7/1/2012, Pepe Escobar, Al-Jazeera,
Qatar
Traduzido pelo
pessoal da Vila
Vudu
New York, New York –
Era uma vez, antigamente, quando preferiam Dubai – a Meca do contrabando. Agora,
o destino preferencial dos Talibã passará a ser Doha, Qatar.
E o
Talibã instalará um escritório político no Qatar [1], para poder manter negociações “com a comunidade
internacional”, nas palavras do porta-voz dos Talibã, Zabiullah Mujahid.
O presidente do
Afeganistão queria que o escritório fosse instalado ou na Turquia ou na Arábia
Saudita. O governo Obama apertou uns beliscões e Karzai teve de aceitar o Qatar.
Pior para a “soberania” do homem conhecido informalmente como “prefeito de
Kabul”.
O
porta-voz do Talibã, Zabiullah Mujahid, informou que está abrindo um escritório
político no Qatar
|
A operação Doha foi negócio, estritamente, dos EUA,
Alemanha, Qatar e “representantes” dos Talibã. Doha foi escolhida,
especificamente, pelo governo Obama. O conceito de recompensa esteve aí bem
visível – em nome da sólida, incondicional parceria que une o Qatar e a OTAN, a
qual, por falar nela, está sendo espetacularmente derrotada numa guerra, lá, no
Afeganistão.
Em ano de eleições
crucialmente importantes, a Casa Branca espera acumular alguns dividendos extras
na política externa, incluindo à mesa os Talibã (para um rico banquete de arroz
à moda Kabul no Ritz-Carlton, talvez?). Mas e quanto à história real, por trás
do alarido?
Aqueles drones, fora daqui!
Em matéria de sonhar
que é e crer que seja, nada vence o AfPak, no pensamento dos EUA. O wishful thinking reina. Washington só
fala de “discussões secretas entre os EUA e representantes dos Talibã”.
De fato, nem são
muito secretas. Washington queria que os Talibã renunciassem à luta armada. Os
Talibã responderam “Não”. Washington queria que os Talibã renunciassem a
qualquer tipo de laço com a al-Qaeda – e, em troca, todos os Talibã presos em
Guantánamo seriam libertados. Os Talibã responderam “Vamos conversar”.
Washington pensa-crê
que o escritório político em Doha de algum modo isolará o Paquistão, afastando-o
das lideranças Talibã. O mulá Omar, como todos os grãos de areia dos desertos do
Baloquistão sabem, vive em Quetta, onde não é perturbado pela vigilância ubíqua
dos EUA.
Islamabad não foi
consultada sobre o escritório em Doha, e Washington pressupõe que os serviços
secretos do Paquistão, ISI, não conheçam cada passo dos personagens envolvidos,
porque, dos Talibã, só monitorariam os seus próprios contatos fiéis.
Washington, muito
provavelmente, também subestimou Teerã. Os arquitetos da estratégia de Doha
parecem ter sido hipnotizados pela visão de Tom Cruise escalando o Burj Dubai,
no mais recente filme da série
Missão Impossível, para acreditarem que o Paquistão e o Irã
poderiam ser postos de lado, em qualquer tipo de acordo sobre o fim da guerra do
Afeganistão.
Moscou
– que tampouco foi ouvida – não está acreditando na estratégia de Doha. Nem
Pequim, como diz um especialista chinês em “Escritório dos Talibã no Qatar pode
ser um passo em direção à paz no Afeganistão, mas não é o fim da crise”
[2]. E com as relações EUA-Paquistão chegando a novos
fundos abismais do poço, depois de repetidas trapalhadas de Washington, o
porta-voz dos militares paquistaneses, general Athar Abbas, já definiu o tom:
“Doravante, exigiremos relacionamento muito formal, de
negócios.”
“As linhas estão
traçadas. Nada mais daquele ir e vir do passado, nada mais de interpretarem as
regras como bem entendam. Queremos relacionamento formal, com limites bem
claros”.
Tradução: Washington
pode dar adeus-para-sempre aos “ataques assinados” da guerra dos
aviões-robôs, drones, contra as
áreas tribais.
Nesse quadro,
inscreve-se a visita à China do comandante do exército do Paquistão – o qual,
até ontem, era queridinho do Pentágono. Tudo sugere que Pequim e
Islamabad/Rawalpindi já estão coordenando detalhadamente suas estratégias, em
relação ao que venha a acontecer em Doha.
Adeus “Missão
Impostor”
Fascinante será assistir à reação desses “enviados” dos
Talibã, quando virem o MIA – Museu de Arte Islâmica [3]
(blasfêmia?) projetado por I.M. Pei, em
Doha. Mas quem, exatamente, são eles?
Ora, pelo menos não
poderão comportar-se como completos impostores – como o suicida-bomba que matou
um ícone da política afegã, Burhanuddin Rabbani, em setembro de 2011, com bomba
escondida no turbante. Ou como o “negociador” Talibã falso que embolsou um
punhado de dólares da inteligência dos EUA e Grã-Bretanha, em 2010.
E quanto ao Supremo
Líder, o mulá Omar?
O mulá Omar não
está, exatamente, mandando comprar sua passagem para o próximo voo da Qatar Airways. Ao contrário: por ordem
dele, domingo passado os Talibã afegãos e paquistaneses constituíram um conselho
assessor da Shura, com cinco membros.
Principal decisão: o
Talibã-no-Paquistão não mais combaterá contra o exército paquistanês, nem com
suicidas-bombas nem com sequestros nas áreas tribais. Todo o poder de fogo dos
Talibã paquistaneses passa a mirar as tropas de ocupação de EUA/OTAN no
Afeganistão.
O recado do mulá
Omar foi claríssimo: “Minha palavra aos Talibã-no-Paquistão. Digo que vocês não
esqueçam que o real propósito é combater as forças invasoras no Afeganistão e
libertar o Afeganistão ocupado”.
Só um argumento
levaria o mulá Omar a formar uma frente unida no AfPak e lançar a undécima ofensiva de
verão contra EUA/OTAN: ter recebido, dos serviços secretos do Paquistão, a
promessa de que os Talibã-no-Paquistão não voltarão a ser atacados; e que o
Paquistão porá fim, absolutamente, aos ataques dos drones norte-americanos.
Portanto, se já há
uma frente unida dos Talibã no AfPak, pronta a controlar mais território afegão
em 2012, do que controlam hoje, o que fazem aqueles Talibã na trilha para
Doha?
Não há melhor pista
para conhecer as intenções dos Talibã que uma de suas declarações oficiais:
“Desde o início, a posição do Emirado Islâmico do Afeganistão sempre foi pôr fim
à invasão do Afeganistão e deixar que os afegãos estabeleçam lá o governo
islâmico que prefiram e que não ameace ninguém.”
Em idioma Talibã,
“que não ameace ninguém” significa: nada de abrigos seguros para a al-Qaeda no
Afeganistão. É o máximo que os EUA conseguirão – se, é claro, os Talibã presos
em Guantánamo forem postos em liberdade.
Quanto aos Talibã
que andarem pela trilha de Doha, serão os chamados “Talibã do bem” – delírio e
miragem que os EUA cultivam há anos. A maioria deles vive em Kabul, protegidos
pelo elaborado aparato
made-in-USA da segurança
de Karzai.
Fato é que não
existe um “movimento Talibã” monolítico. O que se conhece como “os Talibã” é uma
“coalizão de vontades” à moda dos pashtuns.
A rede Haqqani, por
exemplo, não tomará o avião para Doha. Mas a facção de Gulbuddin Hekmatyar –
através do genro do chefe – já está em conversações com gente da OTAN em Kabul.
Mais
uma vez, é instrutivo ouvir a voz oficial do Emirado Islâmico a propósito de
“negociações”: “Notícias inquietantes, divulgadas por agências noticiosas e
agentes ocidentais sobre negociações, nada têm de verdade e são enfaticamente
rejeitadas pelo Emirado Islâmico do Afeganistão” [4].
E há
ainda o fascinante caso do ex-comandante-em-chefe dos Talibã: mulá Mohammed Fazl
[5].
Os EUA o entregarão
em Kabul ou em Doha – direto de Guantánamo? De carniceiro dos hazaras xiitas no
Afeganistão a hóspede de Guantánamo e, em seguida, alto negociador islâmico –
eis a carreira do homem, ao longo das eras.
Tudo isso, se o mulá
Fazl for solto – e há aí um grande “se”. Já se percebe uma espécie de pânico em
Washington, bem visível nos repetidos desmentidos, segundo os quais não haveria
qualquer negociação que envolvesse a libertação de Talibãs presos em
Guantánamo.
Doha é o
Salve-Rainha. O governo Obama tinha de apresentar alguma coisa – afinal, em maio
próximo, haverá a Cúpula da OTAN em Chicago. A Eurozona está implodindo. 2012
será ano de agitação social
hardcore em toda a Europa
Ocidental. Ninguém mais tem estômago – para nem falar de dinheiro – para o
interminável “impasse” no AfPak.
Pelo menos, o
governo Obama não cometeu a estupidez estratégica gigante – alguém aí está
contando todas? – de iniciar uma guerra contra o
Paquistão.
Apostando em que
permanecerá no poder depois de novembro de 2012, o governo Obama sabe que
Washington terá de sair de lá em 2014.
O Pentágono
literalmente se mudará do Hindu Kush, para conseguir manter, pelo menos, algumas
bases do Comando Conjunto de Operações Militares [orig. Joint Special Operations Command
(JSOC)] no norte do Afeganistão, de onde possa monitorar China, Rússia e
Irã: é item crucial da doutrina de Dominação de Pleno Espectro [orig. Full Spectrum Dominance
doctrine].
O problema é que os
Talibã de modo algum admitirão que ali se instalem postos avançados permanentes
do Império de Bases dos EUA. A concessão máxima que farão é romper os laços que
os unem à al-Qaeda.
A Organização de
Cooperação de Xangai [orig. Shanghai
Cooperation Organisation (SCO)] quer solução afegã para o Afeganistão, com
apoio de todos os vizinhos. Os principais membros da SCO, Rússia e China, além
de Paquistão e Irã (ainda como membros observadores, mas em vias de tornarem-se
membros plenos), absolutamente não querem bases dos EUA na região. E se a SCO
conseguir o que quer, Washington terá de dar adeus à ideia de uma Nova Rota da
Seda.
Até 2014, Washington
ainda terá de enfrentar as novas regras que o Paquistão impôs às linhas de
suprimento, de Karachi para Chaman e para o Desfiladeiro Khyber; e as novas
regras que Moscou impôs à Rede de Distribuição do Norte [orig. Northern Distribution Network (NDN).
Nos dois casos, quanto mais grosso tenta fala, mais Washington se
autoderrota.
Depois de 2014,
absolutamente ninguém sabe ainda o que acontecerá. O mais provável é que o
Exército Nacional Afegão – constituído, na maioria, de tadjiques – controlará o
norte do Afeganistão, treinado e financiado pelos EUA. Essa ideia já começa a
circular em Washington, com as tropas americanas assumindo “papel de
aconselhamento”, já a partir de 2013.
Os Talibã – a
maioria dos quais são pashtuns – controlarão todo o arco do sudoeste ao sudeste
do país, com apoio do Paquistão e da Arábia Saudita.
Mas o
Pentágono continua obcecado com a ideia de manter um exército, por “emagrecido”
que seja [7], para
combater os Talibã... até o Juízo Final?
O que nos leva de
volta a Doha.
O governo Bush
invadiu o Afeganistão para arrancar de lá os Talibã. Arrancou, mas – imaginem! –
a missão não foi cumprida. Os Talibã estão de volta, em grande estilo. Hoje, o
governo Obama os convida, mais ou menos, para voltarem ao poder.
Os linhas-duras do
Pentágono absolutamente não suportam a ideia de Washington sair de Kabul, como
em versão remix de Saigon 1975 –
os helicópteros decolando, em fuga, do telhado da embaixada norte-americana. O
governo Obama tenta salvar as aparências. Os fiéis da igreja da Dominação de
Pleno Espectro querem suas bases. Nada está decidido, até que o último míssil
Hellfire cante – no Hindu Kush, não na agradável Doha.
Notas dos
tradutores
[2] 4/1/2011,
Xinuanet, Pequim, em:
“Taliban
Office in Qtar a step towards Afghan peace but not end of
crisis” (em inglês).
[6] “O fim, meu belo
amigo/bela amiga”. É verso de “The
End”, da banda The Doors (Jim Morrison), criada em 1965 (letra original e
traduzida e vídeo).
[7] Ver 6/1/2012, “O novo plano de Defesa de Obama: Drones, Operações Especiais e Ciberguerra”.
[7] Ver 6/1/2012, “O novo plano de Defesa de Obama: Drones, Operações Especiais e Ciberguerra”.
As consequências da assimetria nuclear
ResponderExcluirPor Sued Lima*
Na década de 70 do século passado, o Brasil desenvolvia secretamente seu programa nuclear para fins militares. Para assegurar-lhe recursos financeiros, estabelecera parceria com o Iraque, que bancava os elevados investimentos necessários em troca de acesso aos conhecimentos tecnológicos brasileiros. O responsável pelo programa na Aeronáutica era o tenente-coronel aviador José Alberto Albano do Amarante, engenheiro eletrônico formado pelo ITA.
Em outubro de 1981, Amarante foi atacado por uma leucemia arrasadora, que o matou em menos de duas semanas. Sua família tem como certo que o cientista foi morto pelos serviços secretos dos EUA e de Israel, com o objetivo de impedir a capacitação brasileira à produção de armas atômicas. Dando força às suspeitas, foi identificado um agente israelense do Mossad, de nome Samuel Giliad, atuando à época em São José dos Campos, que fugiu do país logo após a misteriosa morte do oficial brasileiro.
Tais fatos dão credibilidade às reiteradas denúncias do governo iraniano de que seus cientistas estão sendo alvo de atentados por parte dos serviços secretos estadunidense, britânico e israelense.
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Como previa o embaixador do Brasil na ONU, em 1968, José Augusto Araújo de Castro, quando atuou para impedir a adesão do Brasil ao TNP, o tratado é apenas um instrumento para perpetuar o poder das grandes potências.
*Sued Lima - Coronel Aviador Ref e pesquisador do Observatório das Nacionalidades
CONTINUA EM
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