Wen Jiabao |
18/1/2012, *M K Bhadrakumar, Asia Times Online
Traduzido pelo
Coletivo da Vila
Vudu
Ignorou as ameaças
dos EUA nas sanções contra o Irã; superou, numa passada, a divisão entre sunitas
e xiitas no Golfo Persa; não deu à Primavera Árabe mais atenção que a mínima
necessária; e, simultaneamente, saudou elegantemente os islâmicos. E, tudo isso,
em concerto solo. A diplomacia
chinesa nada de braçada no Oriente Médio.
O premiê Wen Jiabao está em visita de seis dias à Arábia Saudita, Emirados Árabes Unidos e
Qatar, em movimento de diplomacia de primeiríssima qualidade. A China é
provavelmente a única grande potência, dentre os membros permanentes do Conselho
de Segurança da ONU, que se pode declarar parceira firme de Síria e Irã, por um
lado; e também de Arábia Saudita e Qatar, pelo outro lado.
A China está
conduzindo seu festim político e diplomático sem desperdiçar recursos e sem se
comprometer em atos ou retórica espetaculosos.
Prática e
político-ideológica
Mesmo assim, a
China está incrivelmente ativa na região, expandindo sua presença de modo
consistente e orientado, de olhos postos no futuro distante.
No “sombrio pano
de fundo político e econômico da paisagem internacional” hoje – com os EUA em
declínio e a Europa em crise – a China viu uma janela de oportunidades
particularmente convidativa para apresentar-se como parceira ideal para o
Oriente Médio na “tarefa comum de contornar o impacto negativo do mal-estar
econômico global”, de tal modo que os dois lados “possam extrair todas as
vantagens de suas respectivas potencialidades e, juntas, trabalhar objetivamente
para o desenvolvimento comum” – nas palavras da agência de notícias Xinhua,
falando da “enorme importância” do
tour de Wen pela
região.
Os fatos falam por
si mesmos. A China comprou um combinado de 1,15 milhões de barris/dia de
petróleo dos três países de maioria sunita agora incluídos no roteiro de Wen.
Nos primeiros 11 meses de 2011, o fornecimento saudita à China permaneceu no
patamar de 45,5 milhões de toneladas de cru – aumento de cerca de 13% em relação
ao mesmo período de 2010.
O Qatar é o maior
fornecedor de gás natural liquefeito para a China e, nos primeiros 11 meses de
2011 embarcou 1,8 milhões de toneladas, aumento de 76%. O comércio com os
Emirados Árabes Unidos ultrapassa $36 bilhões e o reino está surgindo como o
principal porto de transbordo para as exportações chinesas que viajam para
África e Europa.
Os investimentos
chineses em países árabes chegam a $15 bilhões e o relacionamento econômico se
está diversificando, agora que a China estimula fortemente seus projetos de
exportação. Em troca, o Golfo Persa é hoje o principal investidor estrangeiro da
economia chinesa.
Mas a China também
está comprando muito petróleo do Irã. Cerca de 22% de todo o petróleo que a
China importa é petróleo iraniano. O comércio com o Irã chegou a 30 bilhões em
2010 e deve chegar a $50 bilhões em 2015. A China dá conta de 10% das
importações iranianas e é o principal parceiro comercial do Irã.
O número-alvo que
China e países árabes haviam definido para o comércio entre eles, para 2015, é
$200 bilhões. Mas ao final de 2011 as trocas comerciais já chegavam aos $190
bilhões.
Wen testemunhou na
Arábia Saudita a assinatura de um contrato entre a China Petrochemical Corporation
(Sinopec) e a saudita Aramco, para construírem, até 2014, uma refinaria que
custará $8,5 bilhões, com capacidade para refinar 400 mil barris por dia, em
Yanbu, no litoral do Mar Vermelho, ações distribuídas na proporção de
35,5%-62,5% respectivamente. E um memorando de entendimento foi assinado entre a
gigante petroquímica saudita SABIC e a Sinopec para construir pólo petroquímico
em Tianjin.
Os dois países
assinaram também acordo de cooperação nuclear, durante a visita de Wen. A Arábia
Saudita tem planos para construir 16 reatores nucleares até 2030; e a China
investe num plano ambicioso de converter-se em exportadora de usinas
nucleares.
Mas a China não
está confiando só nos estreitos laços que a ligam ao Irã. Semana passada
assinaram-se em Pequim várias declarações que reafirmam a importância do
relacionamento Sino-Iraniano. Na prática, ignoraram-se todas as “exigências” dos
EUA com vistas a diminuir as vendas de petróleo iraniano e todas as “sançõe”’
recentemente “impostas”.
Washington
retaliou contra Pequim na 5ª-feira, com sanções contra a chinesa Zhuhai Zhenrong
Corp, acusada de estar vendendo petróleo refinado ao Irã. A China imediatamente
manifestou “forte insatisfação e firme oposição” ao gesto dos americanos e
declarou a decisão de manter “cooperação normal com o Irã em energia, economia e
comércio”.
Um fator de
estabilidade
Evidentemente, o
movimento de Washington foi simbólico, feito às pressas e manifesta algum
desespero – a empresa Zhuhai Zhenrong “punida” não tem propriedades nos EUA que
possam ser “congeladas” – e visou, de fato, a marcar a chegada de Wen em Riad,
chamando a atenção para os laços entre Pequim e Teerã, com quem Riad compete por
influência na região.
A questão é que os
sauditas estariam supostamente trabalhando ‘a mando’ de Washington, para
estreitar laços com a China e arrancar Pequim dos braços de Teerã. Até que Riad
e Pequim apareceram com agenda própria, na qual se preservou bom espaço para
relações dos dois lados com o Irã.
A projetada
refinaria Yanbu será construída na província leste da Arábia Saudita dominada
pelos xiitas. A Arábia Saudita está muito preocupada com crescentes agitações
nas províncias do leste (que teme que Teerã esteja estimulando) e, mesmo assim,
a China está investindo num grande negócio conjunto exatamente ali.
O que ninguém
deixará de observar é que os sauditas convidaram os chineses para visitá-los,
apesar de todos os fortes laços que unem chineses e iranianos. Obviamente, os
sauditas já estão tratando os chineses como fator de estabilidade na
região.
Pode-se supor,
inclusive, que a China venha a desempenhar algum papel na rivalidade
saudita-iraniana, num cenário futuro. Seja como for, durante sua estadia na
Arábia Saudita, Wen bateu sempre na estabilidade regional como fator imperativo.
Soou como música aos ouvidos sauditas.
Interessante, também, o que se leu
num comentário sobre a viagem de Wen ao Golfo Persa, no China Daily, jornal
oficial:
Ao contrário dos
países ocidentais, que tendem a tentar impor seus próprios valores e seus
sistemas políticos ao resto do mundo, a China interage com o mundo árabe sob os
princípios da igualdade, respeito mútuo e busca de mútuas vantagens.
Os EUA, na grande
maioria das situações, tende a favor de Israel no conflito com os palestinos, o
que enfurece muitos, no mundo árabe. Bem diferente disso, a China sempre apoiou
as justas demandas dos palestinos nos fóruns mundiais, o que valeu aos chineses
o respeito do mundo árabe. Ao longo da história da amizade sino-árabe, que
remonta à antiguidade da ancestral Rota da Seda, a China jamais tentou impor
qualquer agenda política exclusiva, à custa do Oriente Médio ou de qualquer
outro povo.
A posição da China tem sido cada
vez mais bem acolhida no mundo árabe e muitos estados árabes optaram por “Olhar
Rumo Leste” em busca de cooperação e apoio na negociação das grandes questões
regionais e mundiais. [1]
Um
futuro “verde”
Wen disse ao rei
Abdullah que a China respeita o sistema político da Arábia Saudita, seu modo de
desenvolvimento, sua cultura e suas tradições. Em resposta, o rei Abdullah
propôs que se instalasse uma comissão de alto nível para acompanhar a cooperação
entre os dois países, nos campos político, econômico, cultural e de segurança. O
rei Abdullah disse, pensando cada palavra: “O objetivo da política exterior da
Arábia Saudita é manter a paz e a estabilidade regional”.
O rei acrescentou:
“Arábia Saudita e China gozam de alto nível de confiança mútua e partilham
noções similares sobre várias questões. Os sauditas desejam ampliar as consultas
e a coordenação com a China”.
Em
resumo, o tour de Wen deu grande destaque à noção de que a
China considera-se “parceira” no Golfo Persa. E deve-se prestar atenta atenção,
também, ao fato de que a China não está em conflito com o Islã político no
Oriente Médio. Em comentário no
People’s Daily, semana passada, lia-se:
A Primavera Árabe mudou a cor
principal da situação política no mundo árabe e formou um esplêndido cenário
“verde” que preocupa – e assusta – o ocidente. Mas não há aí nenhum tipo de
“atraso” [desenvolvimento regressivo] no curso da modernização e secularização
dos árabes. O que aí se vê é uma retração da excessiva secularização de longo
prazo e da secularização dos regimes agora derrubados; e o retorno de culturas
tradicionais. Essa aspiração parece ser aspiração de vários povos.
Evidentemente, o mundo deveria buscar mentalidade mais compreensiva e mais
inclusiva, e dar boas vindas a todos os povos. Afinal de contas, é direito dos
povos árabes elegerem os governos que desejem eleger.
A inclusão do
Qatar no itinerário de Wen é ao mesmo tempo intrigante e reveladora de algumas
das sutilezas do pensamento chinês. Sabe-se que o Qatar é fonte principal do gás
natural liquefeito que a China consome. Mas o Qatar também teve papel central na
mudança de regime na Líbia e, ao que se sabe, está dedicado a derrubar o governo
do presidente Bashar al-Assad na Síria.
A China opõe-se à
intervenção ocidental na Líbia e na Síria. Mesmo assim, apesar de Rússia e China
terem coordenado seus movimentos no Conselho de Segurança da ONU nos casos de
Líbia e Síria, nem por isso Pequim vê-se impedida de buscar parceria energética
com o Qatar.
É atitude que
contrasta fortemente com as relações entre Rússia e Qatar (hoje em frangalhos) –
desde que o embaixador russo foi detido e revistado há algumas semanas no
aeroporto de Doha, por agentes de segurança, em movimento que parece ter sido
ato deliberado de provocação ou ofensa a Moscou. Em resumo, a China está
avançando. Conta com posicionar-se do “lado certo da história” no Golfo
Persa.
O Qatar teria
gostado de outro comentário publicado no
People’s Daily no sábado,
que zomba levemente da recente visita do porta-aviões russo “Admiral Kuznetsov”
ao porto sírio de Tartus.
O comentário
deslocou a impressão predominante sobre o apoio russo à Síria e insistiu que, ao
contrário, os russos nunca agem movidos por sentimentos de “amizade” com outros
países; que os russos sempre agem exclusivamente em nome de seus interesses
estratégicos; e que a atual “postura diplomática” dos russos em relação à Síria
visaria essencialmente a “alertar todas as forças políticas, para que não
agredissem interesses russos”.
O
mesmo comentário dizia que o “Admiral Kuznetsov” poderia ter ganho experiência
local, no caso de a Rússia precisar evacuar da Síria cidadãos russos, ou caso
tenha de “proteger patrimônio russo”. Em resumo, o comentário (publicado na
véspera da viagem de Wen) parece ter sido plantado para sugerir que a
coordenação entre russos e chineses no caso da Síria é coordenação limitada; e
que os dois países, cada um a seu modo, continuam a trabalhar a favor de seus
respectivos interesses.
Nota dos
tradutores
[1]
15/1/2012, People’s
Daily, Pequim - China:
“Cimentando laços com o mundo árabe” (em português) e “Cementing ties with
Arab World” (em inglês).
*MK Bhadrakumar foi diplomata de
carreira do Serviço Exterior da Índia. Prestou serviços na União Soviética,
Coreia do Sul, Sri Lanka, Alemanha, Afeganistão, Paquistão, Uzbequistão e
Turquia. É especialista em questões do Afeganistão e Paquistão e escreve sobre
temas de energia e segurança para várias publicações, dentre as
quais
The
Hindu,
Asia
Online e Indian Punchline.
É o filho mais velho de MK Kumaran (1915–1994), famoso escritor, jornalista,
tradutor e militante de Kerala.
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