Ramzy Baroud |
9/1/2012, Ramzy
Baroud,
Counterpunch
Traduzido pelo
pessoal da Vila Vudu
Ramzy Baroud é editor do
PalestineChronicle.com. É autor de The Second
Palestinian Intifada: A Chronicle of a People’s Struggle e de My Father Was a Freedom Fighter:
Gaza ’s Untold Story (Pluto Press, London ).
Havia visível tom
de triunfo nos comentários de Ismail Haniyeh, primeiro-ministro do governo
eleito do Hamás em Gaza, ao ser recebido por Mohamed Badie, dirigente supremo da
Fraternidade Muçulmana do Egito. Os dois anunciaram o que se deveria esperar
deles, naquelas específicas circunstâncias. Haniyeh disse que a presença do
Hamás, “ao lado da Fraternidade ameaça a entidade israelense”; Badie reafirmou o
compromisso da Fraternidade com “as questões da liberdade, sobretudo da
liberdade dos palestinos” (MENA e AP, 26/12).
É muito
significativo que, em sua primeira visita internacional como primeiro-ministro,
Haniyeh tenha ido ao Cairo, à sede da Fraternidade Muçulmana no distrito de
Moqattam. Ali anunciou sua mensagem – resistência contra a ocupação israelense,
unidade nacional entre Hamás e o Fatah e contato com países muçulmanos – e, em
seguida, prosseguiu viagem pela região. Desde 2006 o Hamás busca o apoio de
outros governos em países de maioria muçulmana, mas pouco conseguiu. A
solidariedade muçulmana era a base da política exterior do Hamás, orientada para
reduzir a dependência política e financeira dos palestinos em relação aos EUA e
outros governos ocidentais. Pouco conseguiu porque, como logo se viu, o alcance
da influência financeira e política dos EUA é amplo demais, para que pudesse ser
abalado por movimento relativamente pequeno, como o Hamás, e lutando sozinho.
Mas como o próprio Haniyeh reiterou, os tempos estão mudando.
No primeiro e no
segundo turnos das eleições no Egito, o Partido Justiça e Liberdade,
recentemente criado pela Fraternidade Muçulmana, obteve mais de 35% dos
votos.
Esse
sucesso eleitoral não foi uma anomalia, nem foi resultado inesperado. O partido
islâmico Al-Nahda, que formou o primeiro governo na Tunísia depois da revolução,
obteve mais de 40% dos votos nas eleições de outubro. No Marrocos, o Partido
Justiça e Desenvolvimento venceu as eleições em novembro; e já se vê bem clara
uma inclinação dos eleitores na direção do partido islâmico também na
Líbia [1]. Vêem marcas da influência política dos islamistas
também em outros países da região. As mudanças pelas quais passa a paisagem
política no mundo árabe têm levado muitos a conclusões polarizadas – e
preocupantes.
O
comandante-em-chefe da frente interna do exército de Israel, major-general Eyal
Eisenberg, foi dos primeiros a ver nesses desenvolvimentos a transformação da
“primavera árabe” em “inverno islâmico radical”. Disse ele: “Temos de concluir
que, num processo de longo prazo, a possibilidade de guerra total só faz
aumentar” (Arutz Sheva, 5/9). Mas o que realmente preocupa Israel não é a
radicalização das sociedades muçulmanas, mas o crescimento de uma política
islâmica que, cada vez mais representa e manifesta discurso político claro, que
fala aos eleitores. Esse crescimento preocupa Israel, porque é a via para que se
construa alguma unidade no mundo árabe, com uma correspondente agenda política
comum, que repõe a Palestina no centro do que, para muitos intelectuais
muçulmanos, seria o “Despertar Islâmico”.
Digam o que
disserem os cães de guerra israelenses, os EUA – principal sustentáculo de
Israel – podem bem encontrar modos para coexistir no novo arranjo político.
Outros governos ocidentais também “terão de adaptar-se a uma mudança no poder
político, por mais que tenham tentado impedir que ela acontecesse”, como
escreveram Roula Khalaf e Heba Saleh no
Financial Times (28/12).
Para Israel, essa transformação na política regional pode vir a revelar-se
insuportável. Mas, evidentemente, o Partido Al-Nahda tunisiano não tira o sono
de Israel: o que, sim, preocupa Israel é o Hamás.
Essa a razão, pelo
menos em parte, que levou Haniyeh a aventurar-se para fora de Gaza. Porque os
EUA já se movimentam para tentar controlar, se não gerir completamente, o
crescimento dos partidos islâmicos, e o Hamás trabalha para assegurar posição de
destaque para a Palestina – definida pelo prisma do movimento islâmico – na nova
paisagem política da região.
Poucos duvidam que
a vitória política do Hamás em 2006 e a resistência que o partido opôs a todas
as tentativas posteriores para isolá-lo e destruí-lo influenciarão os novos
partidos islâmicos em vários países árabes. Não há dúvidas de que a capacidade
de sobrevivência do Hamás é bem conhecida dos novos políticos muçulmanos, no
Egito e em todo o mundo. Agora, com os novos frutos que os partidos islâmicos
começam a colher da revolução egípcia, o Hamás começa a mover-se com cautela,
mas com firmeza. O Hamás é “um movimento
jihadi da Fraternidade
Muçulmana, com rosto palestino” – disse Haniyeh no Cairo.
Rápido exame das
raízes da Fraternidade Muçulmana na Palestina mostra que Haniyeh não exagerou.
Desde que a Sociedade da Fraternidade Muçulmana foi fundada em Ismailia, Egito,
em 1928 por Hassan El-Banna e alguns outros, o grupo sempre encontrou, na causa
dos palestinos, o grito de convocação e a palavra de ordem em torno dos quais
reunir os muçulmanos de toda a região. O primeiro elo entre a Fraternidade e a
Palestina formou-se em 1935, quando Abdel-Rahman El-Banna (irmão do fundador)
visitou a Palestina e reuniu-se com o
mufti de Jerusalém, Haj
Amin Al-Husseini.
A Fraternidade
tornou-se visível na revolta de 1936, ao levar a mensagem palestina, com tom
islâmico, a todo o mundo árabe. A causa da Palestina rapidamente se converteu em
principal missão e palavra-de-ordem da Fraternidade, e o próprio Hassan El-Banna
chefiou o então recém fundado Comitê Geral Central de Ajuda à
Palestina.
Mais que isso. Em
abril de 1948, quando vários governos árabes demoravam para alistar-se na defesa
da Palestina, a Fraternidade Muçulmana organizou três batalhões de voluntários.
As estimativas do número de voluntários da Fraternidade Muçulmana na Palestina
durante a guerra e a Nakba variam, mas o próprio Hassan El-Banna
observou, em março de 1948, que cerca de 1.500 voluntários do movimento
combatiam na Palestina.
O relacionamento
entre a Fraternidade Muçulmana e a Palestina teve altos e baixos, mas os laços
jamais se romperam completamente. Mesmo antes de o Hamás ser oficialmente criado
em 1987, o movimento operou sob várias classificações, sempre diretamente
conectado à Fraternidade Muçulmana do Egito.
O recente encontro
no Cairo entre Haniyeh e Badie deve ser entendido nesse contexto histórico, uma
reunião triunfante e, possivelmente, para declarada coordenação. É um meio para
rejuvenescer mais uma vez a conexão com a Fraternidade na Palestina e para
assegurar ao Hamás maior apoio político, depois de anos de isolamento e apesar
do atual tumulto político na região.
Evidentemente, o
Hamás enfrenta muitos desafios. Dentre eles, o principal é hoje a violenta
escalada de Israel em Gaza e a correspondente pressão sempre forte dos EUA.
Mesmo assim, espera-se que a visão e a mensagem política do Hamás continuarão a
promover o equilíbrio entre a excepcionalidade da questão palestina e uma
inserção forte no contexto árabe e muçulmano.
Ao aventurar-se
para fora de Gaza, Haniyeh espera expandir o diâmetro do movimento islâmico
palestino na direção do Egito e além do Egito, construindo o que o Hamás já
declarou uma vez como seu objetivo: dar “profundidade estratégica” à causa
palestina. Não conseguiram em 2006. 2012 é ano novo.
Nota dos
tradutores
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