quarta-feira, 15 de fevereiro de 2012

Para entender a política de Obama para o Irã


11/2/2012, Brian M Downing, Asia Times Online
Traduzido pelo pessoal da Vila Vudu

Resenha de:
PARSI, Trita,A Single Roll of the Dice: Obama's Diplomacy with Iran[Um único lance de dados: a diplomacia de Obama para o Irã], Yale University Press, 2012, ISBN-10: 0300169361. US$27.50, 304 p.

Ver também:
13/7 2011 – The Cairo Global Affairs – Trita Parsi: “A Primavera Árabe vista de Teerã (parte 1/2)
14/7 /2011 – The Cairo Global Affairs – Trita Parsi: “A Primavera Árabe vista de Teerã (parte 2/2)
8/1/2012, *M K Bhadrakumar, Indian Punchline – “Mais jogos de sombra no Golfo Persa
7/1/2012, Trita Parsi, The Independent, UK – “Discursos levianos sobre guerras fazem da guerra ao Irã risco real

Trita Parsi
O primeiro livro de Trita Parsi, Treacherous Alliance [Aliança Traiçoeira] (2008), trouxe compreensão extremamente clara das negociações públicas e secretas entre Irã, EUA e Israel, ao longo dos últimos 35 anos. Chega agora, em momento excepcionalmente oportuno, essa impressionante continuação daquele trabalho, em que Parsi estuda os eventos desde a posse do presidente Barack Obama em 2009. 

O novo governo começou com esperanças de abertura na direção do Irã, mas, apesar do início promissor, não houve qualquer avanço diplomático. Parsi atribui esse resultado à inflexibilidade em Teerã, Washington, Jerusalém e Riad. Políticos e gabinetes interpretaram mal praticamente todos os sinais que chegavam do outro lado, resistiram a demonstrações de flexibilidade, por medo de parecerem fracos, e ignoraram os muitos esforços de países mediadores. O conflito acabou por incorporar-se ao pensamento e às instituições de todos os países envolvidos. 

Teerã não acreditou nos primeiros passos do governo Obama. O Irã ajudara os EUA a expulsar os Talibã do Afeganistão em 2001 e a instalar lá um novo governo, no ano seguinte; mas o governo George W Bush manteve a atitude de hostilidade. Depois da derrubada de Saddam Hussein, pelos EUA, em 2003, o Irã movimentou-se na direção de ampla abertura e diálogo com os EUA. Mas o movimento foi rejeitado: os EUA não se interessaram por dialogar com o mal. 

O Irã, então, via pouca probabilidade de Obama conseguir livrar-se dos impedimentos políticos que o bloqueavam. A escolha de Dennis Ross e Rahm Emanuel como principais conselheiros não contribuiu para abalar o ceticismo dos iranianos, para quem os dois sempre foram ativos militantes pró-Israel. 

A inimizade com os EUA já penetrou toda a máquina da administração e a identidade nacional iranianas. Já é parte do que os iranianos são. E garante narrativa poderosa de legitimação e justificação para o governo que, em outras circunstâncias, estaria enfrentando crescente descontentamento popular em função da economia estagnada. 

Além do mais, qualquer acordo com os EUA reduziria a capacidade do Irã para atrair apoio da rua árabe, elemento importante de uma política já de vários anos para enfraquecer os ditadores árabes e reduzir a influência dos EUA na região. 

No início do governo Obama discutiram-se vias para uma aproximação com o Irã – promessa de campanha eleitoral do presidente e também do discurso de posse. O Departamento de Estado e o Pentágono cogitaram de negociar questões do Afeganistão, com a criação de um estado estável sem os Talibã, o que interessaria aos EUA e ao Irã. 

Mas decidiu-se que qualquer colaboração com o Irã no Afeganistão poria os EUA em posição de devedor, no início das negociações, muito mais críticas, sobre a pesquisa nuclear. O governo Obama optou pela política híbrida de Dennis Ross, de abrir negociações e, simultaneamente, aprofundar as sanções – cenoura e porrete. 

O primeiro-ministro Benjamin Netanyahu e forças pró-Israel nos EUA não gostaram da aproximação; e pressionaram forte na direção de prazos mais apertados e sanções mais duras – cenoura menos atraente e porrete maior. 

A Arábia Saudita e outros estados sunitas também pressionaram o governo Obama na direção de posição mais firme depois de tantas tolices e inação durante o governo Bush. As ações do governo Bush no Afeganistão e o Iraque fortaleceram tanto a influência do Irã, que os sauditas et alii chegaram a considerar o risco de o Irã estar modelando as políticas dos EUA – uma lição de que a obsessão pela segurança nacional e o pensamento paranóico andam muito frequentemente de mãos dadas em muitas capitais do mundo. 

Os estados sunitas também temeram que o interesse de Obama por alcançar algum acordo pudesse levá-lo a ceder demais ao Irã. Isso poderia converter o Irã em potência hegemônica no comando de potente movimento xiita na região, e levar à expansão do Islã, em oposição e à custa dos governos árabes.
Mas, apesar das muitas pressões diplomáticas e domésticas, o novo presidente manteve-se firme. Prosseguiriam os esforços para aproximação mais flexível na direção de Teerã. 

Até que essa abordagem mudou, mas não pelas razões previstas. A fraude nas eleições de 2009 e, em seguida, a repressão brutal da oposição, assustaram o governo Obama e deram novas energias aos que o criticavam. Senadores e deputados denunciaram o Irã no Congresso dos EUA e exigiram sanções mais agressivas. A equação política havia mudado decisivamente. 

Dividido na questão de como responder, o governo cedeu à pressão do Congresso que exigia sanções mais duras. As negociações levaram a nada e os dois países chegaram à atual situação de crise. O que Israel e a Arábia Saudita não fizeram, para conseguir mudar a política de Obama, o próprio Irã fez – e com grande eficácia. 

As partes mais intrigantes do livro de Parsi são os perfis de políticos israelenses, construídos a partir de entrevistas pessoais e declarações públicas. Para Parsi, algumas figuras da política israelense são mais complexas do que os pintam os porta-vozes e políticos dos dois lados do Atlântico. 

Importante para registrar, Parsi duvida que o Irã algum dia ataque Israel com arma nuclear. Os aiatolás, segundo o ministro da Defesa e soldado altamente condecorado Ehud Barak, são atores políticos pragmáticos que sabem que operam no cenário mundial, e nada têm de “mulás doidos”. 

É discurso que não coincide com o que se lê e ouve, com israelenses sempre clamando por ação, apresentando os clérigos iranianos como fanáticos interessados em apressar o fim do mundo e a volta do Imã. Para Barak, os aiatolás sabem que ataque nuclear a Israel não beneficiaria o Irã e, em qualquer circunstância, levaria ao contra-ataque, imediato e devastador. 

O que mais preocupa os estrategistas israelenses é a certeza de que um Irã nuclear provocaria grave dano à imagem de Israel como estado já plenamente implantado e invencível; fortaleceria a posição dos políticos e militantes palestinos e, na conclusão, obrigaria Israel a conceder um acordo de convivência que exigiria a devolução de territórios. Parsi – o que é lamentável – não comenta nem avalia esse raciocínio. 

Parsi cita o famoso comentário do ex-chefe do Mossad, Meir Dagan, ano passado, para o qual a ideia de Israel atacar instalações nucleares iranianas seria “a ideia mais estúpida que já ouvi”. Dagan crê que ataque desse tipo levaria a conflagração regional de tal ordem que geraria “desafio de segurança que não haveria como enfrentar”. Opiniões de Dagan – suspeito de estar no comando da campanha de assassinatos de cientistas e atentados à bomba que têm ocorrido em território iraniano – não podem ser tomadas como palpite de ativistas da paz. 

As ameaças dos israelenses de atacar “unilateralmente” o Irã visam a forçar os EUA a aprofundar as sanções, por mais que a ideia de atacar o Irã agrade a alguns dos israelenses entrevistados: para esses, as sanções podem, no máximo, tornar um pouco mais lento o ritmo dos avanços iranianos no programa atômico; ataques aéreos podem forçar retrocesso bem mais significativo. 

Mas os estrategistas israelenses consideram a possibilidade de fracasso. No caso de nem sanções nem ataques funcionarem, o Irã deve servir como caso exemplar para outros países que venham a considerar a possibilidade de construir armas nucleares. Construir ou mesmo tentar construir armas nucleares é movimento que sempre custará sanções terríveis, que engessarão a nação por tempo indefinido.

Mas – fontes israelenses lembram, cautelosamente – usar o Irã como exemplo para intimidar outros países que tentem arriscar-se na via do armamento nuclear pode custar preço muito alto: debilitaria muito qualquer iniciativa de reforma democrática; geraria um estado falido entre o Golfo Persa e o AfPak; e, afinal, geraria um país armado com armas nucleares, ferido e em busca de vingança.

O que fazer? Na opinião de Trita Parsi, haverá longo período de contenção – que é alternativa à guerra – gravemente minado por riscos de as tensões aumentarem e de acontecerem atos acidentais de hostilidade. O autor propõe que se inicie nova rodada de iniciativas diplomáticas; sanções menos drásticas; projeto de longo prazo para a relação entre EUA e Irã; objetivos mais claros e mais bem definidos, para as negociações; e que se busquem mediadores influentes, como a Turquia. 

Mas muitos leitores não verão claramente que tipo de acordo seria possível, para a questão nuclear, agora ou algum dia, que não implique os EUA e Israel aceitarem os objetivos nucleares do Irã. Muitos temerão que a pesquisa iraniana e a impaciência israelense não nos deixem tempo para um segundo lance de dados.

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