Publicado
em 26/01/2012 por *Urariano Motta
Recife
(PE) - Um dia
desses notei que a história política do Brasil poderia ser contada pela história
da sua música popular. E como sempre acontece em qualquer descoberta, essa
conclusão geral me chegou pela persistência de alguns casos individuais, que
traziam em si um dom universal. Assim foi, por exemplo, em páginas de “Soledad
no Recife”, quando a ressurreição dos malditos anos da ditadura se fez sob a
canção dos tropicalistas. Assim foi quando escrevi sobre Geraldo Vandré, sobre
Chico Buarque, sobre Roberto Carlos... Assim tem sido em textos mais ambiciosos,
escritos sob a música íntima que me acompanha ao narrar o mundo submerso da
infância. Que nos acompanha a todos quando recuperamos vidas, melhor
dizendo.
Escrevo
isso agora a partir de uma revelação do livro “A vida quer é coragem”, de
Ricardo Batista, conforme artigo de Alberto Villas:
... a
uruguaia Maria Cristina Uslendi conta que em outubro de 1971, toda vez que
voltava das sessões de tortura encontrava Dilma de braços abertos “me amparando,
me ajudando a usar a latrina quando não tinha forças, me dando sopinhas de
colher na boca, me cedendo a parte de baixo do beliche e pondo na vitrolinha de
pilhas as melhores músicas da MPB”. Cristina conta que Dilma sempre pedia a ela
que prestasse muita atenção à letra de “Para
um amor no Recife”, uma
canção de Paulinho.
O
quanto isso é verdadeiro. O quanto a música popular foi remédio, cura e perdição
da maioria dos brasileiros que estiveram contra a ditadura. O quanto devemos a
esses artistas da canção, numa dívida que eles próprios não alcançam o tamanho,
mas que é, ao mesmo tempo, motivo de sufoco e prisão para eles, em razão do
papel que ganharam à sua revelia. No entanto, importa mais aqui, para não me
distanciar do objeto destas linhas, falar alguma coisa sobre o Paulinho da Viola
daqueles anos.
Quando
“Foi
um rio que passou em minha vida”
apareceu no Brasil, éramos estudantes numa sexta-feira à noite, numa
serenata em Maria Farinha.
Achávamos então que a revolução
socialista seria a coisa mais natural do mundo. E por ser assim tão natural,
nada demais também que ouvíssemos, não se espantem, 41 vezes, seguidas, contínua
e incansavelmente foi um rio, foi um rio, foi um rio em uma vitrolinha de pilha.
Naquele ano, e por que não ainda? , todos nós éramos Paulinho, nessa estranha
empatia, mistura de identidades que a verdadeira arte produz. Todos nós
repetíamos, e repetimos, e repetimos... que “meu coração tem mania de amor, e
amor não é fácil de achar”. À maneira de cantar, gritávamos esses versos
então.
Depois,
morando na Pensão Princesa Isabel, no centro do Recife, Paulinho era “Simplesmente
Maria”.
“Na
cidade, é a vida cheia de surpresa, é a ida e a vinda, simplesmente, Maria,
Maria, teu filho está sorrindo, faz dele a tua ida, teu consolo e teu destino,
Maria...”.
Nesse
tempo, sempre compreendíamos o “faz dele a tua ida” como um “faz dele a tua
ira”. Enquanto subíamos a escada para um quartinho isolado no alto, da televisão
da sala vinha a música, tema de uma novela. Ela nos lembrava sempre que
estávamos sozinhos e sem mãe, cujo nome também era Maria. À hora dessa música
sempre esperávamos algum golpe traiçoeiro da polícia que queria nos matar. Sem
Maria que nos velasse.
Então
houve Para
um amor no Recife. Diziam então que Paulinho fizera essa música para
a secretária de Dom Hélder Câmara.
As
boas, e as más línguas principalmente, acrescentavam que a dedicada senhora
vinha a ser a namorada secreta do arcebispo. Entre o sussurro e a maledicência,
entre a repressão da ditadura Médici e a resistência serena erguia-se um poema
belo, quase autônomo da melodia:
“A
razão por que mando um sorriso e não corro, é que andei levando a vida quase
morto. Quero fechar a ferida, quero estancar o sangue, e sepultar bem longe o
que restou da camisa colorida que cobria minha dor. Meu amor, eu não esqueço,
não se esqueça, por favor, que voltarei depressa, tão logo acabe a noite, tão
logo este tempo passe, para beijar você ”.
Esta
é uma canção que só fez melhorar ao longo de todos esses anos. A ditadura não
existe mais, o seu motivo imediato não mais existe, mas a composição só vem
crescendo, apesar da degradação do Recife, que entra quase incidentalmente no
título.
Enfim,
amigos, que estranho e magnífico poder tem a obra de arte. Quarenta e um anos
depois, Paulinho da Viola, Dilma e os brasileiros voltamos a Para
um amor no Recife:
*Urariano
Motta é
natural de Água Fria, subúrbio da zona norte do Recife. Escritor e jornalista,
publicou contos em Movimento, Opinião, Escrita, Ficção e outros periódicos de
oposição à ditadura. Atualmente, é colunista do Direto da Redação e colaborador
do Observatório da Imprensa. As revistas Carta Capital, Fórum e Continente
também já veicularam seus textos. Autor de Soledad
no Recife (Boitempo,
2009) sobre a passagem da militante paraguaia Soledad Barret pelo Recife, em
1973, e Os
corações futuristas (Recife,
Bagaço, 1997).
Enviado
por Direto
da Redação
Sem querer criar polêmica, mas, "Para um amor no Recife" não foi feita para MIUCHA, irmã do Chico Buarque (Pai do Dudu), que morava em OLINDA???
ResponderExcluirEis o que Paulinho conta de Para um amor no Recife:
ResponderExcluir"Essa música foi dedicada a uma senhora, já falecida, que pediu licença à minha mãe para me chamar de filho. Ela escrevia inúmeras cartas para mim, que começavam com 'Meu filho'. Quando fui ao Recife pela primeira vez, em 1968, eu iria ficar apenas uma semana na cidade. Acabei ficando um mês e dez dias. Eu não conhecia ninguém. Fiz um show lá, no antigo Teatro Popular do Nordeste. Quando acabou o trabalho do show, eu quis ficar por lá, e essa senhora me acolheu em sua casa. Ela se chamava Maria José Aureliana, era conhecida como Dedé Aureliana. Era uma pessoa muito conhecida na cidade, aposentada que trabalhou a vida toda como professora. Nós passamos a ter uma relação quase de mãe e filho mesmo. Aquela época foi um momento difícil para a minha geração, havia muita perseguição política, por isso a letra aborda uma outra coisa, que tem o sentido de falar daqueles tempos difíceis".
Copiado de
http://musicaemprosa.musicblog.com.br/276968/Para-um-amor-no-Recife-Paulinho-da-Viola/