Os túneis de Cu Chi: o poderoso passado do Vietnã
2/5/2004, [*] Tibor Krausz, The Washington Post
Excerto traduzido pelo
pessoal da Vila Vudu
“Os túneis são monumento universal poderoso da
força do desejo humano contra as mais inenarráveis calamidades”
Cu Chi - esquema de túneis (clique na imagem para aumentar) |
Há luz no fim
do túnel – literalmente, uns três metros à frente. Minhas pernas doem de tanto
engatinhar, coberto de lama, o suor pingando do rosto.
“Preparado
para o terceiro nível?” – Tien me provoca, falando por cima do ombro abaixado.
– “Claro”, menti, até que emergimos – e afinal havia espaço para ficar em pé –
num dormitório subterrâneo onde se viam colchões feitos de restos de paraquedas
norte-americanos remendados, como espécie de bandeiras esticadas entre quatro
bambus espetados no chão lamacento. Tien – meu guia, magro como espeto, ágil
como lagarto, 22 anos – conduzira-me por 40 metros de túneis, um
caminho complexo como rede subterrânea de canos, de teto claustrofobicamente
baixo e estreitíssimos, com espaço só para engatinhar.
Túnel atual (1,2m) com o dobro da altura original |
“Temos muita
sorte” – disse Tien quando afinal consegui esticar as pernas. – “Durante a
Guerra Americana, esses túneis tinham metade dessa altura, e as pessoas tinham
de se arrastar sobre a barriga.” Nem havia, pensei eu, as lanternas tão úteis
dispostas ao longo do percurso. Mas mesmo com esses luxos de hoje e sem o
perigo de armadilhas mortais a cada passo e de haver um inimigo em cada canto
do túnel, ainda é muito assustador andar por esses túneis.
Cozinha subterrânea (clique na imagem para aumentar) |
Estamos cerca
de 5 metros
abaixo da superfície, engatinhando por um conjunto de túneis conservados como
monumento à Resistência dos Vietcongs em Ben Duoc, distrito de Cu Chi, cerca de
65 km a
noroeste da cidade de Ho Chi Minh, ex-Saigon. Esses túneis são parte de uma
rede de parques temáticos que o governo do Vietnã mantém por todo o país, em
homenagem aos heróis da guerra de Resistência vietnamita contra os EUA, que
inclui dentre outros, trechos conservados da Zona Desmilitarizada ao longo do
paralelo 17, e áreas de My Lai onde aconteceu um dos maiores massacres de toda
a guerra, de moradores da região, por soldados dos EUA.
Uma das entradas/saídas dos túneis |
Os túneis são
monumento universal poderoso da força do desejo humano contra as mais
inenarráveis calamidades.
Cerca de 100 metros andando para
baixo e já descemos outros 4
metros (a curta distância da área permanentemente
saturada de água) e chegamos ao 3º nível de um labirinto subterrâneo de quatro
pisos que, na origem, estendia-se por talvez mais de 240 quilômetros.
Não importa o que você pense sobre a Guerra Americana (que é como os
vietnamitas chamam o que o ocidente conhece como Guerra do Vietnã) e as causas
que a geraram, é obrigatório baixar a cabeça em homenagem à coragem e à decisão
dos soldados vietnamitas: pelo menos 45 mil homens e mulheres do Vietnã
morreram defendendo esses túneis de Cu Chi.
Armadilha com estrepes nas entradas/saídas dos túneis |
Os túneis são
uma rede que poderia ser sempre ampliada, engenhosamente disfarçada, de abrigos
para guerrilheiros, que se estendiam dos arredores de Saigon até a fronteira do
Camboja, e que interconectava arsenais, vilas e bases de apoio para os
vietnamitas. Ali havia pontos de descanso, bancadas de produzir armas, munição,
apetrechos de autoproteção, cozinhas com chaminés para dispersão de fumaça e
odores e, até, auditórios e salas de projeção de filmes.
Respiradouro |
Entrada/saída aumentada para visitação |
Escada subterrânea usualmente construída sob alçapão em alguma das casas de vila |
Como era/é a movimentação nos túneis (clique na imagem para aumentar) |
Localização das "facilidades" (clique na imagem para aumentar) |
Construídos
ao longo de duas décadas, a partir do início dos anos 1940s, os túneis dariam
abrigo a soldados-camponeses que nem sapatos tinham, contra exército militar
incomparavelmente mais equipado e armado. “Meu avô e meu pai, os dois, ajudaram
a construir esses túneis” – diz Tien, cheio de orgulho. Os moradores da região
cavavam o solo de argila vermelha (mole demais durante as chuvas de monções e
duro como pedra durante a estação seca) com enxadas e com as próprias mãos.
(...)
[*] Tibor Krausz é jornalista e escritor atualmente baseado no Sudeste Asiático. Escreveu
sobre ampla variedade de assuntos da América do Norte, Europa, Oriente Médio e
em todo o Sudeste Asiático. É correspondente da revista The Jerusalem Report e do jornal The Christian Science Monitor. Seus artigos também são publicados
pelos The Washington Post, The Jerusalem Post, The Sydney Morning Herald, The
South China Morning Post, The
Guardian Weekly, The National Post
e muitas outras publicações. Destacamos,
entre muito outros artigos, um sobre a estada de uma semana com a
auto-proclamada Tribo Perdida de Israel (orig.: Lost Tribe of Israel) em local remoto do nordeste da Índia; outro
contando sobre a degustação de foie gras
em almoço privado com o rei Sihanouk do Camboja no Phnom Penh's Grand Palace; outros sobre os apertos que passou desviando-se
de balas no centro de Bangkok, enquanto
escrevia sobre a sangrenta repressão do exército tailandês contra os
manifestantes anti-governamentais; e sobre seu renascimento espiritual obtido, como
se acredita, colocando-se em um caixão durante uma cerimônia de purificação na
Tailândia no Coffin Temple.
Nenhum comentário:
Postar um comentário
Registre seus comentários com seu nome ou apelido. Não utilize o anonimato. Não serão permitidos comentários com "links" ou que contenham o símbolo @.