segunda-feira, 9 de janeiro de 2012

Discursos levianos sobre guerras fazem da guerra ao Irã risco real


Trita Parsi

7/1/2012, Trita Parsi, The Independent, UK
Traduzido pelo pessoal da Vila Vudu


[Um lance de dados: a diplomacia de Obama para o Irã], Yale University Press, jan.2012

A temperatura subiu dramaticamente entre o ocidente e o Irã. Escalada dos dois lados e discursos sempre levianos expõem como normal a ideia de mais uma guerra e criaram ambiente no qual cresce a probabilidade de confronto militar. O próximo passo, do qual a Europa diz cogitar – em meio àquela grave crise econômica – seria embargo total ao petróleo do Irã. Ideia que há poucos meses parecia obviamente descartada, tem hoje ares de inevitabilidade.

Sanções só funcionam muito raramente. Mas pouco antes de serem impostas – quando ainda não passam de ameaça da qual sempre se pode recuar – sim, as sanções alcançam ali o ponto máximo de efetividade. 

O principal problema de sanções multilaterais, porém, é que o processo de construir consenso em torno das sanções consome tal quantidade de recursos diplomáticos, que, de um ponto em diante, todos os países envolvidos já estão comprometidos com as sanções, antes até de as sanções existirem; e as sanções tornam-se inevitáveis. Desse ponto em diante, em vez de a ameaça de sanções servir como ferramenta para induzir as mudanças políticas desejadas, as ameaças e quem ameace passam a confundir meios e fins. Voltar atrás de uma ameaça, nesse quadro, passa a custar tanto, que as sanções convertem-se em fatalidade, contra a qual os ameaçados ganham tempo para preparar-se – e as sanções, como as ameaças, perdem qualquer efetividade.

Foi exatamente o que aconteceu em maio de 2010, quando o governo Obama e a União Europeia optaram por novas rodadas de sanções do Conselho de Segurança da ONU contra o Irã – mesmo depois de o Irã ter acedido às demandas ocidentais, e ter aceitado a proposta de trocar seu urânio alto-enriquecido por urânio baixo-enriquecido. 

A parca diplomacia do governo Obama com o Irã, em outubro de 2009, estava centrada numa troca de combustível, que visava a tirar do Irã 1.200kg de Urânio Baixo-Enriquecido [orig. Low Enriched Uranium (LEU)], em troca de bastonetes de combustível radiativo para um reator de pesquisas médicas; esse quase nada diplomático foi suficiente para abrir espaço político maior e para manter ativas as conversações. Mas disputas internas no Irã, e a exigência, pelos iranianos, de mecanismos que garantissem que o combustível seria entregue impediram que a negociação prosperasse.

Apesar de o ocidente saber e reconhecer que o acordo fracassou, vítima de diferenças políticas internas no Irã, os EUA e a União Europeia abandonaram a diplomacia e voltaram à imposição de sanções, logo no mês seguinte, em novembro de 2009. Rússia e China, contudo, impuseram dura resistência aos EUA; não se chegou a nova resolução até a primavera de 2010. E os EUA tiveram de consumir outras imensas quantidades de recursos diplomáticos e de tempo, para dobrar a China e a Rússia.

Moscou e Pequim não foram os únicos obstáculos. Turquia e Brasil, então membros do Conselho de Segurança da ONU, acreditaram que a diplomacia ainda pudesse ser ressuscitada. Com o aval, meio contra vontade, de Washington, os dois estados investiram neles mesmos, como mediadores, para obter a concordância do Irã.

Levando em mãos uma carta de Obama, na qual declarava o desejo de Washington de ver 1.200kg do urânio baixo-enriquecido do Irã posto sob custódia da Turquia, brasileiros e turcos embarcaram para uma maratona de 18 horas de reuniões em Teerã. O ocidente não esperava que fossem bem sucedidos. Afinal, os iranianos não estavam interessados em negociar, como acreditava a Casa Branca. Brasileiros e turcos entendiam que não podiam embarcar na canoa das sanções, se não esgotassem todas as possibilidades diplomáticas.

Depois de dois dias de conversações, Brasil e Turquia surpreenderam o ocidente: saíram de Teerã com um acordo. Os diplomatas desses dois países foram bem sucedidos, em dois dias, em conversações nas quais os EUA e as potências da União Europeia fracassaram durante anos. Embora alguns fatos tenham mudado em campo, aquela negociação – a Declaração de Teerã – seguia, de fato, as linhas da proposta dos EUA de apenas seis meses antes e os pontos listados na carta de Obama aos presidentes de Turquia e Brasil.

Pois... Em vez de os EUA verem nela a abertura diplomática que o ocidente buscara sem sucesso em outubro de 2009, a Declaração de Teerã foi interpretada como “manobra” dos iranianos. Sem acreditar nas possibilidades da negociação encabeçada por Turquia e Brasil, Obama obtivera, na véspera, a aprovação de Rússia e China para as sanções.

De fato, sem sequer pensar no que dizia e fazia, a secretária de Estado Hillary Clinton acrescentou a derradeira pá de cal sobre o acordo de Teerã, ao dizer, no Senado dos EUA, que a resposta dos EUA ao acordo seria fazer aprovar na ONU a resolução das sanções. E acrescentou que aquele esforço diplomático “tornara o mundo mais perigoso”.

Os britânicos viram o acordo como “tergiversação”. O vice-ministro das Relações Externas de Israel, Danny Ayalon, disse-me, pessoalmente, que se tratava de “evidente golpe” dos iranianos, e que Turquia e Brasil haviam sido enganados.

Conectando o acordo e a votação na ONU por via negativa, alto funcionário da União Europeia disse-me, também pessoalmente: “Se se pensa no timing... a Declaração de Teerã foi assinada na véspera da votação. Pode-se crer nessa declaração? Naquele momento, o P5 [Grã-Bretanha, China, França, Rússia e EUA + Alemanha (NTs)] não queria saber de monkey business [aprox. “trabalho sujo”?]!”

O momentum das sanções tornara-se tão irresistível, que a ânsia a favor das sanções, atropelou o sucesso diplomático que as potências diziam estar buscando. Depois de alcançado o consenso a favor das sanções entre os cinco membros permanentes do Conselho de Segurança da ONU, o próprio consenso foi apresentado como abertura radical.

Hoje, a União Europeia está às vésperas de repetir o mesmo erro. Agressivamente, a União Europeia aproxima-se de um embargo ao petróleo iraniano – passo que alto funcionário da União Europeia traduziu para mim como “o último passo antes da guerra”. Por outro lado, está em organização uma nova rodada de negociações.

Os céticos argumentarão que os iranianos só estão chegando à mesa para negociar, por causa das sanções; e que seu único interesse é conter a força do movimento pró-sanções. Espantosa ideia, essa... Afinal, o objetivo oficial declarado das sanções é, exatamente, trazer o Irã de volta às negociações. 

Se acontecer uma nova rodada de negociações, ninguém duvida que serão negociações muito duras. A cisão entre os dois lados cresceu, por efeito da escalada nos discursos, dos dois lados. E espaço político para o tipo de diplomacia sustentada indispensável para criar uma abertura é o que mais falta nos EUA, no Irã e na União Europeia. Em vez de real negociação, o mais provável é que se veja mais uma troca de ultimatos. 

Mas se a União Europeia repetir o erro que já cometeu em 2010, se deixar que a desconfiança supere o bom senso e o juízo racional, e impuser um embargo ao petróleo do Irã antes da próxima reunião, nesse caso a diplomacia chegará morta à sala de negociações. 

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