Bert Olivier |
10/1/2012, Bert Olivier (em mensagem para Mail e Guardian Online Network)
Traduzido pelo
pessoal da Vila
Vudu
ATENÇÃO:
O artigo abaixo não é nenhuma brastemp, mas pelo menos o pessoal da
Universidade lááá, em Port Elizabeth, lááá na África do Sul, ESTÁ TRABALHANDO na
internet, distribuindo pensamento aproveitável,
n’é-não?!
Bert
Olivier
é professor de
filosofia na Universidade Metropolitana Nelson Mandela, em Port Elizabeth,
África do Sul
Há
alguma justiça histórica em a revista
TIME ter escolhido, como
“Pessoa do Ano de 2011: O Que Protesta (com subtítulo: “da Primavera Árabe a
Atenas, de Occupy Wall Street a
Moscou”). O que o editor Richard Stengel escreve, à página 7 da edição de
26/12/2011-2/1/2012), faz eco ao que disse Albert Camus (para todos há um ponto,
a partir do qual alguém se rebela e começa a resistir). Stengel
escreveu:
“Em todo o mundo, houve protestos
em países onde, se se somam as populações, vivem 3 bilhões de pessoas; e a
palavra “protesto” apareceu com frequência jamais vista, impressa e online, mais lida em 2011 do que
jamais antes em qualquer tempo da história. Haverá um ponto extremo da
frustração global? Em todos os cantos, parece, as pessoas dizem “Basta!”. Em
todas as reuniões e manifestações estava presente a palavra “democracia”.
“Democracia” é palavra derivada de “povo”. Na democracia, o povo governa. E não
há dúvidas de que, nas manifestações populares, o povo governou: não pelas
urnas, mas diretamente das ruas. Os EUA somos nação que nasceu, que foi
concebida, em movimentos de protesto. E os movimentos de protesto são, em vários
sentidos, o código fonte da democracia – tanto quanto são prova de que as
democracias podem falhar”[TIMES, 14/12/2011]
Se se lembra o que Hardt e Negri
escreveram em Multidão (2005, Rio de Janeiro: Editora Record),
pode-se dizer que os protestos que irromperam em 2011 já estavam em formação há
algum tempo. Naquele livro, Hardt e Negri listaram e discutiram várias “demandas
globais por democracia” no mundo contemporâneo.
Para aqueles
autores, as queixas e reclamações que já naqueles anos estavam crescendo e
começando a tornar-se visíveis, eram dirigidas às autoridades dos governos e às
corporações transnacionais, na tentativa de comunicar várias demandas, todas
aplicadas a pontos em que a democracia mostrava-se emperrada – o que, por
estranha via, a revistaTIME também destaca, mais de dez anos depois da
reflexão de Negri e Hardt.
Para Negri e
Hardt, em 2005, os protestos que já então se viam em todo o mundo, contra o
sistema político e econômico global, podiam ser entendidos como um sinal de que
“a democracia não pode ser feita nem imposta de cima para baixo”.
Hardt e Negri
listaram três principais queixas e as correspondentes demandas que, para eles
estariam mais diretamente relacionadas à democracia e que já em 2005 apareciam
recorrentes no quadro das queixas e correspondentes demandas globais em todo o
mundo: “queixas contra as formas existentes de representação; queixas contra a
miséria; e queixas contra a guerra.” O que aconteceu em 2011 e continua a
acontecer parece continuar muito próximo dessas queixas, posições e demandas
(mais das duas primeiras).
Deve-se ter em mente também que os
tropeços da democracia, para Hardt e Negri, estão inseparavelmente conectados ao
que aqueles autores apresentam como conceitos e vocabulário políticos cada dia
mais obsoletos, forjados no nascimento da modernidade, e que se tornaram
insuficientes para manifestar ou dar forma às novas exigências democráticas no
mundo pós-moderno globalizado.
Traçando um
paralelo entre o significado social e político dos mais de 40 mil cahiers de doléances (listas de queixas) compilados por todo
o território da França e entregues a Luis 14 pouco antes da Revolução Francesa
de 1789, e as listas acumuladas de queixas repetidas por muitos – das mais
locais às mais “elevadas”, dirigidas aos mais altos níveis do governo, Hardt e
Negri observam, em 2005:
“Talvez se possam
ver àquela mesma luz os atuais protestos contra a atual forma da globalização; e
talvez se possa ler nesses protestos a figura potencial de uma nova sociedade
global”.
Creio que a mais recente série de
protestos – que sacudiram o mundo em 2011 e envolvem questões políticas e
questões econômicas –, confirmam as observações de Hardt e Negri publicadas em
2005 e o acerto daquele insightprofundo e certeiro: faz falta
ainda um novo vocabulário para os conceitos das lutas políticas hoje renovadas.
Esse novo vocabulário é necessário para dar conta das novas queixas e demandas,
em tempos que já não falam a língua da modernidade.
O novo livro
daqueles autores,
Commonwealth (2009),
parece antecipar ainda mais claramente e mais diretamente os grandes movimentos
populares de protesto iniciados em todo o mundo em 2011 – movimentos que já
evidenciam muito claramente a necessidade de um novo vocabulário político, de
que Hardt e Negri falavam em 2005.
Para Hardt e Negri
em Commonwealth, a noção de que
qualquer revolução tenha de ser entendida a partir das forças imanentes da
própria revolução, sem que se tenha de ‘ancorar’ as revoluções em princípios
transcendentes, já aparecia bem clara nos trabalhos de Adorno e Horkheimer; mas
esses teóricos da teoria crítica não conseguiram romper o plano “escolástico” e
não extraíram de sua reflexão a conclusão mais radical: não há revolução sem
ativismo e ação militantes, propriamente, nas ruas. Para Hardt e Negri, essa
teorização radicalmente orientada pela prática apareceria, sim, mas no
pensamento de Mario Tronti e de Cornelius Castoriades.
O “novo
vocabulário político” que dê conta dos conceitos das lutas políticas hoje
renovadas só pode surgir, portanto, no exato ponto no qual se encontrem e se
cruzem as teorias revolucionárias e a ação dos movimentos – exatamente o que o
mundo viu na Praça Tahrir, no início de 2011.
Em
2009, Hardt e Negri escreveram em Commonwealth:
“A análise tem de mergulhar nas
lutas dos humilhados e explorados, porque as lutas são a matriz de todo e
qualquer relacionamento institucional e de qualquer figura da organização social
(...). A reflexão e a pesquisa revolucionárias têm de seguir as novas formas dos
movimentos sociais; a reflexão e a pesquisa revolucionárias têm de ser
redefinidas pelas novas formas dos movimentos sociais.”
Todos temos
portanto pleno direito de esperar que teóricos e pensadores da filosofia
política comecem a deixar-se penetrar pelas lições que nos chegam das revoluções
populares em curso em todo o mundo, em todos os pontos onde multidões protestam
contra a miséria política e econômica.
Creio firmemente
que se pode alcançar compreensão tanto melhor de como a democracia deve ser e
deve funcionar no mundo global transformado de hoje, quanto mais sejamos capazes
de ver e de analisar o modo como as pessoas estão pessoalmente e individualmente
envolvidas nos movimentos de protestos que continuam a alastrar-se pelo
mundo.
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