5/7/2014, [*] M K Bhadrakumar, Diario Info, Portugal
Repassado pelo pessoal da Vila Vudu
O Irã não tem assistido passivamente às sucessivas
ofensivas, nomeadamente na Síria e no Iraque, que o tomam claramente como alvo
ulterior. E vem empreendendo iniciativas no plano diplomático que não apenas
reforçam a sua posição como começam a abrir brechas entre as próprias
monarquias reacionárias que, juntamente com Israel, têm assumido o papel de
peões do imperialismo no Médio-Oriente.
Parlamento Iraniano (Majlis) |
Após quase
uma semana de expectativa, Teerã modificou a abordagem e a retórica
relativamente à crise no Iraque e na Síria. As insinuações e as sombrias
indicações indiretas das declarações iranianas até agora feitas deram lugar à
crítica aberta do apoio da Arábia Saudita ao Estado Islâmico do Iraque e do
Levante [ISIL, no acrônimo inglês].
Dois
destacados membros da comissão do Majlis [Parlamento] de assuntos estrangeiros
e de segurança referiram-se com veemência a Riad:
A Arábia Saudita é o apoiante espiritual, ideológico e
material do ISIL, e o soberano saudita atribuiu ao anterior chefe dos
serviços de informações [o príncipe Bandar] a missão especial de apoiar o ISIL (Mohammad
Hassan Asafari).
Mohammad Saleh Jokar |
É
extremamente raro o Rei Abdullah ser especificamente nomeado numa declaração
iraniana. Entretanto, outro destacado membro do Parlamento, Mohammad Saleh
Jokar, advertiu implicitamente Riad de que está a jogar pedras, tendo telhado
de vidro:
Em lugar de interferir nos assuntos internos do Iraque e de
implementar as intrigas dos EUA, a Arábia Saudita faria melhor se se ocupasse
dos seus assuntos internos.
A linha de
raciocínio iraniana é de que a luta pela sucessão na família real saudita
vai-se tornando cada dia mais aguda.
Edifício do Parlamento iraniano (Majlis) |
Significativamente
o Líder Supremo, Ali Khamenei, repetiu uma expressão cunhada pelo Iman Khomeini
nos primeiros anos da revolução iraniana, referindo-se à Arábia Saudita como
uma mascote dos EUA e um cúmplice disfarçado de Israel. Dirigindo-se no domingo
a um grupo de recitadores do Corão, em Teerã, disse que existe uma diferença
entre o “Islã Americano” e o verdadeiro Islã:
Aiatolá Ali Khamenei |
O Islã Americano, embora tenha nome e aparência islâmica,
contemporiza com o despotismo e o sionismo… E está inteiramente ao serviço do
sionismo e dos EUA.
Entretanto,
o apoio aberto à ideia de um estado curdo independente no norte do Iraque
manifestado pelo primeiro-ministro israelita Benjamin Netanyahu – para além das
visitas a Erbil na semana passada do secretário de Estado norte-americano John
Kerry e do secretário dos negócios estrangeiros britânico William Hague –
alertaram Teerã para a calibrada estratégia anglo-americana (com a participação
de Israel) de criar um “estado petrodólar” junto à fronteira ocidental do Irã.
Teerã
acompanha atentamente a forte presença dos serviços de informações israelitas
em Erbil. Numa declaração pouco usual, Teerã contestou frontalmente a
emergência de um Curdistão independente. Hossein Amir Abdollahian apontou à
liderança curda que seria imprudente enveredar pelo caminho da secessão. Um
destacado membro do parlamente criticou pessoalmente o líder curdo iraquiano,
Massoud Barzani e a sua intenção declarada de anexar Kirkuk.
Barzani é
próximo dos serviços de informações israelitas. O incremento da atividade
desses serviços na região do Curdistão e a iniciativa de Netanyahu no sentido
de se imiscuir nas divergências inter-iraquianas explicam a emergente
possibilidade de Teerã considerar reatar o apoio ao Hamas.
Khaled Meshaal (Hamas) |
Os laços
entre Teerã e o Hamas restringiram-se nos últimos anos, depois da catastrófica
decisão de Khaled Meshaal de abandonar Damasco e de se instalar em Doha,
alinhado com os países da região que pressionavam uma mudança de regime na
Síria. Sem dúvida que Mashaal será hoje um homem mais sábio (e mais triste),
como é visível na
carta que dirigiu ao Presidente iraniano, Hassan Rouhani, pedindo
ajuda. Para além disso, Teerã realizou uma importante manobra na frente
diplomática. O vice-ministro dos Estrangeiros, Abdollahian deslocou-se no
fim-de-semana a Moscou para consultas com o seu homólogo russo relativas ao
desenvolvimento da situação no Iraque/Síria, em particular no que diz respeito
à necessidade de frustrar a estratégia dos EUA.
É visível
nestas conversas em Moscou um elevado grau de
coordenação russo-iraniano.
Naturalmente,
o Irã saúda a iniciativa russa de envio de aviões a jato e conselheiros
militares para Bagdá. O objetivo de ambos países será de recusar a Washington a
prerrogativa de ditar a governação do Iraque.
Nouri al-Maliki |
É
interessante registrar que Moscou atendeu a solicitação de ajuda por parte do
primeiro-ministro em funções, Nouri al-Maliki, não obstante as desesperadas
tentativas de Washington para o apear e o substituir por uma figura mais
manejável à frente do governo de Bagdá. Os meios de comunicação ocidentais
quiseram apresentar Maliki como se estivesse definitivamente queimado, mas
Moscou e Teerã poderão não ter a mesma opinião.
Teerã
concluiu que a saga ISIL no Iraque é um empreendimento EUA-Saudita e
que o Qatar foi excluído dele. (As relações Sauditas-Qatar estão em estado de
congelamento). O conclave que se reuniu com Kerry em
Paris em 26 de Junho/2014 para discutir o roteiro para o Iraque e a
Síria incluía a Arábia Saudita, os Emirados Árabes Unidos e a Jordânia, mas a
ausência do Qatar saltava à vista.
Nesses
termos, no domingo (29/6/2014)Rouhani pegou no telefone e debateu com o Emir do
Qatar os desafios do Iraque e do ISIL.
Rouhani propôs que Irã e Qatar se
juntassem para combater o terrorismo no Iraque.
Wael al-Halqi |
Na
segunda-feira (30/6/2014) igualmente, numa chamada telefônica do Primeiro
Vice-Presidente do Irã para o primeiro-ministro sírio Wael al-Halqi, Teerã
reiterou o seu apoio ao presidente sírio, Bashar al-Assad.
O
significado fundamental destas iniciativas na frente diplomática é que o Irã
espera infligir uma esmagadora derrota ao ISIL.
Está claramente em curso a mobilização para esse objetivo.
O Irã não permitirá
que a vitória conseguida na Síria seja posta em causa pelas forças derrotadas
através da ofensiva do ISIL no Iraque; nem irá contemporizar com uma
reversão do ascendente xiita no Iraque pela porta traseira da “balcanização” do
país.
Em resumo,
Teerã não está disponível para comprometer os seus interesses vitais e as suas
preocupações centrais na Síria e no Iraque apenas porque as conversações entre
o P5+1 e o Irã acerca da questão nuclear se aproximam da reta final.
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MK Bhadrakumar foi diplomata de carreira do Serviço Exterior da Índia. Prestou serviços
na União Soviética, Coreia do Sul, Sri Lanka, Alemanha, Afeganistão, Paquistão,
Uzbequistão e Turquia. É especialista em questões do Oriente Médio, Afeganistão
e Paquistão e escreve sobre temas de geopolítica, de energia e de segurança
para várias publicações, dentre as quais
The Hindu
e
Ásia Times Online, Al Jazeera, Counterpunch,
Information Clearing House, e muitas outras. Anima o blog Indian Punchline no sítio Rediff BLOGS. É
o filho mais velho de MK Kumaran (1915–1994), famoso escritor, jornalista,
tradutor e militante de Kerala, Índia.
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