Comentário
da redecastorphoto:
É
claro que você tem razão em muitos pontos. Mas o que adianta lamentar? O
importante é tentar, pelo menos tentar, desfazer conhecido descalabro e ajudar a
corrigir as mazelas tão bem descritas abaixo...
Note
que sem muito esforço, mas com criatividade e alguma paciência, este factótum
(vesti a carapuça) conseguiu injetar algum conhecimento na sua lamentosa e pouco
esperançosa missiva...
O
caminho é esse; acrescentar algo ao que você recebe e passar adiante.
Chama-se
agregar e transmitir conhecimento...
Caro
Factótum
Você deve ter notado que eu ando muito lobatiano ultimamente. É o seguinte: se existem explicações a serem buscadas, as respostas estão no passado.
Belle
de Jour
era
casada com um jovem médico rico e bonito, mas todas as tarde ia se prostituir
num bordel de Paris. O que ela buscava era excitação e não dinheiro, coisa que
tinha de sobra. Como se explica uma coisa dessas? Pois é, por mais difícil que
possa ser a explicação ela, certamente, está no passado. Belle de Jour é ficção, mas não está longe de
histórias reais que conhecemos.
Tudo
tem uma explicação, mas nem tudo carece dela. Eu gosto de espaguete ao alho e
óleo, mas não vou gastar um centavo do meu dinheirinho com psicólogos para saber
as razões desse gostar. Todo mundo está o tempo todo gostando ou desejando
alguma coisa. Só que alguns desses desejos são problemáticos, colocam o
indivíduo em conflito com ele mesmo ou com o grupo social em que vive. Nesses
casos a explicação é necessária, pois conflitos consomem, internamente, energias
que deixam de ser usadas na luta contra o mundo hostil.
A menos que o problema seja sublimado, como ocorreu com
o Tchaikovsky, que conseguiu transformar a sua dor em pura beleza,
como se pode confirmar ouvindo a “Patética”, um verdadeiro “Réquiem” . Mas ainda
assim a carga de sofrimento foi tão grande que “o mais italiano dos compositores
russos” acabou se matando. Mas ele não morreu do cólera, perguntará você? É
verdade, mas nada me tira da cabeça que beber água não tratada numa Moscou onde
grassava o cólera, a despeito das recomendações em contrário, não foi uma
espécie de suicídio?
Monteiro Lobato |
Então, como o passado é importante, eu me valho do Monteiro
Lobato para entender as nossas
atuais mazelas, pois ele nos mostra um passado onde muitas explicações podem ser
encontradas.
Lobato
foi promotor em Areias, mas virou fazendeiro em virtude de uma herança. E
através dele eu pude confirmar que o homem que passa a vida na cidade grande não
tem a menor ideia do que seja a vida nos rincões brasileiros.
Referindo-se à literatura de Bernardo
Guimarães diz
que “lê-lo é ir para o mato, para a roça – mas uma roça adjetivada por menina do
Sion - onde os prados são amenos, os vergéis floridos, os rios caudalosos, as
matas viridentes, os píncaros altíssimos, os sabiás sonorosos, as rolinhas
meigas”.
Bernardo Guimarães |
“Bernardo
descreve a natureza como um cego que ouvisse contar e reproduzisse as paisagens
com os qualificativos surrados do mau contador. Não existe nele o vínculo
enérgico da impressão pessoal”.
Desse
modo “Bernardo falsifica o nosso mato. Onde toda gente vê carrapatos,
pernilongos, espinhos, Bernardo aponta doçuras, insetos maviosos, flores
olentes. Bernardo mente.”
Em
“Cidades Mortas”, lançado em 1919, através de um os seus personagens, Lobato
traça o diagnóstico: “... o mal da nossa raça: preguiça de pensar. E
restringindo o asserto à classe agrícola:
-
Se o governo arrancasse um cento dos fazendeiros dos mais ilustres e os
trancasse nesta sala, com cem machados naquele canto e uma floresta virgem ali
adiante; e se naquele quarto pusesse uma mesa com papel, pena e tinta, e lhes
dissesse: “Ou vocês pensam meia hora naquele papel ou botam abaixo aquela mata”,
daí a cinco minutos cento e um machados pipocavam nas
perobas!...”
Lendo
essas coisas que Lobato escreveu há quase cem anos eu fico pensando no que
progredimos de lá para cá e concluo que, em alguns casos, regredimos. Tanto
então quanto agora continuamos um país de não-leitores.
Jeca Tatu trabalhando... |
O
Jeca Tatu continua existindo, só que agora alienado pela televisão, com o filho
viciado em joguinhos de computador que joga em “lan-houses” que proliferam mais
do que bibliotecas, estas até inexistentes em muitos lugares dos rincões
brasileiros. Antes se tinha a botica “onde há uma sessão permanente de mexerico,
e o mexerico é a ambrosia dos lugares pobres”. Mas era um mexerico local, hoje o
mexerico é nacional e até internacional, pois nos ocupamos com o sujeito que lá
no outro lado do mundo ateou fogo às vestes ou com a amante do Príncipe Charles,
do outro lado do Atlântico.
Naturalmente
que hoje não se faz mais mexerico. Fazem fofoca. Mas que, não importa o nome que
se lhe dê, continua sendo a ocupação principal dos
medíocres.
Lobato
defendeu o uso das riquezas do subsolo em benefício do povo. Na sua época livro
era coisa rara entre nós e hoje continua sendo coisa cara mas pelo menos temos
bibliotecas públicas que no seu tempo não existiam. Só que essas bibliotecas
estão entregues ás moscas. Ou seja, o nosso grau de estupidez deve ter
aumentado.
Lobato
defendeu a cultura, pois sem ela não se conquista nem se preserva a riqueza. Mas
foi uma Vox clamantis in
deserto, pois hoje o que mais nos falta é cultura. Lobato falou na
importância da ciência, que é coisa que pouco se vê nas escolas de hoje.
Lobato
era um inconformado com as desigualdades brasileiras. Para ele São Paulo era uma
locomotiva puxando dezenove vagões. Disse que sem São Paulo o resto do Brasil
“era menos do que um sangrado Paraguai”.
Jeca Tatu estudando... |
De
lá para cá muita coisa mudou. Algumas para melhor, outras para pior. Mas ainda
hoje há quem considere partes do Brasil um “peso morto” e até defenda ideias
separatistas, como as havia na época o Lobato.
Pois
é, meu caro Factotum, a mim faltam o engenho e a arte para ser um cronista do
meu tempo como Lobato o foi do seu. De qualquer forma sê-lo-ei à minha moda, mal
e porcamente, porque os “jeca-tatus” continuam existindo e precisam ser
retratados.
E o pior, meu caro: há muito Jeca Tatu com diploma de "Dotô" que raramente lê um livro, quando muito apostilas para fazer as provas.
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