quarta-feira, 25 de janeiro de 2012

A carta secreta de Obama para Teerã: A guerra contra o Irã está suspensa?


“A Estrada para Teerã passa por Damasco”

por Mahdi Darius Nazemroaya [*]

O New York Times anunciou que a administração Obama tinha enviado uma carta importante aos dirigentes do Irã a 12 de Janeiro de 2012. [1] A 15 de Janeiro de 2012 o porta-voz do Ministério dos Negócios Estrangeiros iraniano reconheceu que a carta tinha sido entregue a Teerã através de três canais diplomáticos:

1. uma cópia foi entregue ao embaixador iraniano nas Nações Unidas, Mohamed Khazaee, pela sua equivalente norte-americana, Susan Rice, em Nova Iorque;
2. uma segunda cópia da carta foi entregue em Teerã pela embaixadora da Suíça, Livia Leu Agosti; e
3.  uma terceira cópia partiu para o Irã através de Jalal Talabani, do Iraque. [2]

Planos do Pentágono para o Irã
Na carta, a Casa Branca expunha a posição dos EUA, ao passo que responsáveis iranianos afirmaram que ela constitui um sinal do real estado das coisas: os EUA não podem dar-se ao luxo duma guerra contra o Irã.

Da carta, escrita pelo presidente Barack Hussein Obama, constava um pedido norte-americano para o início de negociações entre Washington e Teerã visando colocar um termo às respectivas hostilidades.

“Na carta, Obama anunciava a disponibilidade para negociações e a resolução de desacordos mútuos”, declarou Ali Motahari, um negociador iraniano, à agência noticiosa Mehr. [3] De acordo com outro negociador iraniano, desta feita o vice-presidente da Comissão de Segurança Nacional e Política Exterior do Parlamento do Irã, Hussein Ebrahimi (Ibrahimi), a carta prosseguia solicitando a cooperação e negociações do Irã com os EUA baseadas nos respectivos interesses mútuos. [4]

A carta de Obama procurava igualmente assegurar Teerã de que os EUA não se envolveriam em quaisquer ações hostis ao Irã. [5] De fato, em simultâneo o Pentágono cancelou ou adiou grandes exercícios conjuntos com Israel. [6] Para os iranianos, porém, estes gestos são desprovidos de significado, dado que os atos da administração Obama têm sido sempre contrários às respectivas palavras. Mais amplamente, o Irã está persuadido de que os EUA não atacaram apenas porque sabem que os custos de uma guerra com semelhante oponente são demasiado elevados e as respectivas consequências demasiado arriscadas.

Todavia, isto não significa que um conflito aberto Irã-EUA tenha sido evitado ou que não possa acontecer. As correntes podem levar em qualquer direção, por assim dizer. Nem tampouco impede que a administração Obama esteja já a conduzir uma guerra contra o Irã e os respectivos aliados. De fato, os blocos de Teerã e de Washington têm prosseguido uma guerra fantasma que se prolonga da arena digital e das ondas televisivas até aos vales do Afeganistão e às agitadas ruas de Bagdad.

A guerra contra o Irã começou há vários anos

A guerra contra o Irã não começou em 2012 ou sequer em 2011. A revista Newsweek chegou ao ponto de afirmar num título de página em 2010: “Assassínios, ataques cibernéticos, sabotagem, será que a guerra contra o Irã já começou?” A guerra real pode bem ter começado em 2006. Em vez de atacarem o Irã diretamente, os EUA iniciaram uma guerra encoberta e através de proxies.

As dimensões secretas da guerra têm sido travadas através de agentes infiltrados, ataques cibernéticos, vírus informáticos, unidades militares secretas, espiões, assassinos, agentes provocadores e sabotadores.

O rapto e o assassínio de cientistas iranianos que teve início há vários anos é uma parte constituinte desta guerra encoberta. Nesta “guerra de sombras” vários diplomatas iranianos em Bagdad têm sido vítimas de sequestros e cidadãos iranianos em visita à Geórgia, à Arábia Saudita e à Turquia foram detidos ou raptados. Vários responsáveis sírios e importantes figuras palestinas, bem como Imad Fayez Mughniyeh [dirigente do Hezbollah libanês], foram também assassinados.

A guerra por proxies começou em 2006, quando Israel atacou o Líbano com a intenção de expandir a guerra em direção à Síria. O caminho para Damasco passa por Beirute, do mesmo modo que Damasco está na rota para Teerã. Depois do fracasso de 2006, e compreendendo que a Síria era o ponto central do Bloco de Resistência dominado pelo Irã, os EUA e os seus aliados passaram os cinco ou seis anos subsequentes a tentarem separar a Síria do Irão.

Os EUA combatem igualmente o Irã e respectivos aliados na frente diplomática e na econômica, através da manipulação de organismos internacionais e de estados satélites. No contexto de 2011-12, a crise na Síria constitui, ao nível geopolítico, uma frente da guerra conta o Irã. Até mesmo os exercícios conjuntos norte-americanos e israelenses "Austere Challenge 2012" e a correspondente deslocação de tropas visaram primordialmente a Síria enquanto forma de combater o Irã.

A Síria no centro da tempestade

O que Washington está levando a cabo consiste em exercer pressão psicológica sobre o Irã como maneira de o distanciar da Síria, de forma que os EUA e as suas legiões possam desferir o golpe mortal. Até ao começo de Janeiro de 2012 os israelenses têm estado em permanente preparação para o lançamento da invasão da Síria, numa repetição da iniciativa de 2006, enquanto os EUA e a UE têm continuadamente tentado chegar a um arranjo com Damasco, de forma a separá-la do Irã e do Bloco de Resistência. Todavia, os sírios têm persistentemente recusado esses avanços.

Foreign Policy, a revista do Conselho de Relações Externas (Council on Foreign Relations) norte-americano, publicou um artigo em Agosto de 2011 expondo o que era a visão do rei Saudita acerca da Síria no contexto do ataque ao Irã: “O rei sabe que à parte o colapso da própria República Islâmica, nada enfraquecerá mais o Irã do que a perda da Síria”. [7]

Tenha esta afirmação sido genuinamente proferida ou não por Abdul Aziz Al-Saud, a respectiva concepção estratégica é representativa das razões para visar a Síria. O próprio conselheiro de segurança de Obama disse a mesma coisa, poucos meses depois de a notícia da Foreign Policy ter sido publicada, em Novembro de 2011. O conselheiro de segurança nacional [Thomas E.] Donilon garantiu num discurso que “...o fim do regime de Assad constituiria o maior inconveniente regional para o Irã um golpe estratégico que alterará o equilíbrio de poder na região contra o Irã”. [8]

O Kremlin também produziu afirmações que corroboram a ideia de que Washington pretende separar a Síria do aliado iraniano. Um alto responsável russo para assuntos de segurança anunciou que a Síria está sendo punida pela sua aliança com o Irã. O secretário do Conselho Nacional de Segurança da Federação Russa, Nikolai Platonovich Patrushev, declarou publicamente que a Síria está submetida à pressão de Washington devido aos interesses geoestratégicos apostados na quebra dos seus laços com o Irã, e não em virtude de quaisquer preocupações humanitárias. [9]

O Irã também deu sinais de que, no caso de os sírios serem atacados, não hesitaria em intervir militarmente em seu apoio. Washington não pretende esse curso de eventos. O Pentágono preferiria engolir a Síria primeiro, antes de dirigir a sua atenção plena e indivisa para o Irã. O seu objetivo consiste em superar cada obstáculo à vez. Não obstante a doutrina militar norte-americana acerca da persecução de guerras simultaneamente em vários teatros de operação, e de toda a correspondente literatura do Pentágono, a verdade é que os EUA não estão preparados para suportarem uma guerra regional convencional simultaneamente contra o Irã e contra a Síria, menos ainda para o risco duma guerra estendida aos aliados russo e chinês do Irã.

O caminho para a guerra, porém, está longe de ter chegado ao fim. Por enquanto, o governo norte-americano terá de continuar com a “guerra de sombras” contra o Irã, enquanto intensifica as guerras mediática, diplomática e econômica.

20/Janeiro/2012

NOTAS
[1] Elisabeth Bumiller et al., "US sends top Iran leader warning on Hormuz threat," The New York Times, 12/Janeiro/2012.
[2] Mehr News Agency, "Details of Obama's letter to Iran released," 18/Janeiro/2012.
[3] Ibid.
[4] Ibid.
[5] Ibid.
[6] Yakkov Katz, "Israel, US cancel missile defence drill" Jerusalem Post, 15/Janeiro/2012.
[7] John Hannah, "Responding to Syria: The King's Statement, the President's hesitation," Foreign Policy, 9/Agosto/2011.
[8] Natasha Mozgovaya, "Obama Aide: End of Assad regime will serve severe blow to Iran," Haaretz, 22/Novembro/2011.
[9] Ilya Arkhipov e Henry Meyer, "Russia Says NATO, Persian Gulf Nations Plan to Seek No-Fly Zone for Syria," Bloomberg, 12/Janeiro/2012.

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[*] Sociólogo, autor premiado e investigador associado do Centre for Research on Globalization (CRG), Montreal. Está especializado em questões do Oriente Médio e da Ásia Central. Tem contribuído para discussões relativas ao Grande Oriente Médio em numerosos programas internacionais e em estações televisivas tais como a Al Jazeera, a Press TV e a Russia Today. Escritos seus foram publicados em mais de dez idiomas. Escreve para a Strategic Culture Foundation, SCF, Moscou.



Esta tradução foi extraída de: Resistir

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