Editorial da Vila Vudu de 2 de abril de 2011
Não vamos nem traduzir nem comentar a matéria abaixo [endereço aí, adiante, para saberem do que se trata].
Aproveitamos a msg-consulta abaixo [nomes omitidos] para esclarecer um pouco sobre o tipo de trabalho que fazemos. Dado que a "teoria" da Vila Vudu está em construção perpétua, e se vai construindo à medida em que as coisas estão sendo feitas ("só a luta ensina", regra pétrea marxiana, que Lênin começou a por em prática e foi seguido, na luta, por Mao Tse Tung e Fidel Castro), é útil, vez ou outra, fazer balanços de percurso. Aqui, comentamos dois aspectos crucialmente importantes do nosso trabalho: (1) a Vila Vudu não faz trabalho jornalístico; e (2) a Vila Vudu não acredita em denúncias e denuncismos.
(1) A Vila Vudu não faz trabalho jornalístico
Somos ativamente antijornalísticos e desjornalísticos. Isso significa que:
(a) a Vila Vudu não é pautada por nenhum tipo de preocupação com “atualidade”: não nos interessa a pauta que os jornais e televisões e jornalismos e jornalistas determinam como "temas relevantes da atualidade" para a discussão social. Entendemos que -- e na via exatamente contrária àquela pela qual anda o jornalismo-que-há -- o que interessa às sociedades discutir JAMAIS está nos jornais-empresas e nas televisões-empresas.
O fato é sempre e necessariamente construído: para cada evento noticiado, há milhões de fatos ocultados. O fato importante para os muitos está sempre ocultado, perdido entre os fatos não noticiados. Fato noticiado é relevante só para quem o noticia. Cada um deve fazer jornal seu -- o que a internet afinal permite e todos estamos aprendendo a fazer, de todos para todos. O jornalismo-que-há interessa ao poder-que-há e não interessa aos muitos e aos pobres. O poder dos pobres (de fato, o “poder do escravo” é sempre e necessariamente um antipoder) está sendo construído aqui e agora.
Interpretamos nesse sentido o dito segundo o qual "a revolução não será televisionada". As mortes e a violência espetacularizadas e os movimentos do dinheiro, sim, podem ser televisionados (e criados, inventados e propagandeados e pautados pela televisão e pelo jornalismo que há).
A revolução que se esgueira pelas frestas e brechas e beiradas e cresce nas periferias do mundo, pelos becos e pelas comunidades e pelas praças, muitas vezes ainda sem teoria e palavras, e à qual o jornalismo que há NUNCA chega, é trabalho subterrâneo dos muitos; essa é a única revolução revolucionária e, essa, jamais será televisionada.
Veem-se pelas televisões as multidões nas ruas em todo o mundo muçulmano, mas não há televisão que mostre a infinita complexidade daquelas multidões e daqueles movimentos e suas emoções sociais e socializatórias. Então, as televisões manobram o significado das multidões e dos movimentos como melhor lhes interesse. Essas imagens e manobras não interessam aos muitos. É desligar a televisão, e pronto.
Entendemos que jornais, jornalismo e jornalistas trabalham EXCLUSIVAMENTE em benefício dos próprios jornais, jornalismo e jornalistas. para mantê-los vivos e legitimá-los. E que, só depois de assegurado esse espaço exclusivo e de privilégio para eles mesmos, aparece nos jornais, jornalismo e jornalistas alguma consideração pelo interesse dos muitos e dos mais pobres, que em muitos casos NUNCA aparece.
O fato de existirem jornais, jornalismos e jornalistas que JAMAIS manifestam nem um mínimo interesse pelo interesse dos muitos e dos mais pobres é prova lógica incontestável de que o jornalismo, os jornais e os jornalistas podem, sim, existir sem NENHUM interesse pelo interesse dos muitos e dos mais pobres. E basta isso para demonstrar logicamente que o interesse pelo interesse dos muitos e dos mais pobres NÃO É aspecto essencial no jornalismo, nos jornais e nos jornalistas que há.
Quanto a “liberdade de expressão” -- argumento liberal fanado, que também paralisa a ação de tantos dos nossos -- entendemos que seja mais um artifício ideológico inventado também para preservar interesses de poucos, nunca para preservar interesses de muitos e dos mais pobres.
Para demonstrá-lo, por exemplo, hoje, basta ler a coluna de Tuty Vasquez no Estadão. Ali, o colunista argumenta que aquele-bolsonaro-lá teria pleno direito de dizer o que disse, porque ali, no que aquele-bolsonaro-lá disse, aparece manifesto “o que pensa parte do eleitorado” (Tautty Vasquez, “Metrópole”, O Estado de S.Paulo, 2/4/2010, p. CB, com chamada de capa).
A Vila Vudu entende que “o que pensa a parte do eleitorado” que se manifesta no que digam os bolsonaros NÃO DEVE e NÃO PODE ter qualquer direito de expressão e equivale à parte do eleitorado, que mata. Essa parte do eleitorado tem de ser calada, até deixar de ser parte do eleitorado, nem que seja na porrada. É como pressupor que um assassino doentio mereça algum direito que ele nega, pela violência, ao resto do mundo e às suas vítimas. Essa gente NÃO DEVE e NÃO PODE ter direitos e precisa ser calada.
Nem o Tutty Vasquez e o Estadão jamais cogitaram de garantir algum direito de expressão assassina, mortífera, ao Maníaco do Parque. Mas até o Maníaco do Parque sabe que ele mesmo não merece nenhum direito de expressão. Por isso, exatamente, matava escondido e fazia o diabo para que ninguém soubesse dos seus crimes, que ele queria manter ocultados, não noticiados.
O Maníaco do Parque, pois, causa menos dano à sociedade que os bolsonaros, os tuttys vasquez e os estadãos que julgam ter pleno direito de causar dano à sociedade. Todos esses têm de ser calados, e pelas mesmas razões.
A evidência de que, hoje, “os fascistas são sinceros” (como Goddard ensina em “Film Socialism”) colabora para explicar que os bolsonaros, seus eleitores e seus propagandistas (como o Maníaco do Parque) têm de ser calados e não, de modo algum, têm de ter reconhecido a eles algum direito de expressão, por serem sinceros.
O Maníaco do Parque sempre foi absoluta e totalmente sincero quando matava. Bolsonaro é sincero e Tutty Vasquez e o Estadão são empedernidamente sinceros.
Mas entendemos, sim, que até o Maníaco do Parque e os bolsonaros e o Tutty Vasquez e os Estadão têm de ter respeitados seu direito humano básico à vida, no caso de pessoas físicas (desde que vivam totalmente AMORDAÇADOS, presos em hospício de segurança máxima, e impedidos de falar), mas não, claro, no caso de pessoas jurídicas. Empresas jornalísticas como o Estadão, essas, têm de ser fechadas, levadas à falência por boicote, os prédios demolidos e o terreno salgado para eterna memória dos povos.
Manter ativas e defender que sejam mantidas ativas empresas comerciais jornalísticas como o Estadão é reconhecer alguma validade no argumento perverso e pervertido segundo o qual os eleitores dos bolsonaros deveriam ter algum direito de continuar a semear sua ideologia perversa, de perversidade e morte, e é o mesmo que reconhecer que o Maníaco do Parque deveria ter algum direito de continuar a matar, porque o próprio maníaco creia sinceramente que ao desejo de matar deva corresponder o direito de matar e que o direito de desejar matar seria direito humano básico. “Não matarás” é preceito religioso. A religião tem, sim, boa possibilidade de acrescentar conteúdo moral a qualquer resistência. Essa é lição que o Hamás e o Hezbollah ensinam e é boa lição islâmica, cristã, budista, do candomblé etc.
Nada disso, contudo, implica aceitar que TUDO que não apareça publicado nos jornais e televisões seja relevante para a luta da Vila Vudu.
Se jornais, jornalismos e jornalistas trabalham movidos por interesses dos poucos contra os muitos e os mais pobres, é evidente que trabalham a favor dos próprios interesses. Essa motivação gera campos de informação que interessa divulgar e, também gera campos de informação que não interessa (àqueles interesses) divulgar.
Assim acontece de, inúmeras vezes, os jornais, jornalismos e jornalistas não divulgarem inúmeras informações. Nem todas as informações ocultadas pelos interesses que movem jornais, jornalismos e jornalistas são informações que interessam aos muitos e aos mais pobres. Inumeráveis vezes, as informações não divulgadas manifestam interesses de intragrupos, de subgrupos que coexistem no grande grupo dos interesses que operam contra os interesses dos muitos e dos mais pobres. E inumeráveis vezes a informação não divulgada ecoa como “a verdade”, sobretudo entre grupos de militantes cevados nas lutas da Guerra Fria, nas quais a ocultação fez regra e escola, dos dois lados.
Nesses casos, informação ocultada ou desocultada nada altera na grande correlação de forças: um determinado subgrupo de interesses “revela” informação que só lhe interessa e visa a atrapalhar a vida de outro subgrupo e NADA, nessa briga-lá, interessa aos muitos e aos mais pobres. Disso, aliás, faz-se a indústria dos “escândalos” “éticos” de que Folha de S.Paulo, Estadão e revista (NÃO) Veja e o PT, no Brasil, fizeram meio de vida, durante os governos Lula (mas já não fazem, no primeiro governo Lula-Dilma, porque, agora, não lhes interessa).
Se a Vila Vudu não se deixa reger pelas regras dos jornais, jornalismos e jornalistas que há, evidentemente nós não nos deixamos reger nem por informação publicada nem por informação ocultada pelos jornais, jornalismos e jornalistas que há. O que os jornais, jornalismos e jornalistas que há NÃO publicam nos interessa tanto quanto nos interessa o que publicam: NADA. O que nos leva ao segundo aspecto crucial do nosso trabalho:
(2) A Vila Vudu não acredita em denúncias e denuncismos
A Vila Vudu se põe decididamente ao lado dos movimentos palestinos pró-boicote a empresas israelenses em todo o mundo. Mas reserva-se o direito autoatribuído de NÃO DIVULGAR, no Brasil, notícias sobre acordos comerciais entre empresas brasileiras e israelenses.
Isso não implica qualquer nacionalismo. Isso não implica, tampouco, qualquer movimento de boicote ao boicote dos palestinos contra Israel. Isso implica apenas que a Vila Vudu se reconhece como o governo no Brasil, hoje.
Somos o governo do Brasil e, assim, estamos submetidos, também a Vila Vudu, às terríveis pressões e à inacreditavelmente feroz guerra de informação a que estão submetidos hoje todos os governos democráticos que começam a tentar fazer (alguma!) frente de resistência contra a loucura neoimperial do governo Obama. O que vale para a Vila Vudu vale também para a Turquia e para o Irã, pra citar duas outras entidades que também trabalham para resistir contra a loucura neoimperial do governo Obama.
A loucura neoimperial do governo Obama, que só hoje começa a aparecer aí, nua e crua, já sem chance de permanecer completamente ocultada, é a mais completa tradução do fracasso ao qual foram arrastadas tantas vanguardas, em todo o mundo, pelas ideias adolescentes-libertárias e versões desejantes-piradas de tantos que viram, em Obama, alguma possibilidade de mudança.
Pode-se dizer que a esperança-Obama foi o máximo a que conseguiram chegar as resistências ditas “democráticas” e “representativas”, em todo o mundo, construídas sem discurso político de resistência à fúria midiática-industrial-bélica dos EUA e sem outro discurso de resistência que não fosse a piração anticomunista e pró-EUA da Guerra Fria, ou a piração anti-EUA e pró-URSS da Guerra Fria. Esse nos parece ser um problema generacional. Os pobres jovens que hoje ocupam as praças do mundo pobre já nasceram e cresceram em mundo no qual a Guerra Fria não foi referência direta em todos os jornais, televisões, rádios e cinema. E é sempre mais fácil opor resistência direta ao simulacro-do-simulacro, do que ao bicho vivo e armado.
Um dos nossos, cá na Vila Vudu, costuma repetir um mantra pragmaticamente importantíssimo: “da Guerra Fria, só se aproveita o antiamericanismo visceral e histórico, dos pobres. É uma vitória leninista-stalinista, contra o complexo bélico-midiático ocidental ATÉ HOJE. Chegaremos à fartura!”. BINGO! BINGO!
“Obama foi neutralizado pelo capitalismo de bordel dos EUA” -- como disse, afinal, com todas as letras a professora Maria da Conceição Tavares, no Brasil, dando voz e palavras e direção também às praças no mundo árabe, no Irã, na Líbia, na Síria, na Palestina, na África e em todo o mundo. Isso não implica que Obama possa ser visto como alguma espécie de vítima. Vítima são, isso sim, todos os pobres do planeta. O capitalismo de bordel dos EUA é global. É capitalismo de bordel, é dos EUA, e os EUA bordelizaram o planeta, depois de globalizarem o bordel.
De fato, todos os discursos progressistas foram, também eles, “neutralizados pelo capitalismo de bordel dos EUA”. Mas errará quem diga que só as esquerdas foram paralisadas pelo “capitalismo de bordel dos EUA”: o discurso da direita liberal também foi detonado pelo capitalismo de bordel dos EUA e começa a perder a eficácia.
Basta que se veja que, no Brasil, Bolsonaro está sendo apresentado como campeão “do direito à liberdade de expressão”. Se se vê que ATÉ JARBAS PASSAARINHO opôs-se ao discurso do Estadão-Tutty Vasquez de apoio a Bolsonaro... Tem-se espantosa boa medida da extensão do “estrago” que o capitalismo de bordel dos EUA está provocando também no discurso da direitona, no Brasil: o capitalismo de bordel, por vias complexas, obrigou ATÉ a direitona no Brasil a um avanço MORAL! [risos, risos, porque, isso, sim, é muuito engraçado!8:))].
Se é verdade que a Vila Vudu é total e absolutamente contrária à guerra, também é verdade que a Vila Vudu se recusa a fingir que a guerra não existe e nos ameaça todos. A Vila Vudu batalha para conseguir não se esconder por trás da falsa consciência (por isso não lemos jornais brasileiros nem assistimos à televisão brasileira).
Todos desejamos que não haja guerra. Mas também sabemos que não se pode apagar a guerra com xchiliques de pacifismo de salão, nem com “éticas” de Tutty Vasquez & D. Danuza & Estadão, nem com xhciliques de classe média petista metida a “ética” ou psolista metida a “verde”.
Por tudo isso, não acreditamos e não praticamos nenhum tipo de denuncismo.
Entendemos que os muitos são vítimas da falta de INFORMAÇÃO BEM CONSTRUÍDA, não, de modo algum, são vítimas de alguma “falta” de interpretação “mais progressista” (que seria ótimo se houvesse, mas, se há, é desdentada). Então, por exemplo, traduzimos OS TELEGRAMAS DE WIKILEAKS, sem comentários. Sobretudo, jamais SUBSTITUÍMOS o contato direto emocional, físico, com os telegramas -- o próprio texto, a peça, a obra, a viva voz -- por comentário jornalístico SOBRE o telegrama.
Que os muitos leiam, pessoalmente, o que, antes de WikiLeaks, foi informação privilegiada que só chegava ao Departamento de Estado dos EUA e a raros, privilegiadíssimos jornalistas, jornais e jornalismos. Que os muitos leiam, pessoalmente, matéria de análise de alta qualidade intelectual, que, antes, só chegava a pressupostos 'especialistas' de academia.
Trabalhamos incansavelmente, a partir do pressuposto de que, mais bem informados do que quando eram informados só pelas opiniões de William Waacks e Lampreias, os brasileiros acertaremos mais, na direção de entender melhor quais são os interesses (a) dos pobres do mundo, (b) dos pobres na América Latina e (c) dos pobres no Brasil, e, isso, sobretudo, nas discussões domésticas, em casa, cada um com seus botões e amigos.
Coisas como o denuncismo que transparece na matéria abaixo, cá na Vila Vudu, nós descartamos com total à vontade, primeiro com argumentos: “Quando nosso governo Dilma-Lula puder, nós cuidaremos desses salafrários que compram e vendem armas a Israel. A luta continua. Só a luta ensina”. Em seguida, aos gritos, na praça: “Pela Palestina livre!” (Às vezes, acontece ao contrário: primeiro os gritos na praça, depois os argumentos. Não faz diferença.)
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