Traduzido pelo pessoal da Vila Vudu
Rublo: variação da cotação de 10/6 até 16/12/2014 |
O rublo pode ter subido fortemente na 4ª-feira (17/12/2014), mas a queda, em dias recentes, estimulou muita conversa sobre a catástrofe do país, com gente dizendo, até, que a nova Rússia estaria a ponto de seguir a trilha da velha URSS. Não acreditem em nada disso.
A Rússia não é os EUA, e os efeitos de moeda em queda livre por lá são muito menos dramáticos do que seriam nos EUA.
Importante, para lembrar, é que a queda do rublo foi acompanhada de queda igualmente vertiginosa do preço do barril de petróleo. Mas nem esses dois preços não são tão intimamente conectados como se poderia supor. Sim, a Rússia tem economia baseada em recurso principal, que se ressente de qualquer abalo que o petróleo sofra. Mas seu petróleo é vendido em dólares norte-americanos em praticamente todos os pontos do mundo, e o dólar goza de considerável poder, ainda.
Significa que os produtores de petróleo russo podem vender o produto deles nesses dólares fortes, mas pagar suas despesas em rublos desvalorizados. Assim, podem fazer melhorias de capital, investir em novas capacidades, prospectar mais por menos do que lhes custaria antes de o valor do rublo ser ceifado pela metade contra o dólar. O setor permanece saudável e capaz de continuar a fornecer a parte do leão, das taxas governamentais.
Nem a volatilidade do rublo afetará a capacidade de muitas empresas russas pagar o serviço de suas respectivas dívidas. A maior parte da dívida privada denominada em dólares a ser rolada nos próximos meses foi contraída por empresas estatais, que têm entrada estável de moeda estrangeira, das exportações de gás e petróleo.
Vladimir Putin, popularidade em alta |
Os consumidores russos serão atingidos, é claro, dados os altos preços dos bens importados, e o aperto que a inflação impõe aos salários. Mas, pelo mesmo processo, as exportações serão muito mais atraentes para compradores estrangeiros. Rublo barato faz crescer a perspectiva de lucros para todas as empresas russas envolvidas no comércio internacional. Além do mais, quando à atual fraqueza da moeda soma-se a sanção que impede que se importem alimentos da União Europeia, as duas forças podem eventualmente levar a um boom de substituição de importações na Rússia.
Em qualquer caso, aconteça o que acontecer, que ninguém espere que as privações inspirem tumultos nas ruas de Moscou. A popularidade do presidente Vladimir Putin já chegou à estratosfera, desde o início da crise na Ucrânia. Os russos confiam no presidente. Apertarão os cintos e não se verá nenhuma revolta contra suas políticas.
Além do mais, o alto preço do petróleo durante o super ciclo da commodity, combinado a uma taxa de câmbio alta, levou a um grave declínio nos setores russos de manufatura e agricultura ao longo dos últimos 15 anos. Essa correlação – que os economistas chamam de “doença holandesa” – fez baixar a parte correspondente ao setor de manufatura na economia russa, de 21%, para 8%, em 2000.
Quanto mais tempo o rublo permanecer fraco, porém, menos a doença holandesa dará as cartas. Moeda mais baixa significa que volta a fazer pleno sentido econômico investir na agricultura e na manufatura russas. Ambos devem receber impulso real.
Baixos preços também são bons para os grandes consumidores do petróleo russo, especialmente a China, com quem Putin está construindo laços cada vez mais fortes. Se, como se espera que aconteça, Rússia e China passem a fazer transações em rublos e/ou yuan, o mecanismo aproximará ainda mais os dois países e minará mais ativamente a hegemonia do dólar em todo o mundo. Putin sempre pensa décadas à frente. Qualquer perda nas entradas de energia no curto prazo será largamente recompensada em ganhos de longo prazo das alianças econômicas que estão sendo construídas.
No desenvolvimento mais recente, o Banco Central Russo reagiu e elevou as taxas de juro para 17%. Por um lado, visa também a conter a inflação. Por outro, é resposta direta aos vendedores especuladores de curto prazo que estão atacando o rublo. Agora, terão de pagar prêmios adicionais, dado que a razão risco/recompensa aumentou. Os especuladores terão de pensar duas vezes, antes de atirar-se novamente ao ataque.
O aumento nas taxas de juro faz lembrar o modo como Paul Volcker, ex-presidente do Fed dos EUA, combatia a inflação nos EUA no início dos anos 80s. Funcionou para Volcker, quando o mercado de ações nos EUA embarcou em disparada vertiginosa. Os russos – cujo mercado foi derrubado na crise petróleo/moeda – esperam resultado similar.
Mas o mercado russo não é, nem de perto, tão importante para a economia daquele país, quanto o mercado dos EUA é importante para a economia norte-americana. Os russos não usam o mercado como os norte-americanos. Na Rússia, não há nada semelhante ao Mad Money de Jim Kramerovsky da CNBC.
Mas a Rússia não está em vias de virar um Zimbábue. Está assentada sobre vasto superávit de moedas estrangeiras e confortável fundo de reserva de cerca de US$ 375 bilhões. Mais que isso, tem forte razão dívida/PIB de apenas 13% e estoque gigante e crescente de ouro.
Putin enxerga longe... |
E há o relacionamento de energia entre Rússia e a União Europeia, principalmente com a Alemanha. Putin mostrou seu peso quando “costurou” o gasoduto “Ramo Sul” e anunciou que faria passar as tubulações através da Turquia. Bastou anunciar, para que a União Europeia voltasse atrás e lhe desse o que ele exigia para repor o Ramo Sul no trajeto anterior. A Alemanha jamais admitirá que a Turquia converta-se em guardião da segurança energética da Europa.
Com o inverno chegando [hoje, 21/12, é o solstício de inverno, no hemisfério norte (NTs)], a dependência da União Europeia, do gás e do petróleo russos assumirá o centro do palco, e a interação terá, mais uma vez, influência estabilizadora sobre a Rússia.
Em resumo: por menos que a atual situação trabalhe a favor da Rússia, o país está longe da bancarrota. Com certeza os russos conterão a queda do rublo e continuarão a bombear petróleo. A economia se contrairá, mas não quebrará.
A dura realidade é que os campos de xisto dos EUA têm muito mais a temer dos preços em queda livre do petróleo, que os russos (ou os sauditas), porque os custos de produção são aí muito mais altos. Muitos dos poços de xisto dos EUA tornar-se-ão antieconômicos, se o preço do petróleo cair mais. E se começarem a fechar, será desastroso para a economia dos EUA, uma vez que o crescimento da indústria do xisto serviu 100% como base para o crescimento econômico dos EUA nos últimos vários anos.
Os que estão festejando a queda do rublo, bem fariam se observassem o que se passa em outros países que enfrentam crise real de moeda, e países integralmente dependentes da economia do petróleo, como Venezuela e Nigéria, além da Ucrânia. Daí, não da Rússia, é que virão os problemas realmente graves.
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