sábado, 19 de julho de 2014

Sobre perspectivas políticas da Novorússia

18/7/2014, [*] colonelcassad.eng (original em russo)
Traduzido do inglês pelo pessoal da Vila Vudu

Mais um blog de super-especialista russo, anônimo, que escreve na internet. Uma rede de tradutores militantes, voluntários, que não se conhecem; a Internet apanhada pelos chifres e usada até o osso, sem jornalismo-empresa e contra todos os jornalismos-empresas... e aí está, análise preciosíssima, prontinha, biscoito fino, em português do Brasil. “Chegaremos à fartura!” Quem precisa das análises toscas dos williamsvaacks, xabores, maitêsproenças e celsoslafers?! 8-))

Ucrânia e a região sublevada (em rosa)
(clique na imagem para aumentar)
A total derrota do grupo Sul da Junta de Kiev e a retirada da Junta, de Izvarino, Krasnodon e Lugansk tornam possível discutir mais substantivamente a questão do futuro da República Popular de Donetsk (RPD) e da República Popular de Lugansk (RPL).

Apesar do fato de que já se passaram três meses desde o início da fase ativa da rebelião, absolutamente não há clareza alguma sobre o que, exatamente, será criado no território rebelde do Donbass. Todos os participantes do processo compreendem perfeitamente que a RPD e a RPL são formações temporárias, que têm de ser convertidas em algo. E a questão sobre em quê, exatamente, serão transformadas, não é trivial (embora pareça).

1. A formação atualmente existente, da União das Repúblicas Populares (URP) [ing. UPR, Union of People’s Republics] é mais uma estrutura temporária de coordenação para tempo de guerra, que a semente de um novo estado. Essa estrutura provê (ou espera-se que proveja) a unidade geral política e militar dos vários centros de poder que há na RPD e na RPL.

2. O projeto de Novorússia que o Kremlin está atualmente patrocinando consiste só de duas repúblicas e uma coleção de “governoratos” virtuais; não coincide com a concepção original de 7-8 repúblicas populares que seriam convertidas em Novorússia, e que efetivamente deixou de existir em abril de 2014. Mesmo assim, o conceito continua vivo, graças a Tsaryov e a um número de outras pessoas, sobre as quais afluem os fluxos financeiros que vem da Rússia e que os líderes da RPD e da RPL e outros grupos que não estão interessados na existência da Novorússia têm de aceitar.

3. A variante suplente da “Transnístria expandida”, que foi considerada depois da rejeição parcial de uma “Big Novorússia”, é um estado não reconhecido, que consiste de RPD e de RPL e é dependente da Federação Russa. Essa era a variante considerada nas negociações com o Sr. Akhmetov, antes da retirada do Sr. Strelkov na direção de Donetsk.

Recentemente, a situação começou a mudar.

Igor Etrelkov Comandante Militar da RPL e RPD derrotou a Junta de Kiev em Izvarino, Krasnodon e Lugansk
A conspiração sufocada em Donetsk e a instalação de controle mais amplo, por Moscou, sobre o processo político na RPD, garantiu gestão mais coerente da situação e tornou irrealistas os planos da Junta de Kiev para sitiar e render Donetsk e a conspiração política de coxias com os oligarcas ucranianos. A grave derrota militar da Junta no território da RPL e as crescentes capacidades de combate das milícias da RPL e da RPD questionam efetivamente até a possibilidade de os militares conseguirem destruir as repúblicas populares.

Quantidade significativa de veículos e o crescente número de combatentes nas milícias transferem gradualmente a questão, do plano da sobrevivência das repúblicas, para a questão de se se manterão dentro dos limites das regiões de Donetsk e Lugansk de antes da vitória. A fala sobressaltada do representante de Poroshenko, Sr. Chaly, segundo o qual, se a situação não se resolver em conversações, ela respingará além das fronteiras da RPL e da RPD é bem sintomática. Não se trata ainda de uma oferta concreta, mas já é bem velada apreensão de que, depois da já muito provável derrota militar da Junta de Kiev no Donbass, as milícias da RPD e da RPL não pararão por ali e avançarão na direção do [rio] Dnieper. O aflito reforço dos pontos de controle nas regiões de Carcóvia, Dnepropetrovsk e Zaporozhye; a retirada do comboio mecanizados através de Krasnoarmeysk na direção de Dnepropetrovsk, e de Metallist para o norte da RPL, refletem a crescente apreensão nos círculos militares. O cheiro de uma derrota realmente monumental [da Junta de Kiev] está no ar.

Entrementes, o principal porta-voz do “partido pró-guerra [até Kiev, para derrubar a Junta]”, coronel Strelkov, diz claramente [orig. em russo, traduzível pelo tradutor Google], que sua meta é alcançar Kiev e varrer de lá os fascistas.

Petro Poroshenko, Comandante da Junta de Kiev
Considerando-se que é voz da principal figura militar da RPD, a quem todas as forças armadas locais reportam-se, o que se tem aí é efetivamente uma declaração política, o que significa que, depois de perder o Donbass, nem por isso a Junta terá sossego, porque as milícias comandadas pelo coronel Strelkov e seus comandantes em campo não pararão por ali e avançarão na direção da Carcóvia, Zaporozhye e Dnepropetrovsk.

Nessa linha de análise, a retirada que Strelkov comandou, de Slavyansk, não criou problemas só para os russos “derrotistas”, que se preparavam para a rendição de Donetsk à Junta de Kiev; nem só para o Sr. Akmetov, cujos planos para preservar sua influência no Donbass viraram fumaça; a retirada de Slavyansk, sob comando de Strelkov, também criou um difícil problema estratégico para a Junta de Kiev: O QUE FAZER DESSA GUERRA, cuja vitória militar já parece no mínimo duvidosa (dizendo pouco). Os assassinos impotentes de população civil e as agressões temerárias e ensandecidas que geram caldeirões de violência e sangue não são, bem visivelmente, nem os agentes, nem os processos pelos quais o problema será resolvido.

O caso de fundo, mesmo, é que o “partido da guerra”, publicamente representado por Strelkov, Mozgovoi, Bolotov e Bezler (e, não publicamente, pelos círculos militares em Moscou), com sua ideia de erradicar a Junta de Kiev no Donbass, e dali seguir em direção a Kiev, encontra reforço e apoio nos grupos que apoiam a ideia de constituir-se a Novorrússia, e investem dinheiro em Tsaryov & Co.

Vale dizer que se está formando certa aliança militar e política, na qual o grupo de Tsaryov começa a desempenhar real papel político, e os militares comandados por Strelkov plantam os fundamentos em solo para a volta à ideia da “grande Novorrússia”, formada não de duas, mas de 7-8 regiões (oblasts).

Foi o que se tornou possível depois de uma retirada de Slavyansk que quebrou o joguinho da Junta de Kiev aliada aos “derrotistas” russos, e que, dentre outras coisas, levou a algumas mudanças na política russa para o Donbass. O controle direto pela linha da segurança do estado e o surgimento em grande escala de tanques, SPHs, SAMs, artilharia, MLRSs e outras armas em mãos das milícias, indicam claramente que a decisão política já foi tomada; e que a linha na qual Moscou trabalhou entre 24 de abril e 5 de julho/2014 foi abandonada. O apoio às milícias locais tornou-se mais substantivo, o que imediatamente transpareceu na estrutura interna da RPD e na prontidão para combate dos combatentes milicianos.

Por essa linha, a situação em torno da RPD está começando a mudar. O fracasso do “partido derrotista”, com a rendição de Donetsk (nesse momento, todos os envolvidos estão sendo removidos de todos os postos políticos importantes na RPD – Lukyanchenko, Khodakovsky, Pozhidayev – e também já há informação confirmada sobre a possível renúncia do Sr. Pushilin) não levou à sua extinção. Apenas a uma modificação na sua linha de conduta.

O oligarca ucraniano Rinat Akhmetov
Porque a sobrevivência das duas repúblicas populares, RPD e RPL vai-se tornando possibilidade cada dia mais realista, a possibilidade de que haja negociações mais substantivas com a Junta de Kiev também emerge (os contatos preliminares com o assistente de Kolomoisky, Sr. Korban já estão arranjados, com a colaboração do pessoal de Kurginyan). Nessas negociações, os oligarcas russos (Fridman e outro, XXX, cujo nome não darei agora), que fizeram contato com o Sr. Akhmetov, tentarão reduzir tudo à terceira variante, da “Transnístria expandida”, como um “compromisso sensível”, que permitirá que não se desaponte o “povo patriota” (o qual, no caso de a RPD parecer “esquecida” e “desprestigiada” poderá converter-se em terreno fértil para o “patriotismo à moda Maidan”). Ao mesmo tempo, por outro lado, não levará a sanções ocidentais muito pesadas. Foram de fato forçados a abandonar a linha de “esquecer & desprestigiar” as repúblicas populares, a RPD e a RPL; os planos da rendição de Donetsk vieram a público; e os órgãos de segurança do estado entraram ativamente na dança. Assim sendo, sob a bandeira do “salvem o Donbass”, tentarão reduzir tudo a Novorússia, como o toco da árvore serrada, que consistirá de RPD e RPL. Deve-se ter bem claro que personagens como Kurginyan não passam de elementos de transferência, a serviço dos interesses de grandes grupos financeiros russos e ucranianos.

O Sr. Strelkov e o “partido da guerra”, que ele representa, com seus planos de levar adiante a guerra para vencê-la, afinal, em Kiev, permanecem como sólidos obstáculos a esses planos, porque a variante de “Transnístria Expandida” implica efetivamente colusão com a Junta fascista, à qual interessa dividir a Ucrânia, dando à Rússia só duas regiões, além da Crimeia; todo o resto iria para a Junta de Kiev e para os EUA.

Disso decorre a perseguição constante, contra Strelkov, movida pelo lado de Kurginyan e seus sectários, e o recém convertido em destacado “surkoviano”, Maxim Shevchenko. Todo esse pessoal, ligado ao Sr. Surkov, que participa ativamente das conversas com os oligarcas sobre o futuro do Donbass, gera imensas dúvidas sobre a linha a qual, verdadeiramente, interessa ao Sr. Surkov, para a Ucrânia.

Com a milícia avançando para libertar o território da RPD e da RPL, a propaganda “pacifista”, no espírito de “parem a guerra”, “protegemos o Donbass e basta”, “ninguém precisa avançar para o [rio] Dnieper”, “Strelkov, o sanguinário, quer mais vítimas” etc., aumentará. O objetivo será que, no caso de vitória militar, que ela não ultrapasse os limites da RPD e da RPL, e que o espaço de guerra não se estenda para incluir as três regiões vizinhas. Isso, precisamente, é o que a Junta de Kiev mais teme.

Sberbank é um dos bancos russos que tem interrompido o fluxo de doações para a RPD e RPL
Bloqueios dos canais de ajuda para a Novorússia dos bancos russos [em russo] e tentativas para interromper campanhas de doações pelas redes sociais refletem no plano informacional uma das faces da linha de conduta do “partido pró-derrota” – que tem pregado a redução de suprimentos para a RPD e a RPL, de modo que o crescimento do poder militar das repúblicas populares jamais alcance níveis que ameacem criticamente a Junta de Kiev. O fato de que as conexões entre os bancos russos e o agente norte-americano Sr. Nalivaychenko tenham sido reveladas, precisamente sobre esse tópico, mostra que nenhum dos lados tem interesse na “campanha contra Kiev”, a qual, vista de hoje, é, mais, uma ameaça de longo prazo.

O conflito de baixa intensidade satisfará os EUA, a Junta de Kiev e os “derrotistas” russos. Mas – o que é crucial – a vitória militar das milícias pode atrapalhar completamente, tudo.

Desse ponto de vista, a linha correta de conduta será apoiar as milícias no seu esforço de guerra no Donbass e apoiar aquelas forças que defendem a “grande Novorússia” e a campanha contra Kiev, porque essa é a única variante que pode levar a derrubar a Junta fascista e a destruir o fascismo na Ucrânia, pelo menos na margem esquerda do rio Dnieper.

Correspondentemente, com alto grau de confiança, os proponentes da “grande Transnístria”, da turma de Kurginyan & Co., representam o “partido derrotista” dos que têm interesse em limitar as consequências da derrota militar da Junta de Kiev no Donbass e em impedir que haja guerra contra Kiev. Esses dois efeitos são mortais para oligarcas como Akhmetov e Kolomoisky, e também tornam problemática a situação para os oligarcas russos, que são dependentes do ocidente e estarão entre os primeiros a ser afetados pelo regime ocidental de sanções.

É preciso compreender que os “derrotistas” não temem a “campanha contra Rostov” pela qual tentam culpar Strelkov; o que eles temem é a guerra contra Kiev, porque, essa, sim, implicará confronto direto com os EUA e seus satélites, e cujo prêmio ao vencedor não será duas regiões, mas toda a Ucrânia da margem esquerda. Isso implicará uma redistribuição da propriedade de oligarcas do sudeste – Akhmetov, Kolomoisky e Firtash, e enfraquecimento crítico das posições de oligarcas russos afiliados deles.

Por isso o coronel Strelkov, porque é a principal face pública do “partido da guerra até Kiev” passará a ser atacado pela imprensa-empresa, para cevar uma opinião pública pronta a aceitar, se não o abandono de toda a Novorússia, pelo menos da “grande Transdnistria”.

Valery Chaly, membro da Junta de Kiev
A Junta de Kiev, na pessoa do Sr. Chaly, já está anunciando que gostaria de negociar com as milícias, mas as milícias é que não querem negociar, [em russo] porque Moscou não as deixa negociar. Contudo, ainda no dia 9 de julho/2014 a Junta de Kiev recusou-se a iniciar qualquer tipo de conversa [em russo]. A retirada de Strelkov para dentro de Donetsk, e a derrota da Junta de Kiev em Lugansk mudou tudo.

O objetivo do partido “pró derrota já” será construir conversações diretas entre a Junta de Kiev e as milícias, nas quais se discutirá o futuro só das duas ex-regiões da Ucrânia; a questão de manter a guerra e levá-la até derrubar a Junta em Kiev não aparecerá sobre a mesa.

Eventualmente, apesar da difícil situação nas linhas do front na RPD e na RPL, o objetivo final da guerra para as milícias não é um análogo depressivo da Transnistria, mas a vitória em Kiev e a tomada da cidade com o objetivo de formar a Grande Novorússia no território da Ucrânia da margem esquerda.

Pode até parecer distante e improvável, mas só se considerado de longe. Na realidade, trata-se da categoria de confiança que os soldados soviéticos conhecem de quando, durante combate pesadíssimo em 1941-1942, tinham certeza de que chegariam a Berlim.

À luz dos sucessos recentes, essa meta distante só ganhou, por hora, contornos políticos. Mas já se pode dizer que em nenhum caso a Novorússia será completamente esquecida, ou desprezada. De um modo ou de outro, ela sobreviverá.

Em minha opinião, não há dúvida possível, é coisa já feita, assunto resolvido. A questão é, apenas, como será apresentada no mapa político. Dependerá, primariamente, dos combatentes das milícias e dos que os apoiam, porque agora, nesse momento, são eles que estão fazendo girar a roda da história.



[*] Este blog é uma tradução fiel para Inglês colonelcassad − blog russo incrível sobre a guerra na Ucrânia. A guerra na Ucrânia é o resultado de uma insurreição armada contra o regime fascista em Kiev e as tentativas posteriores do regime para suprimi-lo. Se você não entender por que o regime atual na Ucrânia é fascista, então por favor leia este artigo primeiro. O conteúdo das traduções publicadas neste site pode ser repassado. Seria ótimo se você pudesse adicionar um link para o artigo fonte de onde você pegou o texto se você repassar este artigo.

Um comentário:

  1. uma análise ótima e penso que será o melhor a acontecer - fascismo é terrível; eles não conseguem conviver com os diferentes; aqui no Brasil se convive bem com todas as raças. Estou feliz pelos pro-russos vencerem ali naquela terra.

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