Traduzido pelo
pessoal da Vila Vudu
Quinn Norton |
Ver
também:
“Anonymous
101: Introdução ao Lulz” (Parte I)
8/11/2011, Quinn Norton, “The Treat Level”, Wired
Essa matéria é a
segunda de uma série especial de Quinn Norton para a revista Wired.
Quinn Norton está
vivendo com manifestantes #Occupy e quer ler por trás das manchetes,
acompanhando os Anonymous.
O
projeto de seu trabalho pode ser lido em: “Wired.com
Embeds With #Occupy and Anonymous” (em
inglês).
Nota
dos editores:
Cobertura
decente do que são e fazem os Anonymous andará sempre muito próxima, em alguns
pontos, de material NSF [2].
Inclui
imagens e linguajar não recomendáveis.
No começo
eram lulz, pranks e uma cultura de “tratorar” [orig. troll] só para tirar um sarro de todo
mundo. Mas, apesar dos melhores esforços de muitos Anons “antigos”, Anonymous havia crescido e tornara-se o
sistema imunológico da rede, revidando sempre que a sensibilidade geral dos Anons indicava que as instituições que
mandam no mundo haviam cruzado a linha e entrado, sem qualquer constestação, no
território da pura hipocrisia.
No outono-inverno
de 2010, começou um padrão que persiste: quando o exercício do poder torna-se
suspeito, muito mais gente aproxima-se e une-se aos Anonymous. Mas essa resposta
‘imunológica’ também modificou os Anonymous. O lulz teve de ceder espaço para a indignação
“correta” – que não era, sequer, falsa indignação.
A voz da onda
geral, embora continuasse a ser voz gerada em computador, mudou de
tom.
Negócio Sério
Ao final de 2011,
membros de Anonymous Antisec passaram
os feriados hack-eando empresas
conectadas ao governo federal e expuseram dados reservados, como parte de sua
campanha de LulzNatal
[orig. LulzXmas [3]]. Antisec, que emergira como tropa de
choque dos Anonymous, caçando
organizações policiais e empresas como Monsanto e Sony, representa já uma voz
nova e mais poderosa, na política da internet. Era a culminação de uma
tendência. Anonymous andara, de rickrollear [4] a internet e da produção em massa
de lolcats, e já invadia, por
meios legais e ilegais,
websites de governos
e empresas, invadindo os sistemas que controlam o mundo.
Um
participante do coletivo, que se juntara a eles no final de 2010, absolutamente
já não era movido a
lulz.
“Senti que Anonymous era o melhor lugar para os que
odeiam a censura à informação (...) dando voz à minhas queixas contra o governo
e o mundo, sem ter de lidar com represálias nem do governo nem do meu patrão” –
disse ele. – “E quando WikiLeaks foi censurado, por bloqueio financeiro
extrajudicial e pela tirania geral do governo dos EUA, decidi que era hora de
arrancá-los da toca.”
Mas como um grupo,
criado em torno de risadas e coisa-e-tal, converteu-se num negócio assim tão
sério?
Slickpubes [5] fracassa
Quando pela última vez falamos
diretamente dos Anonymous (“Introdução
ao Lulz”, Parte
I), estávamos no
início de 2008. Os Anonymous haviam
pela primeira vez saído à rua, para começar o sítio à Igreja da Cientologia.
Chamavam aqueles “raids” de “Raep”, rape [estupro] com erro de ortografia. Apelidaram
a Igreja da Cientologia de “Buttchurch” [aproximadamente “Igreja
intrometida”, dentre outras possibilidades] e começaram o que parecia ser
campanha infinita contra ela.
Chamado em termos
gerais de “Projeto Chanology”, o
ataque à Igreja da Cientologia usou um impressionante conjunto de técnicas de
protesto e intervenção, por mais estúpidas, engraçadas, grosseiras ou elegantes
que fossem. Essa operação tornou-se campo de treinamento político e prático para
os Anons.
O “raeping”
da Igreja da Cientologia começou com dose normal dos raids-padrão dos Anonymous: chamadas telefônicas,
entregas de pizzas não solicitadas,
e-mails ameaçadores,
faxes de páginas pretas, para consumir a tinta das máquinas, sobrecarregar os
servidores etc. O arsenal clássico da guerra
online de “tratoração”
[orig. online troll
fare].
Mas os raids evoluíram.
Um ativista da
Anti-Cientologia, Mark Bunker, falou diretamente aos Anonymous [6], exortando-os a mudar as táticas,
na direção de tornarem-se mais legais. Os Anonymous gostaram dele – que passaram a
chamá-lo de “Wise Beard Man” [Sábio de Barba]: “suas palavras têm
sabedoria; a cara dele tem barba”. Em parte em resposta a Bunker, os Anonymous
ajustaram suas táticas, de modo a incluir meios mais tradicionais e legais, e
pela primeira vez os Anonymous
começaram a ter cara de movimento de protesto. O Projeto Chanology tornou-se educação prática em
coordenação online para ação política.
Alguns Anons iniciaram a rede WhyWeProtest.net [7], rede social e fórum de discussão
previstos para permitir que todos se manifestassem, anonimamente, sobre as
manifestações contra a Igreja da Cientologia. Alguns, como Gregg Housh [8] de Boston, fez contato até com a
polícia local, e aprendeu a obter autorização para passeatas. Mas outros
mantiveram-se do outro lado da legalidade, mantendo as táticas de “atormentar” e
os ataques DDOS contra os servidores da
Igreja.
O protesto mais
extremo talvez tenha sido a Operação
Slickpubes [aprox.
“Pentelhos Grudentos”] [9], na qual
um Anon de 18 anos (Mahoud Samed
Almahadin, também conhecido como Matt Connor) cobriu o próprio corpo com
vaselina, lascas de unhas cortadas e pelos pubianos e entrou na seda da
Cientologia em New York, onde se pôs
a esfregar-se em tudo que encontrava, até uma pilha de
caixas.
Mas a Slickpubes não foi operação perfeitamente clara. Tinha
dois objetivos: atormentar a Igreja da Cientologia, mas também, e talvez mais
importante, criticar o que muitos “oldfags” [“viados velhos”] (os Anons que vinham do 4chan) dos
velhos tempos dos raids movidos exclusivamente pela força do lulz, viam como corrupção da pureza
de seu “sarro ultracoordenado” [“motherfuckery” [10], [11]] movido a lulz. Visava a lembrar aos Anons que Anonymous não é cruzada moralista
(chamada então de “moralfaggotry” [lit. “viadagem moralista”] [11a], e só tem a ver com
sarro.
Esperava-se dos Anonymous que derrubassem a Igreja em
nome do lulz; vigilantismo
moralista arrogante, só se fosse parte da piada.
Slickpubes
de fato falhou.
Os Anonymous já não agiam
exclusivamente pelo lulz. O
empoderamento que os Anons ganharam
do vigilantismo moralista fez o movimento derivar permanentemente na direção da
“viadagem moral”. E muitos Anons
gostaram.
“A
Cientologia tentou ferrar a nossa internet, tentando derrubar o vídeo de Cruise.
E foi castigada duramente e continuou a ser castigada por quase quatro anos” –
respondeu um Anon, em whyweprotest.net,
em resposta a uma pergunta de
Wired. “Anonymous
nasceu da necessidade da justa retribuição (...). Os alvos são mais amplos, mas
a mensagem essencial é a mesma.”
Almahadin foi
condenado a prestar serviços comunitários e concordou em manter-se afastado de
todos os prédios da Igreja da Cientologia por cinco anos. E outros Anons estavam sendo presos pelos
ataques online aos servidores da Igreja, alguns condenados
a prisão. Mas os protestos continuaram e tornaram-se parte da vida normal dos Anons da Chanology e de muitos prédios da Igreja
da Cientologia.
O
LOIC
O LOIC (“Low
Orbit Ion Cannon” [lit. Canhão de Íons de Baixa Órbita),
nome absurdo de uma ferramenta para testar o carregamento de redes, foi
incorporado ao arsenal coletivo dos Anonymous nos websites de derrubar [orig.DDOSing] websites da Cientologia, mas rapidamente se converteu
na mais conhecida e controversa ferramenta dos Anonymous.
O LOIC fora criado para sobrecarregar servidores, a
partir, em boa parte, do que um programador teria de fazer para garantir que
um website continuasse ativo no caso de muitos usuários
o acessarem ao mesmo tempo. Mas o
LOIC também foi criado, especificamente, tendo em vista os denizens do
4chan.
Cada “braço”
do LOIC manda tráfego comum só para um
servidor-alvo, o que, em si, não significa muito. Mas se um grande número de
pessoas baixam o LOIC e o dirigem todos para o mesmo alvo, cria-se
o equivalente humano a uma botnet
de hackers, e todos juntos
podem, com altíssimo número de entradas, derrubar um servidor. É como se um website de repente se tornasse muito popular, exceto
pelo detalhe de que todos que mirem nele o
LOIC odeiam aquele site.
No início de 2008,
o LOIC começou a ser usado contra os servidores da
Igreja da Cientologia, mas a ferramenta ainda era rudimentar, sem recursos para
buscar automaticamente o alvo, o que se conhece como “comando e controle” no
mundo dos botnets, constituído
de dezenas de milhares de computadores zumbis que buscam, numa fonte central, os
comandos para distribuir
spam e atacar websites. Em vez disso, o LOIC programado pelos Anonymous listava simplesmente endereços
de IP dos servidores da Igreja e convidava os Anons a copiar-colar os endereços
e passá-los adiante.
O “Canhão de Íons
de Baixa Órbita”, LOIC, foi
criado por um hacker norueguês e frequentador assíduo do 4chan, conhecido como Praetox. Praetox (ele ou ela) parece ter sumido
em 2009, mas a página de Praetox
continuou ativa, e o código-fonte do
LOIC continuou a poder
ser baixado.
Versões
posteriores acrescentaram um mecanismo para buscar automaticamente o alvo; Anons que rodassem o LOIC podiam pô-lo num canal IRC
de onde os administradores podiam dirigi-lo e
dispará-lo.
Mas, embora
qualquer um pudesse baixar o
LOIC e mirá-lo para onde
quisesse, e fosse possível pô-lo num
slave mode, para ser disparado a partir do consenso de um canal
IRC anonops, mesmo assim havia
um grande problema.
O LOIC não escondia nem ele próprio nem os
endereços de IP do atacante, o que significava que os atacantes eram “vistos”
pelos servidores que estavam sendo atacados, e podiam ser identificados e
processados judicialmente, se o site
atacado entregasse seus arquivos de dados às autoridades. Os Anons não se sentiram ameaçados, porque
entendiam que eram muitos e que seria impossível rastreá-los todos; era verdade,
mas nem por isso ajudava a proteger os que fossem
rastreados.
Muitos Anons ingênuos jamais perceberam que
praticavam atos ilegais e rastreáveis; os que sabiam dos riscos pouco falavam
sobre eles e, em vários casos, mentiram muito sobre a segurança da
ferramenta.
O LOIC, com nome engraçado e
iconografia de canhão, viveu seu grande momento quando, em setembro de 2010,
definiu-se um novo alvo.
Operation
Payback
No início de
setembro, uma empresa indiana AiPlex
[12] anunciou que fora contratada
para atacar sites de pirataria e para derrubar por DDOS
[13] os que não
respondessem, como o “infame The Pirate
Bay” rastreador de sites BitTorrent, que se orgulhava de detectar
ataques. A história virou lenda: a AiPlex teria sido contratada pela Motion Picture Association of America
(MPAA) e pela Alliance Against Copyright Theft
(AACT) – não por algum grupo de
Hollywood/Bollywood – para usar meios ilegais contra sites acusados de usar meios
ilegais.
Os Anons, coletivamente, adoraram. Para
eles, os estúdios em Hollywood não só escreviam as leis de direitos autorais que
cerceavam as liberdades
online (tornando ilegal,
por exemplo, desmontar aparelhos de telefone e consoles de jogos), como já estavam usando – sem
temor de serem punidas – as mesmas técnicas proibidas, por cujo uso tantos Anons haviam sido presos.
Ao longo de anos,
os que se preocupavam com os efeitos das leis de direitos autorais sobre a
liberdade online só haviam conhecido derrotas na luta contra
as instituições e empresas, e viram ser aprovadas, uma após outra, as leis que a
própria indústria do entretenimento escrevia e que reduziam direitos, ao mesmo
tempo em que se legitimavam acordos secretos para controlar sempre mais os
computadores e as conexões de internet. Muitas dessas leis haviam fracassado,
mas, para a política digital, os diferentes ataques ao Grande Conteúdo sempre
foram sentidos como um único grande ataque continuado.
O Anonymous não tinha qualquer opinião
unificada sobre copyright em si. Mas quando medidas destinadas a
conter a pirataria apareceram com ameaça contra toda a liberdade online, as opiniões convergiram para
uma mesma onda. Declaração contra o Acordo Antipirataria [orig. Anti-Counterfeiting Trade Agreement
(ACTA)] [14] e sua abordagem
tipo “três-ataques-confirmados-e-você-será-expulso-da-rede” para crimes contra
as leis de autor, dizia:
“Nossa principal reclamação é que
essas medidas restringirão as possibilidades dos usuários da internet (...).
Ameaçar amputar as pessoas, separando-as da consciência global, como vocês
ameaçam fazer, é criminoso e repugnante. Tentarem censurar conteúdos na
internet, baseados nos seus próprios preconceitos é, no mínimo, comicamente
impossível; no máximo, é vergonhoso, moralmente repreensível”.
A voz
gerada por computador que se ouvia no vídeo – então já parte da estética
profunda dos Anonymous – concluía com
um riff da assinatura tradicional dos Anonymous, que resumia suas motivações e
já deixava antever a direção que sua atenção tomaria no futuro. Como ouvia-se
lá:
“Não
perdoamos a censura na internet. Não esquecemos nossa liberdade de
dizer”.
Pelo 4chan e
IRC, muitos Anons
coordenaram simultaneamente uma nova espécie de ataque: retaliação direta,
mirada declaradamente contra importantes atores políticos. Carregaram o LOIC e dispararam a convocação para derrubar
os websites da empresa AiPlex e da Motion Picture Association of America
(MPAA). Foi a Operação “Troco Filho-da-puta” [orig. “Payback is a bitch”], assim
anunciada:
19/9/2010
A QUEM INTERESSAR
POSSA
Escrevemos para
informar que nós, Anonymous, estamos organizando a Operação “Troco
Filho-da-puta” [orig.“Payback is a bitch”].
Os Anonymous atacaremos também a RIAA (Recording Industry Association of
America), a MPAA (Motion
Pictures Association of America) e
a AIPLEX, mercenários alugados para
atacar Piratebay (sic) conhecido site de compartilhamento de
arquivos.
Impediremos que os
usuários entrem naqueles
sites inimigos e os
manteremos derrubados pelo maior tempo possível.
Querem saber por
quê?
Os Anonymous nos cansamos de ver interesses
corporativos controlando a internet e silenciando os direitos do povo, de
distribuir informação, mas, mais importante que esse, silenciando o direito de
PARTILHAR informação entre todos.
A RIAA e a
MPAA fingem que ajudam os
artistas e a causa dos artistas; de fato, não ajudam nada e ninguém. Não se vê
esperança nos olhos delas: só cifrões. Anonymous não mais aceitará
isso.
Desejamos muito
boa sorte a todos.
Atenciosamente,
Anonymous,
Somos
legião.
A resposta foi
espetacular; milhares de pessoas que jamais se haviam visto elas próprias como
Anons, e que provavelmente pouco sabiam sobre o coletivo, uniram-se a ele,
criando assim uma nova geração de “moralfags” [lit. “viados moralistas”].
Por menos envolvidos que estivessem na luta contra a Igreja da Cientologia ou na
história das discussões no
4chan, esses recém chegados partilhavam um traço muito importante,
com seus predecessores já ativos nos
raids do 4chan.
Os novos viram, na
chance de atuar como Anonymous, de
assumir a iconografia dos Anonymous,
de unir-se a uma operação dos Anonymous, uma chance de
autoempoderamento. Afinal conseguiam fazer mais que assinar
abaixo-assinados online ou doar dinheiro para manter blogs de
amigos.
O website da empresa AiPlex caiu quase instantaneamente.
Pouco depois, caiu também o
website da MPAA (Motion Pictures Association of
America) [15]. O ataque foi expandido contra
a RIAA (Recording Industry
Association of America) e outros
grupos ligados àquelas associações, grupos de trolls e de “patrulha” em todo o mundo. Escreveram
Manifestos [16] e distribuíram
vídeos, mas o mais importante: atraíram muita atenção da mídia. Com a divulgação
pela imprensa, mais gente aproximou-se dos Anonymous.
Os Anonymous incharam, converteram-se numa
massa de moralfags [“viados moralistas”], muito maior, então,
do que a “legião” de antes. A cobertura continuou na imprensa, os Anonymous atacaram outros websites, de vários diferentes
personagens ativos nas discussões sobre direitos de autor, e retaliaram contra
comentários negativos. Os ataques incorporaram algumas técnicas tradicionais
de hacking (SQL injection) e desmonte
de
websites.
Depois de semanas
de ataques, a Operação “Troco” parecia estar-se esgotando. Novembro transcorreu
praticamente tranquilo, os novos participantes de Anonymous arranjando-se no
coletivo, habituando-se a usar o
IRC e abrindo contas Anonymous-cêntricas no Twitter.
Operação Vingar
Assange [orig. Operation Avenge
Assange]
Quando tudo levava
a supor que os Anonymous fariam uma
pausa, em dezembro de 2010 o governo dos EUA iniciou ataque extrajudicial contra
WikiLeaks, em retaliação por causa da divulgação de centenas de milhares de
telegramas diplomáticos que teriam sido vazados para o website por Bradley Manning. O Senador Joe Lieberman
[17] conclamou a empresa Amazon a
pressioná-los e conseguiu que deixassem de hospedar os arquivos WikiLeaks. Mas
não houve qualquer acusação formal contra WikiLeaks nem contra seu rosto mais
conhecido, Julian Assange. Mastercard, Visa e Paypal bloquearam as contas nas quais
WikiLeaks recebia contribuições de todo o mundo, alegadamente por violação do
contrato de serviços; e um banco suíço congelou contas de Assange. A Operação
“Troco” voltou à vida, já rebatizada como “Operação Vingar
Assange”.
Os Anonymous carregaram o LOIC
e, com muitos canais cheios de participantes muito ativos, mais
gente, até, do que na Operação “Troco”, logo derrubaram os websites das empresas MasterCard e Visa (que foi boa publicidade [18], embora não tenham tocado nas
redes de pagamento e saiba-se que praticamente todos que usam cartões emitidos
por aquelas empresas jamais visitaram os
websites). O ataque também dificultou as operações de Paypal durante algum tempo – nesse caso,
o ataque foi dirigido ao sistema de processamento de pagamentos da empresa. E um
ataque iniciado contra a Amazon foi
logo abortado, quando vários Anons
decidiram que suas ferramentas não funcionariam contra a massiva e resistente
arquitetura do servidor daquela empresa.
Mas os Anonymous estavam de volta às manchetes.
No momento em que parecia que todo o mundo voltava-se contra WikiLeaks [19], os Anonymous entraram em cena como a
Cavalaria, não ocultaram seu pleno apoio e ofereceram uma voz que, em pouco
tempo, converteu-se em voz planetária, para todos, em todo o mundo, que não
apoiavam que se perseguissem vazadores, vazamentos e aquele específico site.
Com os ataques
simultâneos a várias empresas e aos que haviam abandonado WikiLeaks sob os mais
frágeis pretextos, Anonymous reagia
contra ações extremamente agressivas, nas quais instituições extrapolavam o
direito legal. Visa e MasterCard aceitam doações para partidos
de neonazistas, mas não aceitam doações para WikiLeaks. Foi ficando cada dia
mais visível que o poder conspirava nas coxias. E a onda de opinião da hora, com
o novo moralismo recém incorporada, já não se satisfazia com reclamar nas seção
de “Cartas do Leitor”
Fundamentalmente,
os Anonymous produzem duas coisas:
espetáculo e infraestrutura a ser usada por
hackers. Criam cenas às quais a mídia não consegue resistir, mas,
simultaneamente, são personagens que a mídia absolutamente não entende. No resto
do tempo, os Anonymous estão ou
inventando ou detonando infraestrutura online, trabalho técnico que
jamais mereceu qualquer atenção da mídia. As operações “Troco” e “Assange”
combinaram as duas faces do trabalho dos Anonymous, mas foram, principalmente,
espetáculo.
Nenhum dos ataques
conseguiu interromper por muito tempo a operação das empresas atacadas, embora
poucos jornalistas tenham sequer percebido isso; a maioria dos jornalistas só
fez assustar as pessoas, sugerindo que não conseguiriam usar seus cartões para
comprar gás ou comida congelada, por culpa dos Anonymous.
Os Anonymous não deixariam e não deixaram
de capitalizar os erros da imprensa: fizeram entusiásticas proclamações de
vitória, o que reforçou a narrativa sem pé nem cabeça dos jornalistas, e o jogo
foi avançando, dezembro adentro.
Alguns Anons perceberam que, afinal, pouco dano
haviam causado aos atacados e que, apesar do grande número de ataques, pouco
conseguiriam por aquela trilha. Iniciaram a Operação Leakspin, que cobrava de todos os Anons que lessem, analisassem,
distribuíssem e protegessem a disseminação dos telegramas diplomáticos que tanta
confusão haviam causado. Andando na mesma direção do objetivo inicial de
WikiLeaks – permitir que cidadãos lessem e analisassem os documentos vazados e
passassem a operar como contrainteligência, como uma espécie de contra-CIA ativa
em toda a população – a Operação
Leakspin pouco
avançou.
Os novos moralfags [“viados moralistas”] preferiam continuar a
atirar com o LOIC, a
converterem-se em bibliotecários analistas de documentos. Mas cumpriram, pelo
menos, a função de distribuir os documentos pelo mundo e torná-los acessíveis a
praticamente toda a humanidade, reproduzindo-os “em espelho” pelos servidores,
apesar dos ativos esforços de vários governos, interessados em censurar o
conteúdo, muitas vezes muito comprometedor, dos telegramas diplomáticos dos EUA.
E os Anons rastrearam também vários
dos que estavam tentando censurá-los.
Dia 17/10/2010, um
tunisiano pobre, vendedor de frutas, de nome Mohamed Bouazizi, que vivia em Sidi
Bouzid, na área rural, ateou fogo ao próprio corpo, como protesto contra uma
corrupção que já invadia tudo em seu país, e contra a qual sentiu que já não
conseguiria lutar. Foi ato de desespero, e Mohamed Bouazizi nunca supôs que
viesse a ter o efeito que teve. Mas, desde aquele dia, o mundo nunca mais foi o
mesmo. Nem o Oriente Médio, nem a Internet, nem a sociedade nos EUA passariam
incólumes pelo autoimolação de Bouazizi. E aquele ato nada anônimo também teria
efeito sobre os Anonymous.
A seguir: Part III, “The freedom ops, HBGary Federal, and
Occupy Wall Street in 2011, the year Anonymous reached over 9,000”
[ainda não publicado].
Notas dos
tradutores
[1] Corruptela de
“LOL” (na taquigrafia da comunicação online, significa
“gargalhada”, “risos, risos, risos”. Também grafado “\o/” e \O/). “Lulz” é também um
grupo de hackersque operam,
segundo eles, na “antissegurança”. Em junho de 2011, atacaram vários sites do
governo brasileiro. Sobre isso, ver O Estado de
S.Paulo, 21/6/2011,
em: “Lulz
Sec e Anonymous anunciam aliança”.
[2] NSFW,
Not Safe For Work (Não Seguro para
Ambiente de Trabalho). No mundo da internet, a sigla é usada para indicar que
o website inclui material que o chefe ou os colegas
considerarão inadequado para ser visto/lido em ambiente de trabalho (o oposto
de SFW,Safe For Work, Seguro para
Ambiente de Trabalho).
[3]
Em:
“Antisec Hits Private Intel Firm;
Millions of Docs Allegedly Lifted” (em
inglês)
[4] Rickroll envolve
o videoclipe da música “Never Gonna Give You
Up” [Nunca
desistirei de você], de 1987, de Rick Astley. Alguém envia um link, dizendo que
tem a ver com a discussão em curso; mas o link só abre o vídeo de Rick Astley. Quando
alguém abre esse link “hackeado”, diz-se que foi
“rickrolleado”. Com o tempo, o
Rickroll deixou de depender de links e abria repentinamente, em qualquer
situação. (em inglês)
[10] Há zilhões de
ocorrências dessa expressão, quase intraduzível [lit. “filha-da-putagem
ultracoordenada”] na internet. Várias são falas de
Anonymous convidados para encontros com alunos em
escolas e universidades pelo mundo, nas quais a expressão ocorre como
pára-definição do que os Anonymous
fazem. Mas a ocorrência em que a expressão mais dá conta de muitos outros
significados muito complexos parece ser, das que encontramos até agora, o
postado de um músico blogueiro, procurando emprego em alguma banda: “Se alguém
aí tá pensando num sarro ultracoordenado, eu tenho o tamborim” (\o/ \o/
\o/).
[11] “Operation
Lioncash” (em inglês). [11a]
“Moralfag”
[lit.
“viado moralista”] Gente que chega ao
4chan's /b/ board
(também chamados “newfag” [lit, “viado novo”] e que não aceita
algumas das imagens ou atividades mais extremas. A maioria dos
moralfags protesta contra tortura de animais e
discussões sobre o tema, e fazem de tudo para manifestar seu desagrado. A
expressão tem sido associada à onda de
newfags que apareceram em /b/, contra o
“Projeto Chanology” criado contra a
Cientologia. Resposta típica de um
moralfag, contra tortura de animais é: “Cara, não é engraçado
mostrar tortura de animais. Estamos acostumados a ver cadáveres humanos na
televisão, e ok, mas, animais?! Vamos iniciar uma campanha contra tortura de
animais. Totalmente “Clube da Luta” (em inglês).
[12] “Bizarre
Indian Anti-Piracy Group Says It Does DoS Attacks On File Sharing
Operations” (em inglês).
[14] Vídeo em: “Operation Payback – Anonymous Message About ACTA Laws, Internet Censorship and Copyright”
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