11/1/2011, *M K
Bhadrakumar, Asia Times Online
Traduzido pelo
pessoal da Vila
Vudu
Talibãs |
O zum-zum sobre
“discussões secretas” entre os EUA e representantes dos Talibãs amainou; mais
uma vez, o que realmente interessa vai aos poucos sumindo do campo de visão do
grande público.
Mas fato é que a
mídia iraniana insiste que três comandantes Talibã de alto escalão foram
libertados – Mullah Khairkhawa, ex-ministro do Interior; Mullah Noorullah Noori,
ex-governador; e Mullah Fazl [1]
Akhund, comandante do estado-maior do exército, no governo dos Talibã –
em troca de um soldado norte-americano capturado pelos
Talibã.
Parece que os
diplomatas dos EUA puseram o carro à frente dos bois, na ânsia de terem algum
‘processo de paz’ em andamento antes da próxima reunião dos países membros da
Organização do Tratado do Atlântico Norte, OTAN, em Chicago, em maio próximo.
Parece que cometeram pelo menos dois erros gravíssimos. Primeiro, subestimaram
as compulsões políticas do presidente Hamid Karzai do Afeganistão. Segundo, os
EUA deram por certo que os grupos anti-Talibã da Aliança do Norte [2]
alinhar-se-iam sem discussão, ‘porque’ vários deles foram cooptados em
diferentes momentos dos dez anos de guerra e por isso manter-se-iam alinhados
para sempre.
Karzai apareceu
com uma surpresa: insistiu que as conversações sejam conduzidas “por afegãos” (o
que, traduzido, significa que reivindica para si mesmo papel de destaque nas
negociações). Não é a primeira vez que faz exigência desse tipo, mas, dessa vez,
não há o que o demova. Karzai sabe que a opinião regional não aprova, de modo
algum, qualquer tipo de processo de paz conduzido pelos EUA; e, se estiver
sentado ao volante, há menos riscos de ser jogado para fora do carro em
movimento.
Karzai também está
exigindo dos EUA que todos os Talibã hoje presos na prisão norte-americana da
Baía de Guantánamo, na ilha de Cuba, sejam entregues à custódia do Afeganistão,
não do Qatar (os Talibã já teriam escolhido o Qatar). E trouxe à discussão outra
questão difícil: se os EUA continuarão ou não no controle da base aérea Bagram,
próxima a Kabul, que funciona como centro de detenção.
Hamid Karzai |
Na 2ª-feira,
Karzai elevou ainda mais a aposta: exigiu que os Talibã aceitem um cessar-fogo,
antes do início de qualquer negociação formal de paz. Nas palavras de seu
porta-voz, Emal Faizi: “Quando as conversações começarem deverá haver um
cessar-fogo e toda a violência contra o povo afegão deverá terminar”. Faizi
disse também que é prematuro enviar delegação de Kabul ao Qatar, para
conversações. “O governo não tem planos imediatos para essa
viagem.”
O endurecimento da
posição de Karzai também tem de ser entendido no contexto da agitação que está
aumentando entre os grupos da Aliança do Norte.
Na
2ª-feira, em Berlim, líderes da Aliança manifestaram-se contra qualquer
discussão secreta entre o governo Obama e os Talibã. Esses líderes – Ahmed Zia
Massoud, irmão do falecido Ahmad Shah Massoud e ex-vice presidente do governo de
Karzai; general Abdul Rashid Dostum, líder uzbeque que comanda os Jumbish no
norte do Afeganistão; Haji Mohammad Mohaqiq, líder xiita hazara de
Mazar-i-Sharif, comandante dos Hezb-e-Wahdat; e Amrullah Saleh, ex-chefe da
inteligência afegã – reuniram-se num encontro com quatro deputados
norte-americanos (Dona Rohrabacher, Loretta Sanchez, Louie Gohmert e Steve King,
todos Republicanos, exceto King) em Berlim, encontro que se prolongou por todo o
fim de semana; na 2ª-feira, lançaram uma declaração conjunta [3].
É a primeira vez
que lideranças das comunidades tadjique, uzbeque e hazara reúnem-se numa mesma
linha pública de ação, todos em oposição à estratégia de paz que os EUA
conceberam, e apresentam projeto alternativo de acordo pan-afegão.
Essencialmente, estamos assistindo aí ao renascimento da Aliança do Norte, como
entidade política.
A declaração
conjunta ataca a estrutura de poder encabeçada por Karzai (disfuncional,
excessivamente centralizada e cada dia mais corrupta); e afirma que o
Afeganistão precisa, em primeiro lugar, de forma de governo parlamentar
inclusiva, “em vez de um sistema presidencial em que tudo está centrado no
presidente” [2]; e que represente efetivamente todas as etnias e interesses
regionais.
Querem reforma do
sistema eleitoral do país, do atual sistema de votação única, para “alguma
variante que todo o país aceite de sistema representativo proporcional”; eleição
direta de governadores e conselhos provinciais, com delegação de poderes para
criar orçamentos, arrecadar impostos e supervisionar a administração, serviços
sociais e as forças de polícia locais.
Mas, de longe, o
aspecto mais importante é que a declaração questiona frontalmente o locus
standi dos EUA para iniciar conversações de paz com os Talibã. Diz a
declaração:
Acreditamos firmemente que qualquer
negociação [só] pode ser aceitável, e portanto efetiva, se todas as partes em
conflito forem incluídas no processo. A forma que as discussões têm hoje é
viciada, dado que exclui os anti-Talibã afegãos. É preciso não esquecer que os
extremistas Talibã e seus apoiadores da al-Qaeda foram derrotados [em 2001] por
afegãos que resistiram ao extremismo, e que contaram com um mínimo apoio dos EUA e da comunidade
internacional, exclusivamente na forma de agentes infiltrados na resistência
afegã. As negociações hoje em curso com os Talibã não consideram os riscos, os
sacrifícios e os legítimos interesses de afegãos, cuja resistência pôs fim à
brutal opressão de todos os afegãos.
Com o objetivo de apressar a
retirada das forças internacionais, acreditamos que é essencial
fortalecer instituições regionais e nacionais inclusivas, que representem as
preocupações de todas as comunidades afegãs. [Negritos dos
tradutores].
Desafio a
Obama
Karzai e Obama |
A declaração da
Aliança do Norte desafia o monopólio que os EUA tentam ter na resolução do
conflito; desafia também a avaliação unilateralista de Washington, segundo a
qual os Talibã seriam o único grupo a ser considerado como protagonista no
tabuleiro de xadrez afegão, em algum processo de paz.
A clara e completa
abordagem que se vê nessa declaração implica tirar o ‘acordo afegão’ da via
estreita e clandestina de um compromisso entre EUA, Talibã e Paquistão, para
inseri-lo em fórmula clara, transparente, inclusiva, amplamente participativa,
que não exclua os interesses de nenhum grupo afegão, que tenha apoio popular,
com lideranças locais fortes, eleitas, que tenham legítimos poderes delegados
para a governança local.
Em resumo, vê-se
aí uma visão do Afeganistão devolvido aos seus traços históricos de sistema
federado de governo, sob o qual possa florescer uma sociedade plural, mas com
forma representativa de governo como democracia moderna. De fato, a declaração
da Aliança do Norte implica prontidão para uma reconciliação política com os
Talibã, desde que cheguem ao poder pela via eleitoral, não pelo poder das armas
que o Paquistão lhes fornece, dentre outros fornecedores.
É claro desafio
aos EUA e ao Paquistão, para que façam o que nunca se cansam de pregar, em suas
pias homilias.
A estratégia da
aliança põe enorme pressão sobre Karzai – que fica preso entre dois grupos em
disputa. Os líderes da Aliança do Norte criticam Karzai, que não é aceito,
tampouco, pelos Talibã. A posição de Karzai enfraquece, se ele antagonizar os
grupos da Aliança do Norte e despertar a hostilidade deles. E Karzai não quer
pôr todos os seus ovos na cesta dos norte-americanos, tampouco, porque, a
qualquer momento, os EUA podem descobrir que não precisam dele. Karzai precisa
de tempo para manobrar e criar uma nova coalizão que fortaleça sua
posição.
O que inflou os
grupos da Aliança do Norte, no mínimo em parte, é que, apesar do gelo que
envolve hoje as relações entre EUA e Paquistão, Washington manteve os militares
paquistaneses e o ISI [serviço secreto do Paquistão] na jogada das conversações
no Qatar, mas os ignoraram completamente, como protagonistas. Seja como for – e
vale a pena anotar desde já – a Aliança do Norte não fez qualquer referência ao
Paquistão.
Ahmed Shuja Pasha |
Não
surpreendentemente, Islamabad prende a respiração, à espera dos acontecimentos.
Nada divulgou sobre a proposta de conversações com os Talibã no Qatar.
Simultaneamente, o serviço secreto paquistanês acompanha tudo, e seu chefe, o
tenente-general Ahmed Shuja Pasha, até esteve recentemente no Qatar, por uma
noite.
O Paquistão
gostará de ver que Washington afinal desistiu de impor pré-condições para
conversar com os Talibã. Também muito apreciará que altos comandantes Talibã
saiam afinal de Guantánamo. O Paquistão não criou qualquer dificuldade quando o
ex-comandante mujahideen Gulbuddin Hekmatyar (que vive em Peshawar,
no Paquistão) mandou gente a Kabul para sondar funcionários dos EUA e da OTAN e
saber se havia lugar previsto para ele na mesa de reunião no
Qatar.
Mas o Paquistão
não emitirá opinião sobre a possibilidade daquelas conversações; e fará crer que
vê o assunto como questão entre Mullah Omar, líder Talibã que vive aquartelado
em Quetta, no Paquistão, e os EUA.
E tudo isso está
sendo jogado, sobre o pano de fundo das complicadas relações entre EUA e
Paquistão. Como se não bastasse, o Talibã não é uno, mas uma imensidão de
facções irreconciliáveis. E nem Mullah Omar nem o clã Haqqani comentaram, até
agora, a proposta de conversações no Qatar.
O Paquistão pode
contar como certeza, com a possibilidade de que o ISI será o único ator capaz de
conduzir todas as facções dos Talibã na direção de plataforma unificada para
aquelas conversações. E os EUA não têm escolha: terão de bater à porta do ISI,
mais dia menos dia e pedir ajuda.
Do ponto de vista
dos grupos da Aliança do Norte, a estratégia do Paquistão é esperar que chegue
2014 – prazo final para a retirada das tropas dos EUA –, reagrupar os Talibã e
chegar ao poder em Kabul. O impressionante
show de unidade que deram
agora, em Berlim, sugere que não descartam a possibilidade de que um acordo
exclusivo, de EUA-Talibã e Paquistão esteja sendo imposto aos afegãos.
O
desafio que os grupos da Aliança do Norte lançam a Barack Obama é que dê ao povo
afegão o direito mínimo de ter sua ‘primavera árabe’, de modo que o islamismo
possa reconciliar-se com a democracia – na esperança, afinal, de que os EUA
estejam ‘do lado certo da história’. Afinal de contas, nem estão pedindo
muito!
Notas dos
tradutores
[1]
Sobre Fazl, ver
4/1/2012, MK Bhadrakumar, “2012:
ano dos Talibã”, e 8/1/2012, Pepe
Escobar, “O mapa do caminho do impasse no Afeganistão” .
[2] A Aliança do
Norte, oficialmente “Frente Islâmica Unida para a Salvação do Afeganistão”, foi
organização político-militar criada pelo Estado Islâmico do Afeganistão em 1996,
com o fim de unir diversos grupos demográficos afegãos não pashtuns, para
lutarem juntos contra os Talibã. A organização apoiou os Estados Unidos e suas
forças aliadas a partir de 7 de outubro de 2001 durante a invasão americana
[mais sobre isso em BBC, 13/11/2001, em inglês].
[3]
A íntegra dessa
declaração, datada de 9/1/2012, foi distribuída pelo gabinete do Deputado Louie
Gohmert (R-Texas) como press-release, sob o título: “Governo
Obama traiu aliados da Aliança do Norte, no Afeganistão”, em
inglês.
*MK Bhadrakumar foi diplomata de
carreira do Serviço Exterior da Índia. Prestou serviços na União Soviética,
Coreia do Sul, Sri Lanka, Alemanha, Afeganistão, Paquistão, Uzbequistão e
Turquia. É especialista em questões do Afeganistão e Paquistão e escreve sobre
temas de energia e segurança para várias publicações, dentre as
quais
The
Hindu,
Asia
Online e Indian Punchline.
É o filho mais velho de MK Kumaran (1915–1994), famoso escritor, jornalista,
tradutor e militante de Kerala.
Prezados
ResponderExcluirNotícia do momento no Washington Post
http://www.washingtonpost.com/world/national-security/2012/01/11/gIQAdPpzrP_story.html?wpisrc=al_national
Distribuída ha poucos minutos...
Castor