quinta-feira, 26 de janeiro de 2012

Sobre “State of the Union” (SOTU), 2012 (3): A influência de “Occupy”no discurso de Obama


Allison Kilkenny


25/1/2012, Allison Kilkenny, In These Times
Traduzido pelo pessoal da Vila Vudu


A desigualdade de renda foi um dos temas centrais do discurso “Estado da União” do presidente Obama ontem à noite. Como escrevi ontem (24/1/2012) [1], o fato de os políticos falarem abertamente sobre “classes” nos EUA – país quase absurdamente orgulhoso do fato de que seus cidadãos não discutam relações de classe – é um dos maiores triunfos do movimento Occupy Wall Street e outros grupos focados da desigualdade econômica.

Obama disse que a justiça econômica é “a questão definitória de nosso tempo” e acrescentou que “podemos nos conformar com ser país no qual um número cada vez menor de pessoas vive realmente bem, ou podemos recuperar uma economia na qual todos têm chance justa, todos fazem sua parte justa e todos jogam conforme o mesmo conjunto de regras.”

Essa mensagem de igualdade tem estado no coração do movimento Occupy Wall Street desde o primeiro dia, e os levantes por toda a parte ofereceram o quadro no qual o presidente pôde afinal ser específico sobre sua proposta de uma “Regra Buffet” [2]: “todos que ganhem mais de um milhão por ano terão de pagar no mínimo 30% de impostos”. E, o presidente continuou “todos que ganhem menos de 250 mil dólares por ano” – caso de 98% das famílias norte-americanas – “não terão aumentos de impostos”.

O presidente lançou sem medo a expressão proibida – estratégia bem clara que mostra que a maré de demagogia mudou.

No passado, os Democratas fugiam assustados de qualquer referência à luta de classes. No discurso de ontem, Obama encarou valentemente o tema: “Podem chamar de luta de classes, chamem como quiserem” – disse Obama. E continuou, antecipando a reação dos Republicanos: “Mas pedir a um bilionário que pague de impostos, no mínimo o que sua secretária paga [não é pedir demais]. A maioria dos norte-americanos chamariam isso de senso comum”. [3]

O discurso da noite passada marcou o momento em que o presidente afinal entrou em sintonia com a maioria do povo dos EUA, que exige impostos mais altos sobre a riqueza.

Mas o tema genérico do discurso State of the Union (SOTU) 2012 foi curioso. Por um lado, Obama aceitou o papel de combatente relutante na luta de classes, e exigiu uma nova era de responsabilização das corporações. Ainda falta saber o quanto, dessa “exigência” algum dia será convertido em lei. Ou se Obama limitou-se a solicitar, em tom super polido, que as corporações, por favor, se não for incômodo, não exportem postos de trabalho e, se não for exigir demais, paguem seus impostos.

Seja como for, a retórica de Obama soou firme, sim. Mas, por outro lado, ele pediu repetidas vezes que o Congresso se una na mesma luta, um Congresso no qual praticamente todos são milionários que, se aprovarem a Lei Buffett, terão de pagar mais impostos. E isso sem nem lembrar que todos os milionários eleitos para o Congresso, caso aprovem a Lei Buffet, também correrão o risco de perderem o apoio de outros milionários doadores de dinheiro para campanhas eleitorais, os quais também passarão a pagar mais impostos.

Eis o perigo de eleger milionários e dar a eles a missão de traçar políticas econômicas. Eles sempre tenderão a puxar a brasa para a sardinha deles.

O que os Occupiers temem é que, sim, o Congresso provavelmente se unirá. Mas aquela frente unida estará em oposição direta aos 99%. 

Ontem mesmo o movimento Occupy respondeu ao discurso de Obama. A mensagem abaixo foi lida no Microfone do Povo: as linhas eram ditas por um leitor e repetidas várias vezes, nas ondas de manifestantes, para que todos ouvissem (e falassem).

Na resposta, o movimento Occupy reafirma seu compromisso com lutar contra a desigualdade econômica. Não há qualquer referência ao presidente Obama – sinal de que o movimento Occupy ainda não está interessado em envolver-se diretamente na campanha eleitoral nem se vê como ator do sistema político-eleitoral nos EUA.



Checando o microfone! [Checando o microfone!] Checando o microfone! [Checando o microfone!]

Companheiros americanos, boa noite! [Companheiros americanos, boa noite!]

Somos homens e mulheres dos 99% 

Muitos de nós vivemos há meses no movimento Occupy Wall Street

e em outras Ocupações por todo o país e em todo o mundo 

Estamos aqui hoje para relatar o estado dos 99% dos EUA 

Claro, muitos norte-americanos conhecem bem o estado dos 99% nos EUA 

Mas às vezes o 1%, em Wall Street e em Washington, precisa ser reinformado 

Financeiramente, o estado dos 99% não é firme.

E isso é dizer pouco.

Nunca, em toda a nossa vida, tantos trabalhadores norte-americanos enfrentaram tantas e tão graves dificuldades, tantas incertezas, tantas indignidades.

Para alguns de nós, as coisas têm sido ainda mais difíceis que para outros.

E viver pelas praças no inverno não é piquenique.

Mas não desistimos e não desistiremos.

Nossa inspiração são os valentes norte-americanos que vieram antes de nós.

Desde o Dr. King, que deu a vida à luta pela justiça econômica.

Desde as Suffragettes, que insistiram em fazer ouvir a voz das mulheres.

Desde todos aqueles valentes ou loucos o suficientes para acreditar que a ideia que define os EUA é clara: democracia.

Que todos nascemos iguais.

Que todos temos voz igual para modelar as leis que nos regem.

EUA, sejamos honestos. Quando os tribunais decidem que empresas têm mais direito de falar que nós, o povo, não há democracia.

Quando spray de pimenta e ataques policiais na calada da noite zombam da lei declarada na 1ª. Emenda, e não respeitam o direito de reunião e manifestação, não há democracia.

Quando fraudar clientes, explodir a economia nacional, forjar milhares de documentos e tomar ilegalmente a casa de milhares de famílias não é crime, mas protestar contra tudo isso é crime, não há democracia.

Nossos EUA não são democracia. Ainda não são.

Todos sabemos por quê: porque Wall Street manda em Washington.

Subornar é legal. As leis sob as quais vivemos autorizam a vender ao corruptor que pague a maior propina.

Por isso nossos governos servem aos ricos e poderosos, à custa de todos os demais. 

Nossas leis protegem os bônus pagos a banqueiros e a executivos de Wall Street, mas não protegem o direito de o trabalhador viver em sua casa; protegem os paraísos fiscais para garantia dos muito ricos, enquanto, aqui, as pontes, as escolas e toda a infraestrutura caem aos pedaços.

Houve períodos sombrios na história dos EUA, quando a corrupção foi regra e muitas injustiças cresceram como obstáculos, no caminho que poderia levar os EUA a realizar seus melhores ideais.

Mas cada vez e sempre, os norte-americanos nos levantamos, para retomar para nós o nosso governo e corrigir nosso rumo.

Hoje, o movimento Occupy Wall Street e o movimento dos 99% retoma essa tradição que é motivo de orgulho para os norte-americanos.

Mas nada temam, 1%!

Não estamos aqui só para ajudar os 99% à custa do 1%.

Estamos aqui também para ajudar vocês.

Porque quando vocês supõem que jogar sujo passaria como se fosse jogo limpo, 

Quando veem o trabalhador norte-americano como quem não mereceria vida melhor, nem mereceria os benefícios que ele mesmo cria com o seu trabalho, 

Quando ameaçam e desrespeitam o povo que ergue os prédios onde vocês vivem e servem a mesa onde vocês comem e educam os filhos de vocês e cuidam da segurança da casa onde vocês dormem, vocês não perderam só o contato com a nossa humanidade; vocês perderam o contato, também, com a humanidade de vocês mesmos.

É preciso que vocês reencontrem a humanidade que perderam, para o bem de todos. 

Democracia real fará muito bem também a vocês.

Somos os 99%.

Aqui estamos para criar a democracia que prometeram a todos nós.

Somos os 99%.

Estamos mal de dinheiro, mas nosso espírito é forte.

Somos os 99%.

Nossa primavera está chegando.




Notas dos tradutores
[2]  A “Lei Buffett” é um projeto de lei e plano que Obama propôs em 2011, para reduzir a desigualdade fiscal nos EUA entre o 1% mais rico e os restantes 99% dos norte-americanos, por causa do crescimento desproporcional da renda do grupo 1% em comparação com os 99%. O plano recebeu o nome de Warren Buffett, que dissera, em 2011, não concordar com que sua secretária pagasse mais impostos que ele. Essa secretária de Buffet, que o acompanha há muitos anos, Debbie Bosanek, estava sentada ontem na primeira fila, ao lado de Michelle Obama, e foi longamente mostrada, aplaudindo vários pontos do discurso, nas imagens de televisão
[3]  O discurso pode ser lido na íntegra (em inglês) em: State Of The Union” (SOTU)  

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