20/3/2015, [*] Tony Cartalucci, New Eastern Outlook, NEO
Traduzido pelo pessoal da Vila Vudu
O policial Kim Heung-kwang e as fitas apreendidas |
Quando a revista Wired publicou o artigo “Plano para libertar a Coreia do Norte
(com cópias contrabandeadas de episódios do seriado Friends)”, a
revista provavelmente contava com que seu público leitor, impressionável e
politicamente ignorante, não captaria os fatos subjacentes e respectivas
implicações, e leria ali apenas mais uma matéria “engraçadinha”, que cobriria
de (mais) ridículo o país do leste da Ásia e reforçaria, naquele mesmo público
leitor ignorante consumidor de Wired, a sensação de imorredoura
superioridade cultural.
O que a revista não viu, claro, é que o
programa divulgado por Wired como se fosse trabalho do “Centro
Estratégico Coreia do Norte” e de seu fundador Kang Chol-hwan, 46 anos é, na verdade,
organizado e financiado pelo Departamento de Estado dos EUA.
Fato é que o Centro Estratégico Coreia
do Norte trabalha em parceria muito íntima com o Gabinete de Direitos Humanos, Democracia e Trabalho
do Departamento de Estado dos EUA, com a Rádio “Free Asia” da rede de propaganda do Departamento de Estado dos
EUA e com a Dotação Nacional para a Democracia (National Endowment for
Democracy, NED), também do Departamento de Estado dos EUA, que é um
verdadeiro departamento para “mudança de regime”, mantido pelos “500” de Wall Street da revista
Fortune e exclusivamente
a serviço dos interesses dos “500”.
Leitores da mais recente ação de
propaganda paga pelos EUA e divulgada pela revista Wired tampouco viram
que, se os seriados norte-americanos são considerados ferramentas para
engenharia social na Coreia do Norte, eles também, muito provavelmente, são
usados para a mesma finalidade de engenharia social também nos EUA.
A degradação da educação nos EUA, o
esvaziamento da família, o enfraquecimento das comunidades locais versus
a dominação
cada vez mais uniformizante e centralizada, pelos grandes monopólios
empresariais-financeiros – e o
estado de vigilância e sua Polícia cada vez mais draconiana – são resultados
diretos do mesmo processo.
Os "desinteressados" patrocinadores da NED... (clique na imagem para aumentar) |
Wired até admite, no artigo citado que:
Para Kang, os seriados são semelhantes à
pílula vermelha de Matrix: tratamento para modificar a mente que tem o poder de
estilhaçar um mundo de ilusões. “Quando os norte-coreanos assistem a Desperate
Housewives, eles veem que os norte-americanos não são todos imperialistas obcecados
por guerras – diz Kang – São simplesmente pessoas que têm
negócios, que têm casos. Eles tomam conhecimento do que seja lazer, liberdade.
Aprendem que nada disso os ameaça, que os norte-americanos não são o inimigo.
Que o que veem é o que desejam também para eles. A experiência cancela tudo que
eles tenham ouvido. E quando isso acontece, começa neles uma revolução mental.
Não há dúvidas de que convencer um povo
inteiro a ser cada dia mais autista e autorreferente no plano moral, e mais
degenerado no plano social, é altamente modificador de mentes, mas tem pouco,
ou nada, a ver com a busca pela liberdade. A fragilidade que é disseminada
entre as populações, ensinadas a burlar primeiro a própria família, depois a
própria comunidade, é o correspondente “doméstico” de uma campanha
militar-sociopolítica de “dividir para conquistar”.
Em comunidades locais incapazes de se
auto-organizar, porque os próprios indivíduos são incapazes de viver em família
ou em comunidade, é baixa a probabilidade de que brotem concorrentes capazes de
ameaçar o status quo que Wall Street e Washington demarcaram.
Mais importante, a campanha de “dividir
para conquistar” encoraja um determinado tipo de paradigma de consumo
desenvolvido, aperfeiçoado e exclusivamente dominado por interesses ocidentais,
que opera como retroalimentador do comportamento autista e autorreferente
infindavelmente propagandeado pela mídia-empresa ocidental.
Kang Chol-hwan e George Bush |
Na verdade, o Centro Estratégico Coreia
do Norte não está trabalhando para “libertar” ninguém. Em vez disso, está
trabalhando para encurralar os norte-coreanos, fazendo-os trocar uma gaiola por
outra. Há quem argumente que a “outra gaiola” é mais confortável. Bobagem.
Nenhuma gaiola será jamais confortável e nem se fosse confortabilíssima
deixaria de ser gaiola.
Nada disso é feito para objetivos altruístas,
mas, simplesmente, para “alistar” mais alguns milhões de seres humanos, de
outra região do planeta, no mesmo paradigma de consumo globalizante de
exploração, não sustentável, de Wall Street – paradigma que estrangula o meio
ambiente, a sociedade e os seres humanos.
Como o tal Centro Estratégico Coreia do
Norte poderia mostrar alguma “verdade” aos norte-coreanos, se não diz a verdade
nem sobre quem o mantém e paga os salários dos seus “especialistas”?
Aí está também um paradigma de consumo
que está sendo assumidamente construído e ampliado com dinheiro dos
contribuintes norte-americanos, pelo Departamento de Estado dos EUA, cuja
missão deveria ser a de representar o povo dos EUA e seus interesses legítimos,
mas que, em vez disso, vive a impor os interesses de empresários e banqueiros
dos EUA sobre outros povos, mediante truques de propaganda, onde possível; e
por força militar, quando necessário.
O artigo publicado em Wired, como
muitos outros que essa revista publica, foi escrito para gerar “pauta” dita
“jornalística” de propaganda do que se pode chamar “colonialismo 2.0”: para dar
aos leitores uma sensação de superioridade moral sobre os muitos inimigos que o
ocidente “designa” para ele mesmo.
Divisa fortificada entre as Coreia do Norte e do Sul |
Mas Wired nunca se refere ao
papel do Departamento de Estado nessa específica campanha de propaganda. Isso
mostra que não apenas os leitores “comuns” estão sendo manipulados, mas muitos
“especialistas” e muitos “jornalistas” também estão sendo igualmente
manipulados nessa campanha extraordinariamente desonesta. Será que a ação de Kang
seria igualmente bem recebida pelos norte-coreanos, se eles fossem honestamente
informados de que tudo aquilo é mantido e sustentado – que, na verdade, tudo
aquilo foi inventado – pelo Departamento de Estado dos EUA?
Será que essa informação verdadeira,
devidamente divulgada, confirmaria a opinião de Kang, de que os norte-coreanos
seriam injustificadamente paranoicos, sempre temerosos de que os EUA apareçam
para subverter, destruir e esmagar o país deles? Ou o fato de que Kang está
integralmente a serviço dos EUA e de que seu trabalho é controlado e
supervisionado pelo Departamento de Estado dos EUA exporia as mentiras que Kang
usa para defender o próprio salário?
Verdade e transparência são
indispensáveis a quem queira oferecer “liberdade” a outros. Gente mal informada
ou desinformada não pode tomar decisões realmente consequentes sobre o próprio
futuro. Se o crime da Coreia do Norte seria enganar o próprio povo sobre o
mundo fora de suas fronteiras, nesse caso Kang e a campanha de propaganda do Centro
Estratégico Coreia do Norte para mostrar-lhes o “mundo de verdade”, mas com
ações pagas pelo Departamento de Estado dos EUA são, no mínimo, igualmente
criminosos.
Como diz o ditado, dois erros não fazem
um acerto (e, isso, só se alguém acreditasse que o Departamento de Estado dos
EUA estaria tentando fazer alguma coisa certa).
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[*] Tony Cartalucci é pesquisador de
geopolítica e escritor sediado em Bangkok, Tailândia. Seu trabalho visa cobrir
os eventos mundiais a partir de uma perspectiva do Sudeste Asiático, bem como
promover a auto-suficiência como uma das chaves para a verdadeira liberdade.
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