quarta-feira, 3 de setembro de 2014

Pepe Escobar: “Legado de Obama”

2/9/2014, [*] Pepe Escobar, Asia Times Online − The Roving Eye
Traduzido pelo pessoal da Vila Vudu

Barack Obama - Seattle,WA - 22/7/2014

Mas quando o pessoal vê o que se passa na Ucrânia, a agressão russa contra seus vizinhos, no modo como financia e arma separatistas; o que aconteceu na Síria – a devastação que Assad [refere-se ao presidente da Síria, Bashar al-Assad] atacou seu próprio povo; o fracasso de sunitas e xiitas e curdos no Iraque, que não conseguiram entrar em acordo... apesar de nossos esforços, ainda tentando ver se conseguimos dar jeito de arrumar um governo que realmente funcione ali; as ameaças terroristas que prosseguem; o que está acontecendo em Israel e Gaza; parte do que mais preocupa as pessoas é o senso de que por todo o mundo a velha ordem já não se mantém, e ainda não chegamos ao ponto ao qual temos de chegar em termos de uma nova ordem, baseada em conjunto diferente de princípios, baseada num senso de humanidade comum, baseada em economia que funcione para todos (Barack Obama, mês passado, dia 22/7/2014, em evento do Comitê Nacional do Partido Democrata para levantar fundos de campanha, em Seattle, WA).


Sir Halford John
Mackinder
(1861-1947)
É como se o presidente dos EUA Barack Obama tivesse misturado imperialmente três imperativos imperiais absolutos de Sir Halford John Mackinder que o Dr. Zbig sempre cita, da geoestratégia imperial: impedir a colusão e manter a dependência-para-segurança entre os vassalos; manter os tributários obedientes e protegidos; e impedir que os bárbaros se juntem.

Depois de algumas gaguejadas sobre “liderar pela retaguarda” – que deram em nada –, Obama afinal virou mackinderesco, com sua doutrina estelar de Não façam merd... coisa estúpida, de política externa.

Problema é que, como a sempre alerta ex-secretária de Estado Hillary Clinton disse, “Não façam “merd... coisa estúpida” não é princípio organizador de política exterior. Mas “merd... coisa estúpida” é tudo que a equipe de política externa de Obama sabe fazer.

A começar por Obama tratando a Rússia, hoje governada pelo presidente Putin, como o marido de Hillary tratava a Rússia governada por aquele contêiner de vodka, Boris Yeltsin.

Depois, foi a decisão – sem nenhum debate público – de começar a bombardear outra vez o Iraque. Em seguida, a Síria. Bomba & bomba, para detonar o Siriaque!

Quer dizer “proteger” iazidis, sim. Proteger gazenses, não. “Proteger” aquele bando de neonazistas, fascistas e oligarcas sinistros em Kiev, sim. Proteger falantes de russo no leste da Ucrânia, não.

Tudo começou com a coisa de proteger Erbil – já super bem protegida há milênios pela deusa sumeriana Ishtar. Depois, virou proteger Erbil e Bagdá. Depois, já era proteger todos os pontos “estratégicos” no Iraque.

Carter Ham
O general aposentado Carter Ham de fama no AFRICOM (“Viemos, vimos, ele morreu”), disse bem claramente que seria “muito difícil” arranjar lá toda aquela “proteção”, só com aqueles poucos jatos. Precisava de drones. Precisava de coturnos em solo.

De “proteger” ExxonMobil e Chevron, para bombardear Siriaque inteiro. Não surpreende que a turma da Volta dos Mortos-Vivos Republicanos estejam tão excitados. É o Oriente Médio Expandido tudo outra vez. E adivinhem quem será parte da coalizão de vontades para dar combate ao Califa? Grã-Bretanha, Austrália, Turquia, Jordânia e os baluartes do Conselho de Cooperação do Golpe: Qatar, Arábia Saudita e os Emirados Árabes Unidos.

Praticamente os mesmíssimos (desses sete, cinco!) que levaram ao surgimento do Estado Islâmico do Iraque e Levante (ISIL), para começar, de “Assad tem de sair” a jihadistas “do bem” e “do mal” e, afinal, o ISIL, hoje já constituído como Estado Islâmico, a morada sempre em expansão – completa, com exército privado e tudo – do Califa Ibrahim.

E ainda não há estratégia. Nadica-de-nada.

Bye bye petrodólar

Vejamos agora os dividendos de “Não façam “merd... coisa estúpida”, aplicados à Ucrânia.

De volta ao mackinderesco Dr. Zbig. Alguns vassalos – os suspeitos CCG/OTAN de sempre, mas nem todos eles – podiam ainda acreditar que teriam muito a ganhar com a “dependência-para-segurança”, enquanto outros permaneciam obedientes, mas cada dia mais nervosos, embora, pode-se dizer, ainda se sentissem “protegidos” em teoria pelo Império do Caos.

Petrodólar
Mas foi quando o Império do Caos “encorajou” um, de fato, golpe. E deu luz verde para a nova gangue em Kiev fazer no Leste da Ucrânia, em termos gerais, o mesmo que Israel faz em Gaza. A ideia na Ucrânia era deter a Rússia na fronteira oeste e cortar o elo econômico/comercial entre Rússia e Alemanha. Cortar a Eurásia ao meio.

E foi quanto Obama inventou uma Guerra Fria 2.0 que pode rapidamente virar quente. Destruiu o relacionamento com a chanceler Angela Merkel e a Alemanha e amplificou o abraço estratégico entre o Urso e o Dragão; resultado, Pequim começou a dar menos atenção à “pivoteação para a Ásia” porque agora tem ainda mais apoio de Moscou. De quebra e simultaneamente, Moscou dificulta muito, muito mais, os avanços de Washington na Ásia Central.

Sanções contra a Rússia não só reforçam o mercado interno, mas também estimulam o comércio externo russo – para bem além das praias europeias. Pois ainda não foram dadas por suficientes para detonar Wall Street e reduzir a escombros a política externa dos EUA. Com assessores/conselheiros como Susan Rice, na Segurança Nacional; Benjamin Rhodes, vice-conselheiro de Segurança Nacional; Samantha Power, embaixadora dos EUA na ONU; e a vice-secretária de Estado, Victoria Nuland... quem precisa de inimigos?

A histeria sancionatória de Obama está abrindo caminho para o fim progressivo do dólar como moeda de reserva; e o fim do petrodólar.

Gazprom & Neft - Rússia & China - Petróleo & Gás
Yuan & Rublos
Vejam aqui Gazprom russa pronta para vender petróleo e receber em rublos, yuan – a notícia mais importante dos últimos meses, depois do negócio Rússia-China, o negócio de gás do século.

Obama está acelerando o agora já descontrolado colapso do Império do Caos. O novo eixo do futuro – Pequim, Moscou, Berlim – vai lenta, mas firmemente, tomando forma. Nada há de “bárbaro” nesse eixo. E o núcleo do Sul Global os apoia.

“A velha ordem já não se mantém” – não se mantém mesmo. – “O Califa é do mal. Então, aplico mais sanções contra a Rússia”. Mas... o que significa isso, em matéria de gestão imperial? Bom garoto. Pivoteie-se, aí, um pouco. Você mesmo, à volta de você mesmo. E sem estratégia.
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[*] Pepe Escobar (1954) é jornalista, brasileiro, vive em São Paulo, Hong Kong e Paris, mas publica exclusivamente em inglês. Mantém coluna (The Roving Eye) no Asia Times Online; é também analista de política de blogs e sites como: Tom Dispatch, Information Clearing House, Red Voltaire e outros; é correspondente/ articulista das redes Russia Today, The Real News Network Televison e Al-Jazeera. Seus artigos podem ser lidos, traduzidos para o português pelo Coletivo de Tradutores da Vila Vudu e João Aroldo, no blog redecastorphoto.
Livros:
 Obama Does Globalistan,  Nimble Books, 2009.

2 comentários:

  1. Saborear uma postagem como esta é uma delícia para o cérebro! Obrigada, e continue dando mais razões como esta para ser leitora deste blog. Tudo foi dito de forma que é desnecessário acrescentar qualquer coisa.

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