sábado, 28 de março de 2015

Corrupção e Politicagem Pesada

18/3/2015, [*] George Monbiot – Monbiot blog
Hard Graft
Traduzido por Emex, que nos ajuda do Canadá(Vila Vudu)



A Grã-Bretanha não é corrupta? Só não será, se se adotar a mais ridícula e estreita definição de “corrupção”.

Quase todos os dias, jornais e televisões ingleses estão repletos de histórias que me cheiram a corrupção. Mas, no ranking de corrupção da ONG “Transparência Internacional”, a Grã-Bretanha ocupa o 14º lugar entre 177 nações (1) – classificação que sugere que ela seria uma das mais bem governadas nações da Terra. A conta não fecha. Ou todos os 13 países ainda mais corruptos que a Grã-Bretanha são espetacularmente corruptos, ou há algo errado com esse ranking da “Transparência Internacional”.

É analisar um pouco, e logo que se vê que, sim, o problema é o critério para classificar os países, o chamado ranking com que essa ONG opera, e que se serve de definições de “corrupção” as mais estreitas e seletivas. Nas nações ricas, práticas corriqueiras que poderiam sem violência ser expostas como práticas corruptas, são simplesmente desconsideradas; as mesmas práticas corriqueiras, em países pobres, são dramática e teatralmente enfatizadas.

Esta semana, foi publicado um livro deveras inovador: editado por David Whyte, o livro leva o título de How Corrupt Is Britain? [Quão Corrupta é a Grã-Bretanha?] (vídeo no fim do parágrafo). É obra que deve ser lida por todos que concordem que a Grã-Bretanha merece(ria) a posição em que aparece no ranking de “Transparência Internacional”.


Será que algum setor comercial bancário sobreviveria ainda na Grã-Bretanha, não fossem as práticas muito corruptas dos bancos, ou que envolvem bancos, ou que seriam impossíveis sem os bancos? Pense na lista dos escândalos: pensões subfaturadas, fraudes hipotecárias, o golpe do seguro de proteção de pagamento, o golpe da manipulação da taxa interbancária LIBOR, as operações com informações privilegiadas e tantos outros mais. Depois, pergunte a si mesmo: espoliar pessoas está sendo definido como aberração, ou apenas como “modelo de negócios”?

Nenhum dirigente de banco foi indiciado, sequer desqualificado ou demitido por práticas que contribuíram para desencadear a crise financeira: a legislação que os teria coibido ou enquadrado em crimes já havia sido paulatinamente esvaziada, antes, por sucessivos governos.

Um ex-ministro do atual governo dirigia o banco HSBC (vídeo acima), quando este se lançou à prática sistemática dos crimes de evasão fiscal (3), lavagem de dinheiro do narcotráfico e a garantir serviços a bancos da Arábia Saudita e de Bangladesh ligados ao financiamento de terroristas (4). Em vez de processar o banco, o Diretor da Controladoria Fiscal do Reino Unido passou a trabalhar para aquele mesmo banco, tão logo se aposentou (5).

Operando com o apoio dos territórios britânicos de além-mar e postos avançados da Coroa, Londres é líder mundial dos paraísos fiscais, controlando 24% de todos os serviços financeiros(6) lá oferecidos.

Índice de Percepção de Corrupção da TI
A cidade oferece ao capital mundial um sofisticado regime de sigilo, dando assistência não apenas a sonegadores de impostos, mas também a contrabandistas, fugitivos de sanções e lavadores de dinheiro. Como disse a juíza de instrução francesa, Eva Joly, queixando-se, a City “nunca forneceu sequer uma ínfima evidência útil a qualquer magistrado estrangeiro”(7).

Reino Unido, Suíça, Singapura, Luxemburgo e Alemanha estão todos entre os países menos corruptos na lista de Transparência Internacional. Mas também figuram na lista da Rede de Justiça Fiscal (Tax Justice Network) como administradores dos piores regimes sigilosos de investimento e paraísos fiscais (8). Por alguma estranha razão, nada disso é levado em conta para definir o ranking da ONG Transparência Internacional!

A Iniciativa de Financiamento Privado (Private Finance Initiative) tem sido usada por sucessivos governos britânicos para iludir os cidadãos quanto à extensão dos empréstimos que canalizaram dinheiro público para corporações privadas. Envolta em segredo, recheada de propinas ocultas (9), a IFP tem fisgado hospitais e escolas sempre com dívidas impagáveis; ao mesmo tempo, a mesma IFP impede o controle público sobre inúmeros serviços públicos.

Espiões de estado lançam-se à vigilância (10) em massa, ao mesmo tempo em que a Polícia trabalha servindo-se de identidades de crianças mortas, mente em tribunais para fornecer provas falsas e incita crianças ao ativismo extremista, além de infiltrar-se em grupos pacíficos, tentando destruí-los (11). As forças policiais já mentiram sobre o desastre de Hillsborough (12); já protegeram pedófilos ativos (13), inclusive Jimmy Savile e, como hoje se afirma, toda uma gama de dirigentes políticos suspeitos também do assassinato de crianças. Savile foi protegido também pelo Serviço Nacional de Saúde (National Health Service) e pela BBC – que demitiu a maioria dos que tentaram expô-lo (14) e promoveu os que tentaram perpetuar o encobrimento.

Suiça - Paraíso Fiscal
Há o problema de nosso intocado sistema de financiamento de políticos, que permite a compra dos partidos (15) pelos mais ricos. Há o escândalo das escutas telefônicas e dos jornais que subornam policiais; da privatização dos Correios britânicos, o Royal Mail (16), vendido a preços insignificantes; o esquema da “porta giratória”, que permite que empresários e empregados de grandes empresas, depois de eleitos, estejam em posição que lhes permite redigir leis que defendem os seus próprios interesses ou dos respectivos patrões empresários; o assalto à seguridade social e aos serviços prisionais, por empresas privadas terceirizadas; a fixação do preço da energia por empresas; o roubo diário perpetrado por empresas farmacêuticas, e tantas dúzias de casos semelhantes. Nada disso é corrupção? Ou essas são operações consideradas “sofisticadas” demais para serem expostas sob o seu verdadeiro nome, “corrupção”?

Confiar no Banco Mundial para aferir corrupção, é como confiar em Vlad, o Empalador, para aferir direitos humanos

Entre as fontes usadas por Transparência Internacional para produzir seu ranking estão o Banco Mundial e o Fórum Econômico Mundial.

Confiar no Banco Mundial para aferir corrupção, é como confiar em Vlad, o Empalador, para aferir direitos humanos. Orientado pelo princípio um dólar\um voto, controlado pelas nações ricas e atuando nas nações pobres, o Banco Mundial financiou centenas de elefantes brancos que enriqueceram enormemente as elites mais corruptas e beneficiaram capitais estrangeiros(17), ao mesmo tempo em que expulsava pessoas das próprias terras e deixava o país afogado em dívidas impagáveis.

Para espanto geral, a definição do Banco Mundial para a corrupção é tão limitada, que não considera esse tipo de prática.

E o Fórum Econômico Mundial estabelece sua escala de corrupção a partir de uma pesquisa que consulta executivos mundiais (18), precisamente eles, cujas empresas são beneficiárias diretas do tipo de práticas que estou listando nesse artigo. As perguntas se limitam ao pagamento de propinas e à aquisição corrupta de fundos públicos por interesses privados(19), excluindo o tipo de corrupção que prevalece nas nações ricas.


Quando entrevista cidadãos comuns, as entrevistas de Transparência Internacional seguem a mesma linha: a maior parte das perguntas específicas concerne ao pagamento de propinas(20).

A corrupção que cobra propinas é a única modalidade de corrupção na qual empresas e empresários privados são obrigados a pagarEm todas as demais modalidades de corrupção, empresas e empresários privados ficam com todo o produto do roubo para si.

Por isso, precisamente, todo o alarido metido a “ético” das investigações de corrupção, que chega ao grande público pelos veículos da mídia-empresa, expõe só, exclusivamente, um lado da corrupção (os servidores públicos corruptos ou apenas acusados de corrupção, sem que jamais se prove coisa alguma), e muito cuidadosamente esconde o outro (as empresas e empresários privados corruptores, os quais, não por acaso, são grandes anunciantes dos mesmos veículos da mídia-empresa metida a “ética” (NTs)].

Para o autor do livro Quão corrupta é a Grã-Bretanha?, essas concepções do que seja “corrupção” são parte de uma longa tradição de retratar o fenômeno como “desgraça” que só acometeria nações frágeis, as quais teriam de ser “resgatadas”  por “reformas” impostas por poderes coloniais e, mais recentemente, por organismos como o Banco Mundial e o FMI.

“Reforma” para essas entidades é sinônimo de arrocho [chamado de “austeridade”], privatização, terceirização e desregulamentação. Com suas “reformas”, aquelas entidades sugam dinheiro diretamente das mãos dos pobres, para entregá-lo a oligarcas nacionais e mundiais.  

Judiciário Corrupto (Lá e Cá)
Para organizações como o Banco Mundial e o Fórum Econômico Mundial, há pouca diferença entre o interesse público e os interesses das corporações internacionais. O que seria visto como corrupção, a partir qualquer outra perspectiva, é apresentado por eles como “economia saudável”.

O poder financeiro mundial e a imensa riqueza da elite global estão fundados na corrupção. Os beneficiários têm interesse, evidentemente, em operar com definições de “corrupção” que os “resgata” e preserva.

Sim, muitas nações pobres sofrem o flagelo do tipo de corrupção em que funcionários públicos aceitam propinas. Mas os problemas que afligem a Grã-Bretanha são mais profundos, porque quando o sistema já é dominado pela elite, propinas são detalhe pouco importante, são supérfluas.

NOTAS

6. John Christensen, 2015, in David Whyte (ed). How Corrupt is Britain? Pluto Press, London.
7. Nicholas Shaxson, 2011. Treasure Islands: Tax Havens and the Men Who Stole the World. Random House, London. http://treasureislands.org/
12. Sheila Coleman, 2015, in David Whyte (ed). How Corrupt is Britain? Pluto Press, London.
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[*] George Monbiot (inglês, nascido em 1963) estudou zoologia em Oxford e especializou-se em Gestão Ambiental. Tornou-se produtor de Programas Ambientais da BBC desde 1985 (rádio) com um programa sobre Vida Selvagem. Com um documentário sobre o naufrágio de um navio graneleiro largo da costa de Cork, descobrindo evidências de que sugeriu que tinha sido deliberadamente sabotado, ganhou um prêmio Sony. No governo Thatcher, que provocou a perda de independência da BBC e a consequente demissão de Alasdair Milne, em janeiro de 1987, a BBC tornou-se uma merda e ficou impedido de realizar programas investigativos. Ainda na BBC foi trans ferido para o Serviço Mundial. Viajou, ainda na BBC para a Indonésia onde passou 6 messes cobrindo (e escreveu seu primeiro livro – Poisoned Arrows – sobre o assunto) o genocídio perpetrado por Suhato naquele ano de 1987.
Em 1989 veio para o Brasil onde pode escrever sobre os Movimentos Sociais e o latifúndio criminoso vigente.  A história destas investigações é contada no livro Amazon Watershed . Voltou ao Brasil algum tempo depois, para fazer um programa Radio 4, chamado Going Back, durante o qual conseguiu rastrear o sargento da polícia responsável por torturar e matar ativistas camponeses no Maranhão. O episódio foi usado por vários anos no curso de formação de saúde e segurança da BBC, como um exemplo do que não fazer. Mudou-se para a África Oriental, em 1992, para investigar a vida dos povos nômades do Quênia e da Tanzânia que resultou em seu livro No Man's Land. A partir de 1996 passou a escrever uma coluna no The Guardian e dedicar-se a escrever mais alguns livros: 
  • Captive State: the corporate takeover of Britain, 2002 
  • The Age of Consent, 2003 
  • Heat: how to stop the planet burning, 2009 
  • Bring on the Apocalypse, 2013  
  • Feral: searching for enchantment on the frontiers of rewilding (em elaboração)

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