Putin na América Latina
8/7/2014, [*] Nil Nikandrov, Strategic Culture
Traduzido pelo pessoal da Vila Vudu
Espantando fantasmas da América Latina |
A América
Latina ouviu com muita atenção o discurso
do presidente Putin na Reunião com Embaixadores e Representantes
Permanentes da Federação Russa, dia 1º de julho, no Kremlin. O interesse aumentou, depois que se
divulgaram, dia 4/7/2014, os planos do presidente russo Vladimir Putin, que
visitará Cuba, Argentina e Brasil, em meados do mesmo mês de julho.
O presidente
Putin visitará a América Latina e participará de uma reunião do grupo dos
países BRICS, as cinco principais potências emergentes do mundo – Brasil,
Rússia, Índia, China e África do Sul, dias 11-16/7/2014.
Durante o encontro dos países BRICS, Putin tem
reuniões marcadas com líderes da China, Índia e África do Sul, além de vários
outros governantes latino-americanos – como informou o Kremlin.
A VIª reunião
de cúpula dos BRICS acontecerá em Fortaleza, nordeste do Brasil, dia 15/7/2014.
A convite da Rússia, a Argentina também participará dos trabalhos. Na reunião,
os países BRICS discutirão a possível admissão da Argentina como sexto
país-membro.
Proteger os
interesses nacionais da Rússia e reforçar as bases e princípios das relações
internacionais – essas são as metas prioritárias que o presidente Putin fixou
para o Ministério de Relações Exteriores da Rússia e todas as missões
diplomáticas russas em todo o mundo.
Putin
conclamou o ocidente (a começar pelos EUA) a parar de tentar
converter o planeta num “mundo-quartel”, ditando normas aos demais países.
Tenho esperanças de que o pragmatismo acabará
por prevalecer. Temos de nos livrar de ambições. Pôr fim às tentativas para
criar um mundo-quartel, todos em fila, regidos por “ordem-unida”, vivendo sob
regras únicas de comportamento e de vida. Temos de começar, finalmente, a
construir relações baseadas na igualdade, no respeito mútuo e na atenção aos
interesses comuns. É tempo de todos admitirmos o direito do outro, de ser
diferente; o direito de todos os países de viver a vida como escolham, sem ter
de obedecer ao que outros lhes digam que façam ou deixem de fazer – disse
Putin.
“Mundo-quartel” (Global Barracks)
|
As guerras
sangrentas insufladas pelo Departamento de Estado dos EUA, pelo Pentágono,
pelos serviços secretos norte-americanos na região de fronteiras da Rússia – do
Afeganistão à Ucrânia – não pode deixar indiferentes os governantes racionais
da América Latina.
Se se examina
o noticiário de periódicos sérios como Punto Final (Chile), La
Jornada (México), Granma (Cuba) e inúmeros outros – tudo se resume a
um único ponto: toda a fúria dos EUA está dirigida hoje contra a Rússia e a
China, países capazes de responder a qualquer ação agressiva dos
norte-americanos. Obama precisa recompor a imagem de “durão”, agora que sua
popularidade alcança picos negativos recordes. Então, os EUA estão à procura de
uma presa – qualquer regime hostil a ser provocado.
Obama não se
atreverá a iniciar operação punitiva em regiões muito distantes, nesse momento
em que a economia dos EUA está em ruínas. Portanto, procurará alguém mais
próximo, ao sul do Rio Grande, no antigo quintal do ex-império norte-americano.
E quem
Washington escolherá como “caso exemplar” demonstrativo dessa “neutralização de
regime” pouco amigável? Esse item aparece com prioridade nas principais listas
de discussões políticas na América Latina.
Muito se têm
discutido as ações em que os EUA estão trabalhando, ações subversivas,
especialmente contra governos “populistas”, servindo-se de avançados meios e
armas da guerra de informação. Na América Latina há muitos alvos: Cuba,
Venezuela, Equador, Nicarágua, Bolívia, Argentina e até o Brasil, que está
longe de adotar políticas populistas, mas mantém-se firme numa linha de
política externa que visa a proteger interesses nacionais. As nações do Caribe
que mantêm laços com Cuba e Venezuela e participam do Projeto Petrocaribe podem
também enfrentar a fúria do ex-império.
Petrocaribe é
uma aliança em torno do petróleo constituída de vários estados caribenhos com a
Venezuela, que lhes vende petróleo em condições especiais de pagamento. Essa
aliança foi lançada em 2005. Foi o período durante o qual Washington iniciou a
luta contra regimes “concorrentes”, período durante o qual usou métodos “soft”
de desestabilização: agravou crises econômicas, induziu e alimentou movimentos
de protesto com a ajuda de organizações não governamentais (ONGs) articuladas
por agentes da CIA ou funcionários da USAID; em quase todos os
casos, usa-se falsa informação, ou informação duvidosa, quase sempre acusações
de corrupção, lançadas contra figuras chaves da política local, para fazer
crescer as tensões. Trabalham incansavelmente para desacreditar líderes
campeões de votos. Qualquer informação serve, se bem divulgada e “repercutida”
pela imprensa-empresa; como informações sobre contas bancárias privadas.
Disseram que Fidel Castro teria 40 bilhões de dólares [precisamente 40 bilhões
de dólares] numa conta privada em seu nome; e também houve inúmeras “notícias”
sobre contas bancárias bilionárias em nome de Hugo Chávez e Daniel Ortega. Nenhuma
prova jamais apareceu.
Rafael Correa venceu o golpe de outubro/2010 |
Quando a
desestabilização alcança determinado nível, os serviços especiais dos EUA
entram em ação, para “esquentar” os tumultos. No Equador, policiais comandados
pelos serviços secretos dos EUA e trabalhando como serviço consular ou
diplomático na Embaixada dos EUA, urdiram um golpe armado e atacaram o
presidente. Na Bolívia, diplomatas norte-americanos comandavam grupo
terrorista, de mercenários, constituído pela CIA na Europa. A ação decisiva de
agentes das forças especiais bolivianas conseguiu desbaratar parte dessa
formação terrorista, com alguns dos rebeldes já presos. E os EUA continuam
ativos na Bolívia, como na Venezuela, onde os serviços secretos dos EUA geraram
subversão econômica, criando desabastecimento de alguns itens vitais, em
conluio com empresários locais; encenaram protestos de rua, bloqueios de
estradas, prédios públicos foram incendiados e houve outros atos terroristas.
No Brasil, a
agência USAID patrocina organizações não governamentais que lançaram
campanha de protesto contra a Copa do Mundo da FIFA realizada no país, usando o
evento como “cenário” para expor críticas contra a “política social falha” da
presidenta Dilma Rousseff. O golpe fracassou, a Copa está sendo realizada com
grande sucesso e a presidenta Dilma Rousseff aparece como favorita nas
pesquisas de tendências de voto. Nenhum presidente jamais implementou programas
e políticas sociais de tão amplo alcance e com tal sucesso, antes, no Brasil,
que o ex-presidente Ignácio Lula da Silva; e, depois, sua sucessora e atual
presidenta Dilma Rousseff.
A abordagem
confrontacional de Washington para os problemas internacionais criam um fator
negativo permanente em todo o sistema de relacionamento internacional na
América Latina. Falando
aos embaixadores, o presidente russo deu definição precisa da razão que
espreita por trás da política dos EUA para a América Latina:
Gostaria de começar dizendo que nosso
Ministério de Relações Exteriores e nossas embaixadas estão sob muita pressão;
vê-se, sabe-se que estão, mas essa pressão não diminuirá. Só aumentará, assim
como a exigência de que mostremos eficiência, precisão e flexibilidade em
nossas ações, para preservar interesses nacionais da Rússia. Vocês sabem o
quanto os desenvolvimentos internacionais podem ser dinâmicos e imprevisíveis.
Parecem ser empurrados ao mesmo tempo e, infelizmente, nem todos são
desenvolvimentos de caráter positivo. O potencial para conflitos está crescendo
no mundo, velhas contradições vão-se tornando sempre mais agudas e novas vão
sendo provocadas. Deparamo-nos com esses desenvolvimentos, às vezes sem esperar
por eles, e observamos com lástima que a lei internacional não está
funcionando, as normas mais básicas de decência são desrespeitadas e a mais
irrestrita permissividade vai ganhando predominância.
Vladimir Putin fala aos Embaixadores (1/7/2014) |
Os EUA estão
lutando claramente para preservar o sistema mundial de modelo unipolar, o mesmo
que já fracassou. A política de aferrar-se aos modos velhos de fazer as coisas
tem implicações globais.
A
infraestrutura das bases militares de EUA e OTAN é criada para ações de ataque;
os planos para ataques nucleares contra Rússia e China nunca saem “de cima da
mesa”. Especialistas do Pentágono vivem a avaliar cinicamente os parâmetros de
dano aceitável para o caso de segundo ataque, de retaliação, contra os EUA. Na
teoria, há perdas aceitáveis; os especialistas do Pentágono não se envergonham
de “conceder” milhões de vidas de norte-americanos. Esses cálculos, de gente
sedenta de sangue, fazem empalidecer o horror produzido em Hollywood.
O presidente
Putin disse que:
Não cabe dúvida alguma de que a ordem do mundo
unipolar não se realizou. Povos e países erguem a voz a favor da
autodeterminação e da identidade civilizacional e cultural, o que conflita com
as tentativas de alguns países para manter sua dominação sobre a esfera
militar, na política, nas finanças, na economia e na ideologia.
É chegada a
hora de reconhecer o direito de ser diferente e de determinar o próprio destino
com independência. Mas alguns países latino-americanos ainda têm de obedecer ao
que Washington lhes ordene. Colômbia, Honduras, Guatemala, Paraguai e alguns
outros, ainda vivem como quartéis dos EUA. As instalações militares em
território desses países são usadas pelo Pentágono para chantagear regimes
inamistosos e incendiar conflitos militares locais.
O presidente
Putin disse que a Rússia está pronta para desenvolver relações com todos os
parceiros. Enfatizou a rica experiência de relações políticas e humanitárias
entre Rússia e América Latina, o enorme potencial dos mercados latino-americanos
emergentes. Por exemplo, em Havana o presidente Putin e Raul Castro, presidente
do Conselho de Estado da República de Cuba, discutirão comércio, economia,
energia, aviação civil e transporte, atenção pública à saúde e uso pacífico do
espaço sideral. A agenda do presidente Putin inclui reunião com o líder
histórico da revolução cubana, Fidel Castro. É encontro de grande significado
simbólico. Antes da visita, o Parlamento Russo (Duma) tomou a decisão de
cancelar
90% da dívida de mais de US$ 30 bilhões que Cuba deve à Rússia. A
dívida correspondia, predominantemente, a gastos para suprir necessidades
militares. A eliminação da dívida e o processo de liberalização da economia cubana
pavimentam a via para efetiva cooperação econômica entre os dois países. As
empresas russas Rosneft e Zarubezhneft já assinaram acordos com Cuba para
desenvolver campos submarinos de petróleo cubano junto ao litoral – vale dizer,
na vizinhança próxima da costa dos EUA.
Cuba - Porto de Mariel - Localização (clique na imagem para aumentar) |
Os planos
para recuperar o Porto de Mariel preveem perfuração e construção de oleodutos.
A imprensa cubana já noticiou que o futuro Porto de Mariel está previsto para
largura de 700 metros,
o que permitirá receber simultaneamente dois navios oceânicos grandes. Os
planos até 2022 incluem instalações para exploração e extração de petróleo em
alto mar, novos terminais para contêineres, carga em geral, instalações para
armazenamento e manuseio de cargas congeladas e uma Zona Especial de Desenvolvimento
Econômico para armazenamento de cargas leves. O novo Porto de Mariel poderá
receber navios de maior calado que a Baía de Havana, onde um túnel sob o canal
limita a profundidade a 11
metros. O terminal de contêineres de Mariel terá
capacidade anual de 850 mil/1 milhão de contêineres (o de Havana tem capacidade
para 350 mil). Esses desenvolvimentos permitirão que o Porto de Mariel acomode
os grandes navios-contêineres que transitarão para a Ásia pelo Canal do Panamá,
quando o alargamento desse canal estiver completado, no verão de 2014.
O presidente
Putin da Rússia também discutirá projetos econômicos de grande escala na
Argentina e no Brasil. Trata-se, em todos os casos, de mostrar que há
alternativa ao sistema de “mundo-quartel” imposto por Washington.
[*] Nil Nikandrov é um jornalista sediado em Moscou cobrindo a
política da América Latina e suas relações com os EUA; crítico ferrenho das administrações
neoliberais sobre as economias nacionais latino-americanas. Especializou-se em desmascarar os esforços feitos
pela CIA e outros serviços de inteligência ocidentais para minar governos
progressistas na América Latina. Autor de vários livros - tanto de ficção e
estudos documentais - dedicados a temas latino-americanos, incluindo a primeira
biografia em língua russa de Hugo Chávez.
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