Mas quando o pessoal vê o que se passa
na Ucrânia, a agressão russa contra seus vizinhos, no modo como financia e arma
separatistas; o que aconteceu na Síria – a devastação que Assad [refere-se ao
presidente da Síria, Bashar al-Assad] atacou
seu próprio povo; o fracasso de sunitas e xiitas e curdos no Iraque, que não
conseguiram entrar em acordo... apesar de nossos esforços, ainda tentando ver
se conseguimos dar jeito de arrumar um governo que realmente funcione ali; as
ameaças terroristas que prosseguem; o que está acontecendo em Israel e Gaza;
parte do que mais preocupa as pessoas é o senso de que por todo o mundo a velha
ordem já não se mantém, e ainda não chegamos ao ponto ao qual temos de chegar
em termos de uma nova ordem, baseada em conjunto diferente de princípios,
baseada num senso de humanidade comum, baseada em economia que funcione para
todos (Barack Obama, mês passado,
dia 22/7/2014, em evento do Comitê Nacional do Partido Democrata para levantar fundos de
campanha, em Seattle, WA).
Sir Halford John Mackinder (1861-1947) |
Depois de
algumas gaguejadas sobre “liderar pela retaguarda” – que deram em nada –, Obama
afinal virou mackinderesco, com sua
doutrina estelar de “Não façam “merd...
coisa estúpida”, de política externa.
Problema é
que, como a sempre alerta ex-secretária de Estado Hillary Clinton disse, “Não
façam “merd... coisa estúpida” não é “princípio organizador de política exterior”. Mas “merd...
coisa estúpida” é tudo que a equipe de política externa de Obama sabe fazer.
A começar
por Obama tratando a Rússia, hoje governada pelo presidente Putin, como o
marido de Hillary tratava a Rússia governada por aquele contêiner de vodka, Boris Yeltsin.
Depois, foi
a decisão – sem nenhum debate público – de começar a bombardear outra vez o
Iraque. Em seguida, a Síria. Bomba & bomba, para detonar o Siriaque!
Quer dizer
“proteger” iazidis, sim. Proteger gazenses, não. “Proteger” aquele bando de
neonazistas, fascistas e oligarcas sinistros em Kiev, sim. Proteger falantes de
russo no leste da Ucrânia, não.
Tudo começou
com a coisa de proteger Erbil – já super bem protegida há milênios pela deusa
sumeriana Ishtar. Depois, virou proteger Erbil e Bagdá. Depois, já era proteger
todos os pontos “estratégicos” no Iraque.
Carter Ham |
De
“proteger” ExxonMobil e Chevron, para bombardear Siriaque inteiro. Não
surpreende que a turma da Volta dos Mortos-Vivos Republicanos estejam tão
excitados. É o Oriente Médio Expandido tudo outra vez. E adivinhem quem será
parte da coalizão de vontades para dar combate ao Califa? Grã-Bretanha,
Austrália, Turquia, Jordânia e os baluartes do Conselho de Cooperação do Golpe:
Qatar, Arábia Saudita e os Emirados Árabes Unidos.
Praticamente
os mesmíssimos (desses sete, cinco!) que levaram ao surgimento do Estado
Islâmico do Iraque e Levante (ISIL), para começar, de “Assad tem de
sair” a jihadistas “do bem” e “do mal” e, afinal, o ISIL, hoje já
constituído como Estado Islâmico, a morada sempre em expansão – completa, com
exército privado e tudo – do Califa Ibrahim.
E ainda não há estratégia. Nadica-de-nada.
Bye bye petrodólar
Vejamos
agora os dividendos de “Não façam “merd... coisa estúpida”, aplicados à
Ucrânia.
De volta ao mackinderesco Dr. Zbig. Alguns vassalos
– os suspeitos CCG/OTAN de sempre, mas nem todos eles – podiam ainda acreditar
que teriam muito a ganhar com a “dependência-para-segurança”, enquanto outros
permaneciam obedientes, mas cada dia
mais nervosos, embora, pode-se dizer, ainda se sentissem “protegidos” em teoria
pelo Império do Caos.
Petrodólar |
E foi quanto
Obama inventou uma Guerra Fria 2.0 que pode rapidamente virar quente. Destruiu
o relacionamento com a chanceler Angela Merkel e a Alemanha e amplificou o
abraço estratégico entre o Urso e o Dragão; resultado, Pequim começou a dar
menos atenção à “pivoteação para a Ásia” porque agora tem ainda mais apoio de Moscou.
De quebra e simultaneamente, Moscou dificulta muito, muito mais, os avanços de
Washington na Ásia Central.
Sanções
contra a Rússia não só reforçam o mercado interno, mas também estimulam o
comércio externo russo – para bem além das praias europeias. Pois ainda não
foram dadas por suficientes para detonar Wall
Street e reduzir a escombros a política externa dos EUA. Com
assessores/conselheiros como Susan Rice, na Segurança Nacional; Benjamin
Rhodes, vice-conselheiro de Segurança Nacional; Samantha Power, embaixadora dos
EUA na ONU; e a vice-secretária de Estado, Victoria Nuland... quem precisa de
inimigos?
A histeria sancionatória de Obama está abrindo
caminho para o fim progressivo do dólar como moeda de reserva; e o fim do
petrodólar.
Gazprom & Neft - Rússia & China - Petróleo & Gás Yuan & Rublos |
Obama está
acelerando o agora já descontrolado colapso do Império do Caos. O novo eixo do
futuro – Pequim, Moscou, Berlim – vai lenta, mas firmemente, tomando forma.
Nada há de “bárbaro” nesse eixo. E o núcleo do Sul Global os apoia.
“A velha
ordem já não se mantém” – não se mantém mesmo. – “O Califa é do mal. Então,
aplico mais sanções contra a Rússia”. Mas... o que significa isso, em matéria
de gestão imperial? Bom garoto. Pivoteie-se, aí, um pouco. Você mesmo, à volta
de você mesmo. E sem estratégia.
___________________
[*] Pepe Escobar (1954)
é jornalista, brasileiro, vive em São Paulo, Hong Kong e Paris, mas publica
exclusivamente em inglês. Mantém coluna (The Roving Eye) no Asia Times Online; é também analista de política de blogs e sites como: Tom
Dispatch, Information Clearing House, Red Voltaire e
outros; é correspondente/ articulista das redes Russia Today, The
Real News Network Televison e Al-Jazeera. Seus artigos podem
ser lidos, traduzidos para o português pelo Coletivo de Tradutores da Vila Vudu
e João Aroldo, no blog redecastorphoto.
Livros:
− Globalistan:
How the Globalized World is Dissolving into Liquid War, Nimble Books,
2007.
− Red
Zone Blues: A Snapshot of Baghdad During the Surge, Nimble Books, 2007.
− Obama
Does Globalistan, Nimble Books, 2009.
artigo excelente esse.
ResponderExcluirSaborear uma postagem como esta é uma delícia para o cérebro! Obrigada, e continue dando mais razões como esta para ser leitora deste blog. Tudo foi dito de forma que é desnecessário acrescentar qualquer coisa.
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