de política de blogs e sites como: Tom Dispatch, Information
Clearing House, Red Voltaire, Counterpunch e outros; é
correspondente/ articulista das redes Russia Today,The Real News
Network Televison e Al-Jazeera. Seus artigos podem ser lidos,
traduzidos para o português pelo Coletivo de Tradutores da Vila Vudu e João
Aroldo, no blog redecastorphoto.
Livros:
− Globalistan: How the
Globalized World is Dissolving into Liquid War,
Nimble Books, 2007.
− Red Zone Blues: A Snapshot of
Baghdad During the Surge, Nimble Books,
2007.
− Obama Does Globalistan,
Nimble Books, 2009.
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