17/1/2012,
*MK Bhadrakumar, Indian
Punchline
Traduzido
pelo pessoal da Vila
Vudu
O Sunday Times publicou matéria
investigativa, em que mergulha no mundo secreto dos Smileys. A revelação
sensacional de que o Mossad israelense assassinou o cientista iraniano Mustafa
Ahmadi Roshan, 32 anos, em Teerã, semana passada [1]
baseia-se
em fontes da inteligência. É história nuançada que cuidadosamente – e
clinicamente – isola Israel como único perpetrador daquele ato terrorista, e
separa a Grã-Bretanha e os EUA daquela prática criminosa.
É
questão interessante, porque a reação de Teerá ao ataque terrorista de Israel
está endurecendo. Nunca antes o Irá reagira com ameaça de retaliação. Dessa vez,
sim. E o aviso foi emitido pelos mais altos escalões políticos e militares
iranianos.
O
porta-voz do Parlamento (Majlis) Ali Akbar Larijani é figura chave
no
establishment iraniano, muito próximo do Supremo Líder Ali
Khamenei, com credenciais impecáveis aos olhos também dos Guardas
Revolucionários. (Muitos dão por garantido que será eleito próximo presidente do
Irã.) Larijani disse em tom enigmático:
“Nós
[Irã] não hesitaremos em castigar o regime sionista, para que entendam que ações
como essa terão resposta clara. Haverá resposta, mas não responderemos com ato
terrorista.”
Sugere
que coisa maior estaria em preparação.
O
comentário do vice-comandante do Estado-Maior das Forças Armadas do Irã Massoud
Jazayeri é mais estridente. Disse que:
“Os
que se opõem à Revolução Islâmica do Irã e ao progresso do Irã não duvidem que
a resposta
punitiva
aos EUA, ao regime sionista e aos seus cúmplices criminosos será dada em
momento oportuno.” [Itálicos meus.]
Interessante,
o aviso de Larijani é dirigido especificamente a Israel. O do general Jazayeri
inclui os EUA. Pode-se argumentar que o governo do Irã está sob pressão política
para reagir, sobretudo em ano crucial, em que a disputa pela liderança da
revolução está acelerada, com eleições parlamentares e presidencial marcadas
para um período de 15 meses. Mas a questão não é essa.
O
ataque dos terroristas israelenses coincide com uma ‘trégua’ na questão nuclear
iraniana, com os dois lados, Teerã e os chamados “5+1″ timidamente
recomeçando a considerar a retomada das negociações. Até a vinda a Istanbul está
sendo mencionada. Larijani fez produtiva visita a Ancara na 5a-feira passada,
dias depois de o ministro de Relações Exteriores da Turquia Ahmet Davutoglu ter
visitado Teerã. (Entre os dois encontros Irã-Turquia, o vice-secretário de
Estado dos EUA William Burns pousou em Ancara, para saber que notícias Davutoglu
trazia de Teerã.)
Verdade
é que Israel tem longa história de torpedear as rotas políticas de discussão da
questão nuclear iraniana e, tanto mais torpedeia quanto mais o espectro de
alguma normalização das relações EUA-Irã assombra Telavive.
Teerã
disse agora que os inspetores da Agência Internacional de Energia Atômica que
visitam Teerã de tempos em tempos (entre os quais há especialistas ocidentais
com conhecidas relações com a inteligência) estão vazando a identidade de
cientistas iranianos, informação da qual o Mossad ter-se-ia servido para
organizar ataques terroristas pontuais. Se o Irã suspender a autorização para
visitas dos inspetores da AIEA – outra missão está prevista para breve – a via
política e diplomática será outra vez congelada. O objetivo do ataque terrorista
israelense pode ter sido exatamente esse.
A
questão é que os israelenses não são idiotas o suficiente para supor que o
assassinato de três ou quatro cientistas iranianos, das dezenas de milhares de
profissionais altamente qualificados com que o país conta, bastaria para impor
qualquer dano significativo ao programa nuclear do Irã. Até o primeiro-ministro
de Israel Benjamin Netanyahu já reconheceu publicamente que as tão louvadas
sanções não estão tendo qualquer efeito sobre o programa nuclear do
Irã.
Mas,
se a via diplomática que atualmente começa a ser considerada for novamente
fechada, Israel venceu essa disputa. Parece que Washington está percebendo o
plano de jogo israelense. Chegam sinais pelo vento. No final de semana, a OTAN
resgatou um barco iraniano em perigo. Antes, a marinha dos EUA havia resgatado
pescadores iranianos, das garras de piratas da Somália. O presidente Barack
Obama escreveu a Khamenei (carta que o Irã, muito provavelmente, planejava
responder).
Debka,
o
website
israelense com ligações com a inteligência, publicou no fim de semana:
“Obama
pareceu desconfiar que Israel encenou o assassinato para torpedear mais um
esforço secreto dos EUA para evitar confronto militar com o Irã através de
canais secretos com Teerã, ao mesmo tempo em que a veemente condenação [do
ataque terrorista israelense, pelo governo dos EUA] é vista como parte da
campanha total para impedir que Israel ataque unilateralmente o
Irã”.
O
nó da questão é que “Bibi” pode interferir também na campanha eleitoral de
Obama, embora dentro de Israel haja oposição à fúria belicista de Bibi, com a
qual Obama, se quiser, pode jogar – como a do ex-chefe do Mossad, Dogan. Em
Israel, as pesquisas mostram ampla maioria da população em oposição à guerra com
o Irã, e disposta a coabitar na região, inclusive, com um Irã
“nuclear”.
Recentemente,
Dogan alertou contra o excessivo alarido dos tambores de guerra.
“A
comoção que cerca a alternativa de um ataque imediata [ao Irã] pode empurrar os
iranianos para uma realidade [na qual estariam sendo encurralados] que os
levaria a tentar adquirir capacidades nucleares ainda mais rapidamente, em vez
de moverem-se com mais cautela, levando em consideração as demandas da
comunidade internacional.”
Seja
como for, os exercícios de manobras militares conjuntas de EUA e Israel, de
enormes dimensões antes jamais vistas, e marcadas para abril próximo, foram
abruptamente canceladas, em circunstâncias ainda não perfeitamente esclarecidas.
Milhares de soldados dos EUA deveriam ter sido desembarcados em Israel, em
notável demonstração da solidariedade dos
norte-americanos.
Feitas
todas as contas, tudo se resume à perseverança e ao desejo políticos de Obama de
manter mão firme sobre o aventureirismo dos israelenses. A evidência de que
Israel recorreu ao terrorismo nesse exato ponto vem carregada de consequências,
todas perigosas. Até aí, se pode supor que Obama sabe o que está
acontecendo.
Mas
a grande pergunta é como Obama converterá em geopolítica esse seu poder de
compreensão. São os interesses dos EUA versus a agenda israelense.
Comentário publicado
em China
Daily
semana passada foi diretamente ao ponto, em avaliação muito ponderada da
tortuosa paisagem política:
“A
paisagem política no Oriente Médio e no Norte da África passa realmente por
mudanças dramáticas, o que piora o ambiente para Israel. Os governos pró-EUA e
pró-Israel no Egito e na Tunísia caíram, e o conflito árabe-israelense foi
reativado. Forças islâmicas crescem, nas eleições na Tunísia. O Egito endureceu
em relação a Israel. Por sua vez, Israel quer atacar o Irã para consolidar sua
segurança nacional e obter vantagens no Oriente Médio. E tudo parece confirmar
que Israel conseguirá sequestrar a política dos EUA para o Irã, em ano de
eleições presidenciais norte-americanas. (...) Hoje, é dever de Irã e EUA
resolverem a questão por meio pacífico.
Se a opinião pública nos EUA opuser-se firmemente à ação
militar contra o Irã, o governo Obama poderá impedir que Israel inicie uma
guerra. Afinal, fazer-se surdo à opinião pública pode custar a Obama a
reeleição. Mas, em sentido oposto, se lançar o país em uma guerra puder ajudar
Obama a obter seu segundo mandato na Casa Branca, o Irã não escapará de ser atacado militarmente.” [2]
Que
cruel ironia! Dado o sistema político disfuncional dos EUA, será o povo
norte-americano, enganado, mal informado, semianalfabeto, autocentrado, sem
visão ampla de mundo, quem, em última instância, decidirá entre guerra e paz no
Oriente Médio! De que adiantou elegerem presidente intelectual cerebrino, mas
que tanto teme perder o emprego?
Notas dos tradutores
[1] 17/1/2012, Robert
Johnson, Sunday Times, em “Mossad
Agents Assassinated The Iranian Scientist Last Week”
[2]
13/1/2012, Chu Zhaogen, China Daily, Pequim; “A
questão iraniana é altamente inflamável” (em português)
*MK Bhadrakumar foi diplomata de
carreira do Serviço Exterior da Índia. Prestou serviços na União Soviética,
Coreia do Sul, Sri Lanka, Alemanha, Afeganistão, Paquistão, Uzbequistão e
Turquia. É especialista em questões do Afeganistão e Paquistão e escreve sobre
temas de energia e segurança para várias publicações, dentre as
quais
The
Hindu,
Asia
Online e Indian Punchline.
É o filho mais velho de MK Kumaran (1915–1994), famoso escritor, jornalista,
tradutor e militante de Kerala.
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