Trita Parsi |
7/1/2012,
Trita Parsi, The Independent,
UK
Traduzido pelo
pessoal da Vila Vudu
Trita
Parsi
é autor de “A Single Roll of
the Dice - Obama's Diplomacy with Iran”
[Um
lance de dados: a diplomacia de Obama para o Irã], Yale University Press, jan.2012
A
temperatura subiu dramaticamente entre o ocidente e o Irã. Escalada dos dois
lados e discursos sempre levianos expõem como normal a ideia de mais uma guerra
e criaram ambiente no qual cresce a probabilidade de confronto militar. O
próximo passo, do qual a Europa diz cogitar – em meio àquela grave crise
econômica – seria embargo total ao petróleo do Irã. Ideia que há poucos meses
parecia obviamente descartada, tem hoje ares de
inevitabilidade.
Sanções
só funcionam muito raramente. Mas pouco antes de serem impostas – quando ainda
não passam de ameaça da qual sempre se pode recuar – sim, as sanções alcançam
ali o ponto máximo de efetividade.
O
principal problema de sanções multilaterais, porém, é que o processo de
construir consenso em torno das sanções consome tal quantidade de recursos
diplomáticos, que, de um ponto em diante, todos os países envolvidos já estão
comprometidos com as sanções, antes até de as sanções existirem; e as sanções
tornam-se inevitáveis. Desse ponto em diante, em vez de a ameaça de sanções
servir como ferramenta para induzir as mudanças políticas desejadas, as ameaças
e quem ameace passam a confundir meios e fins. Voltar atrás de uma ameaça, nesse
quadro, passa a custar tanto, que as sanções convertem-se em fatalidade, contra
a qual os ameaçados ganham tempo para preparar-se – e as sanções, como as
ameaças, perdem qualquer efetividade.
Foi
exatamente o que aconteceu em maio de 2010, quando o governo Obama e a União
Europeia optaram por novas rodadas de sanções do Conselho de Segurança da ONU
contra o Irã – mesmo depois de o Irã ter acedido às demandas ocidentais, e ter
aceitado a proposta de trocar seu urânio alto-enriquecido por urânio
baixo-enriquecido.
A
parca diplomacia do governo Obama com o Irã, em outubro de 2009, estava centrada
numa troca de combustível, que visava a tirar do Irã 1.200kg de Urânio
Baixo-Enriquecido [orig. Low
Enriched Uranium (LEU)], em troca de bastonetes de combustível radiativo
para um reator de pesquisas médicas; esse quase nada diplomático foi suficiente
para abrir espaço político maior e para manter ativas as conversações. Mas
disputas internas no Irã, e a exigência, pelos iranianos, de mecanismos que
garantissem que o combustível seria entregue impediram que a negociação
prosperasse.
Apesar
de o ocidente saber e reconhecer que o acordo fracassou, vítima de diferenças
políticas internas no Irã, os EUA e a União Europeia abandonaram a diplomacia e
voltaram à imposição de sanções, logo no mês seguinte, em novembro de 2009.
Rússia e China, contudo, impuseram dura resistência aos EUA; não se chegou a
nova resolução até a primavera de 2010. E os EUA tiveram de consumir outras
imensas quantidades de recursos diplomáticos e de tempo, para dobrar a China e a
Rússia.
Moscou
e Pequim não foram os únicos obstáculos. Turquia e Brasil, então membros do
Conselho de Segurança da ONU, acreditaram que a diplomacia ainda pudesse ser
ressuscitada. Com o aval, meio contra vontade, de Washington, os dois estados
investiram neles mesmos, como mediadores, para obter a concordância do
Irã.
Levando
em mãos uma carta de Obama, na qual declarava o desejo de Washington de ver
1.200kg do urânio baixo-enriquecido do Irã posto sob custódia da Turquia,
brasileiros e turcos embarcaram para uma maratona de 18 horas de reuniões em
Teerã. O ocidente não esperava que fossem bem sucedidos. Afinal, os iranianos
não estavam interessados em negociar, como acreditava a Casa Branca. Brasileiros
e turcos entendiam que não podiam embarcar na canoa das sanções, se não
esgotassem todas as possibilidades diplomáticas.
Depois
de dois dias de conversações, Brasil e Turquia surpreenderam o ocidente: saíram
de Teerã com um acordo. Os diplomatas desses dois países foram bem sucedidos, em
dois dias, em conversações nas quais os EUA e as potências da União Europeia
fracassaram durante anos. Embora alguns fatos tenham mudado em campo, aquela
negociação – a Declaração de Teerã – seguia, de fato, as linhas da proposta dos
EUA de apenas seis meses antes e os pontos listados na carta de Obama aos
presidentes de Turquia e Brasil.
Pois...
Em vez de os EUA verem nela a abertura diplomática que o ocidente buscara sem
sucesso em outubro de 2009,
a Declaração de Teerã foi interpretada como “manobra” dos
iranianos. Sem acreditar nas possibilidades da negociação encabeçada por Turquia
e Brasil, Obama obtivera, na véspera, a aprovação de Rússia e China para as
sanções.
De
fato, sem sequer pensar no que dizia e fazia, a secretária de Estado Hillary
Clinton acrescentou a derradeira pá de cal sobre o acordo de Teerã, ao dizer, no
Senado dos EUA, que a resposta dos EUA ao acordo seria fazer aprovar na ONU a
resolução das sanções. E acrescentou que aquele esforço diplomático “tornara o
mundo mais perigoso”.
Os
britânicos viram o acordo como “tergiversação”. O vice-ministro das Relações
Externas de Israel, Danny Ayalon, disse-me, pessoalmente, que se tratava de
“evidente golpe” dos iranianos, e que Turquia e Brasil haviam sido
enganados.
Conectando
o acordo e a votação na ONU por via negativa, alto funcionário da União Europeia
disse-me, também pessoalmente: “Se se pensa no
timing... a Declaração de Teerã foi assinada na véspera da
votação. Pode-se crer nessa declaração? Naquele momento, o P5
[Grã-Bretanha, China, França, Rússia e
EUA + Alemanha (NTs)] não queria saber
de monkey business [aprox. “trabalho sujo”?]!”
O momentum das sanções tornara-se tão irresistível, que
a ânsia a favor das sanções, atropelou o sucesso diplomático que as potências
diziam estar buscando. Depois de alcançado o consenso a favor das sanções entre
os cinco membros permanentes do Conselho de Segurança da ONU, o próprio consenso
foi apresentado como abertura radical.
Hoje,
a União Europeia está às vésperas de repetir o mesmo erro. Agressivamente, a
União Europeia aproxima-se de um embargo ao petróleo iraniano – passo que alto
funcionário da União Europeia traduziu para mim como “o último passo antes da
guerra”. Por outro lado, está em organização uma nova rodada de
negociações.
Os
céticos argumentarão que os iranianos só estão chegando à mesa para negociar,
por causa das sanções; e que seu único interesse é conter a força do movimento
pró-sanções. Espantosa ideia, essa... Afinal, o objetivo oficial declarado das
sanções é, exatamente, trazer o Irã de volta às negociações.
Se
acontecer uma nova rodada de negociações, ninguém duvida que serão negociações
muito duras. A cisão entre os dois lados cresceu, por efeito da escalada nos
discursos, dos dois lados. E espaço político para o tipo de diplomacia
sustentada indispensável para criar uma abertura é o que mais falta nos EUA, no
Irã e na União Europeia. Em vez de real negociação, o mais provável é que se
veja mais uma troca de ultimatos.
Mas se a União Europeia repetir o erro que já cometeu em
2010, se deixar que a desconfiança supere o bom senso e o juízo racional, e
impuser um embargo ao petróleo do Irã antes da próxima reunião, nesse caso a
diplomacia chegará morta à sala de negociações.
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