8/7/2014, [*] Pepe Escobar, Asia Times Online − The Roving Eye
Traduzido pelo pessoal da Vila Vudu
"O Califa": Dr. Ibrahim al-Badri de Samarra; ou Abu Bakr al-Baghdadi; ou ainda Abu Dua, Ibrahim bin Awad bin Ibrahim Al-Badri Al-Radawi Al-Husseini Al-Samarra'i |
Quer dizer
então que “O Califa”, agora, é superstar global! Desde que o Dr. Ibrahim
al-Badri de Samarra, clérigo sunita menor que está incorporando um califa
neomedieval de nome Abu Bakr al-Baghdadi, apareceu no púlpito de pedra de uma
mesquita em Mosul, no início do Ramadã, a vida do “astro” é perfeita roda-vida.
Lá estava,
fazendo o comercial de negociata transnacional – dos subúrbios de Aleppo a
Mosul (e anúncio de mais terras a serem tomadas). Ele dirigiu e montou seu
próprio vídeo – dele, só dele, cantoria monótona, monocórdica, e vestindo
uniforme de gala dos Homens de Preto. Acabou
com a oposição, de fato, à bala. Elogiou
os mujahid, convidando-os a seguir a Jihad em nome de Alá.
Condenou os incréus e hipócritas, exaltando a “vitória dos muçulmanos” do
“oriente e do ocidente”.
Modesto,
carregando relógio de 7 mil dólares (ou cópia chinesa) e pedindo que o
corrigissem em seus erros de comportamento, “O Califa” anunciou que seu negócio
de Estado Islâmico, ex-ISIS, não é questão só do Levante. Quer passaporte
do Estado Islâmico? É só pedir ao Califa (vídeo a seguir).
"O Califa" está
de olhos postos em Roma: quer conquistá-la (sarracenos saquearam a Igreja de
São Pedro em 846): “Saquearás Roma e serás senhor do mundo”. Mas só depois de
domingo, para que o papa Francisco possa assistir ao futebol, Argentina x
Alemanha, em paz, sem medo de ser decapitado.
Antes,
contudo, “O Califa” parece pronto a montar seu camelo santificado, aos gritos
de “Allahu Akbar!”, pela estrada até Bagdá e dali a Meca. Afinal, ele também
proclamou que o golpe colonial Sykes−Picot, perdão, digo, o acordo de 1916
entre Grã-Bretanha e França, está desfeito, que é nulo, vale nada. Não
surpreende que a Casa de Saud, aquela fonte pura e virginal de coragem, já
tenha reunido 30 mil mercenários, digo, soldados, na fronteira com o Iraque
(até há seis meses, os sauditas mantinham uma Jihad tipo ponte aérea,
por terra e ar, direto para a Síria e o Iraque; agora, morrem de medo do efeito
bumerangue).
O conhecido
orientalista francês Olivier Roy não parece impressionado com o furor
cenográfico do Califa. Chamou-o de “delirante”, mas sem desmerecer a esperteza
do homem: “cauteloso e invisível como Mulá Omar; ambicioso e megalomaníaco como
Osama bin Laden”. O que convoca imediatamente a tal questão: como é possível
que “O Califa” não esteja incluído na lista−de−gente−a−ser−assassinada, de Zero−Zero−O−Bama?
Por que “O Califa” não está sendo dronado lá mesmo, nas areias mesopotâmicas?
“O Califa”
não disse palavra sobre a Operação Proteção só para os Sionistas, desculpe, “Operation Protective Edge” [ap.
“Operação Cerca de Proteção”] , a mais recente super-produção em câmera lenta
de limpeza étnica/castigo coletivo que os israelenses estão fazendo em Gaza,
contra mais de 400 alvos, e vastíssimo “dano colateral”. É movimento de
Relações-Bombas Públicas comandado por “O Califa”. Até aqui, o movimento lhe
está valendo papel duplamente ridículo na Rua Árabe – que vê claramente as suas
dúbias autoapresentadas credenciais religiosas e, simultaneamente, o seu
imperial desprezo pelo sofrimento dos palestinos.
Crianças assassinadas por Israel em Gaza (julho/2014) |
Fim dos jihadis-bonzinhos
Seja como
for, “O Califa” está em todas as bocas. Sua Declaração salafista−jihadista de
Independência – não só da al-Qaeda histórica, mas, principalmente, das
imundas/corruptas monarquias árabes e do aparelho de inteligência ocidental que
alimentou a Jihad por muitos, muitos anos – é, sim, um terremoto. O que
explica a perplexidade do Império do Caos. Aquela boa “estratégia” de projetar
o poder do império/OTAN usando jihadistas alugados naquelas guerras bem
distantes, guerreadas “por procuração”... está hoje reduzida a cacos. “O Califa”
é a mais nova “Criatura” da Jihad Frankenstein.
Não
surpreende que o jantar−pato−manco, digo, o governo−pato−manco de Obama esteja
ainda considerando, pelo menos para a Síria, aquele velho Plano A (armar os
dois lados em luta, e deixar lá que “árabes matem árabes” o mais possível). No
Iraque o plano ainda em discussão no Departamento de Defesa talvez seja dronar
os comboios do Estado Islâmico. Não será passeio no parque, porque a liderança
militar do Estado Islâmico é constituída de ex-guerrilheiros que combateram no
Iraque, gente experiente. E não são nem doidos de pôr na estrada aquela longa
fila de picapes Toyotas brancas fulgurantes em pleno deserto, tudo outra vez,
agora que já viraram celebridades instantâneas e estão por aí, em todas as
televisões.
Ahmed Chalabi |
No front político, há insistentes rumores
de golpe militar iminente em Bagdá, planejado pelo comandante militar da
cidade, Abdulamir al-Shumanni. Os líderes do golpe dizem que contam com o apoio
de Washington e Teerã (negócio fabuloso; serão convocados para ajudar nas
negociações nucleares no Grupo P5+1). Como em A Volta da Brigada dos Mortos
(Neoconservadores) Vivos nos EUA, todos apostam no primeiro cavalo de carne
batizada com hormônios que apareceu: Ahmed
Chalabi.
Não importa o
quanto seja ambicioso, “O Califa” teria de agir em grupo. Mas muitos grupos
jihadistas sírios já se posicionaram contra o Estado Islâmico. O mesmo está
acontecendo no Iraque; milicias sunitas estão-se posicionando contra eles na
província de Nineveh.
É onde entram
os xeiques sunitas – os fantasmas nessa máquina infernal. “O Califa” tem de ter
agentes infiltrados nos quais confie, que lhe digam que, tão logo os xeiques
tenham acabado de usar o Estado Islâmico como ferramenta para “desestabilizar” o
governo de al-Maliki em Bagdá, os mesmos xeiques imediatamente tratarão de
esmagar o califado. É aliança extremamente temporária – uma espécie de remix
do ex-Estado Islâmico no Iraque, cujo emirado foi esmagado por efeito do
“Despertar de Anbar” [orig. Anbar
Awakening] [1], alimentado com dinheiro dos EUA.
Athel al-Nujaifi |
“O Califa”
também terá de encarar Athel al-Nujaifi, governador da província de Nineveh;
ele quer um Sunistão diferente, com alto grau de autonomia (e muito petróleo
ainda não explorado), mas mantido como parte do Iraque. Al-Nujaifi é o mais
influente político sunita no Iraque, e presidente do maior partido
político sunita do país. No
momento, “O Califa” parece não querer correr risco algum. Agentes do Estado
Islâmico já prenderam muitos e muitos ex-oficiais do exército iraquiano e
ba’athistas em torno de Mosul.
Assim sendo,
mais uma vez, o que fará o governo Obama? Provavelmente, um remix de
Bush II; fazer chover dinheiro sobre os xeiques, para jogá-los contra “O Califa’,
o mais depressa possível. Teerã, enquanto isso, está também ativa, via pequenos
contingentes de Agentes Especiais – como o que salvou o belo santuário xiita em
Samarra (não foi capturado pelo Estado Islâmico). Trabalham na direção de
repetir sua estratégia para a Síria: criar um exército iraquiano paralelo, de
guerrilheiros.
A ideia de
que “O Califa” atacará em breve “o ocidente” ou os EUA é piada. Até agora, as
incursões terroristas do Estado Islâmico só foram até Irbil (no Kurdistão
iraquiano), Basra e Damasco. Todas essas são cidades relativamente próximas do
comando operacional do Estado Islâmico. O Estado Islâmico não tem como alcançar
o “ocidente”. Até atacar Bagdá já é desafio gigantesco para eles. Não têm
competência nem para atacar a embaixada dos EUA, do tamanho do Vaticano. Para nem
comentar que as milícias Sadristas, em Sadr City, por exemplo, reduziriam a
poeira, o Estado Islâmico. Só podem aspirar, no máximo, a continuar destruindo
santuários sunitas, sufistas e xiitas.
David Ignatius |
Paralelamente,
a história realmente sumarenta a ser acompanhada, é que o Estado Islâmico pode
vir a converter-se em arma ideal para o Império do Caos – e a Casa de Saud –
combater contra o que se poderia chamar de aliança Irã−Hezbollah−Síria−Iraque.
Exatamente o contrário do que “noticia”
David Ignatius.
Realisticamente,
em termos geopolíticos, a jornada de “O Califa” até Roma também é piada. O
Estado Islâmico está cercado por potências hostis, do Irã e Turquia ao Egito.
Se os Homens de Preto decidirem atravessar 300 km de deserto, para
atacar o reino do Reizinho de Playstation,
também conhecido como Jordânia, serão sumariamente dronados.
Portanto,
agora que se se autoanunciou como neo−Osama, “O Califa” que cubra a retaguarda.
Muito provavelmente, é camelo de um só truque. Talvez se dê conta de que tem
mais chances de garantir o estrelato se se autopromover como a Segunda Vinda de
Michael Jackson e se puser a fazer a dancinha de Moonwalk. Em qualquer
caso, ele com certeza logo verá que o Exército Árabe Sírio do presidente Bashar
al-Assad pode provocar dor considerável no lombo do Estado Islâmico. E há até
mais opções do lado iraquiano.
Apesar de
todos os rumores de golpe, al-Maliki permanecerá, muito provavelmente, no poder
em Bagdá. E será armado até os dentes, não só por Teerã, mas também por Moscou.
O Corpo dos Guardas Revolucionários Iranianos já estão envolvidos tentando
construir o que se pode descrever como Brigadas de Guardas Nacionais. Todos
combaterão contra o Estado Islâmico. Em movimento de pinça, ataques a partir da
Síria e a partir do Iraque podem destruir praticamente todo o Estado Islâmico
em seis meses a partir de hoje.
O Califa,
além do potentíssimo relógio, pode ter muitas armas e ganhar muito dinheiro vendendo
petróleo, mas o Califado não passa de miragem. Só uma coisa é certa: antes de que
se desfaça na areia do tempo, haverá sangue. Muito, muito sangue.
Nota dos tradutores
[1] No outono de 2006, um grupo de xeiques
sunitas em Ramadi rejeitaram a al-Qaeda e começaram a cooperar com forças dos
EUA às quais haviam feito oposição por muito tempo. Os movimentos que ficaram
conhecidos como “Despertar de Anbar”, também chamados “Salvação de Anbar”,
converteram Anbar, de uma fortaleza insurgente, em área na qual os EUA passaram
a poder comandar operações efetivas. [mais sobre isso, na visão dos EUA em:
“ANBAR
AWAKENING: DISPLACING AL-QAEDA FROM ITS STRONGHOLD IN WESTERN IRAQ”].
[*] Pepe Escobar (1954) é jornalista,
brasileiro, vive em São Paulo, Hong Kong e Paris, mas publica exclusivamente em
inglês. Mantém coluna (The Roving Eye) no Asia Times Online; é também analista de política de blogs e
sites como: Tom Dispatch, Information Clearing House, Red Voltaire, Counterpunch e outros; é
correspondente/ articulista das redes Russia Today, The Real News Network Televison e Al-Jazeera. Seus artigos podem ser lidos,
traduzidos para o português pelo Coletivo de Tradutores da Vila Vudu e João
Aroldo, no blog redecastorphoto.
Livros:
− Globalistan:
How the Globalized World is Dissolving into Liquid War,
Nimble Books, 2007.
− Red
Zone Blues: A Snapshot of Baghdad During the Surge, Nimble Books, 2007.
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