Allison Kilkenny |
25/1/2012, Allison Kilkenny, In These Times
Traduzido
pelo pessoal da Vila
Vudu
A desigualdade de renda foi um dos temas
centrais do discurso “Estado da União” do presidente Obama ontem à noite. Como
escrevi ontem (24/1/2012) [1], o
fato de os políticos falarem abertamente sobre “classes” nos EUA – país quase
absurdamente orgulhoso do fato de que seus cidadãos não discutam relações de
classe – é um dos maiores triunfos do movimento Occupy Wall Street e outros grupos
focados da desigualdade econômica.
Obama
disse que a justiça econômica é “a questão definitória de nosso tempo” e
acrescentou que “podemos nos conformar com ser país no qual um número cada vez
menor de pessoas vive realmente bem, ou podemos recuperar uma economia na qual
todos têm chance justa, todos fazem sua parte justa e todos jogam conforme o
mesmo conjunto de regras.”
Essa mensagem de igualdade tem estado no coração do
movimento Occupy Wall Street desde o
primeiro dia, e os levantes por toda a parte ofereceram o quadro no qual o
presidente pôde afinal ser específico sobre sua proposta de uma “Regra
Buffet” [2]:
“todos que ganhem mais de um milhão por ano terão de pagar no mínimo 30% de
impostos”. E, o presidente continuou “todos que ganhem menos de 250 mil dólares
por ano” – caso de 98% das famílias norte-americanas – “não terão aumentos de
impostos”.
O
presidente lançou sem medo a expressão proibida – estratégia bem clara que
mostra que a maré de demagogia mudou.
No passado, os Democratas fugiam assustados de qualquer
referência à luta de classes. No discurso de ontem, Obama encarou valentemente o
tema: “Podem chamar de luta de classes, chamem como quiserem” – disse Obama. E
continuou, antecipando a reação dos Republicanos: “Mas pedir a um bilionário que
pague de impostos, no mínimo o que sua secretária paga [não é pedir demais]. A
maioria dos norte-americanos chamariam isso de senso comum”. [3]
O
discurso da noite passada marcou o momento em que o presidente afinal entrou em
sintonia com a maioria do povo dos EUA, que exige impostos mais altos sobre a
riqueza.
Mas
o tema genérico do discurso
State of the Union (SOTU)
2012 foi curioso. Por um lado, Obama aceitou o papel de combatente
relutante na luta de classes, e exigiu uma nova era de responsabilização das
corporações. Ainda falta saber o quanto, dessa “exigência” algum dia será
convertido em lei. Ou se Obama limitou-se a solicitar, em tom super polido, que
as corporações, por favor, se não for incômodo, não exportem postos de trabalho
e, se não for exigir demais, paguem seus impostos.
Seja
como for, a retórica de Obama soou firme, sim. Mas, por outro lado, ele pediu
repetidas vezes que o Congresso se una na mesma luta, um Congresso no qual
praticamente todos são milionários que, se aprovarem a Lei Buffett, terão de
pagar mais impostos. E isso sem nem lembrar que todos os milionários eleitos
para o Congresso, caso aprovem a Lei Buffet, também correrão o risco de perderem
o apoio de outros milionários doadores de dinheiro para campanhas eleitorais, os
quais também passarão a pagar mais impostos.
Eis
o perigo de eleger milionários e dar a eles a missão de traçar políticas
econômicas. Eles sempre tenderão a puxar a brasa para a sardinha deles.
O
que os Occupiers temem é que, sim, o Congresso
provavelmente se unirá. Mas aquela frente unida estará em oposição direta aos
99%.
Ontem
mesmo o movimento Occupy respondeu ao
discurso de Obama. A mensagem abaixo foi lida no Microfone do Povo: as linhas
eram ditas por um leitor e repetidas várias vezes, nas ondas de manifestantes,
para que todos ouvissem (e falassem).
Na
resposta, o movimento Occupy reafirma
seu compromisso com lutar contra a desigualdade econômica. Não há qualquer
referência ao presidente Obama – sinal de que o movimento Occupy ainda não está interessado em
envolver-se diretamente na campanha eleitoral nem se vê como ator do sistema
político-eleitoral nos EUA.
Checando
o microfone! [Checando o microfone!] Checando o microfone! [Checando o
microfone!]
Companheiros
americanos, boa noite! [Companheiros americanos, boa
noite!]
Somos
homens e mulheres dos 99%
Muitos
de nós vivemos há meses no movimento Occupy Wall Street
e
em outras Ocupações por todo o país e em todo o mundo
Estamos
aqui hoje para relatar o estado dos 99% dos EUA
Claro,
muitos norte-americanos conhecem bem o estado dos 99% nos EUA
Mas
às vezes o 1%, em Wall Street e em
Washington, precisa ser reinformado
Financeiramente,
o estado dos 99% não é firme.
E
isso é dizer pouco.
Nunca,
em toda a nossa vida, tantos trabalhadores norte-americanos enfrentaram tantas e
tão graves dificuldades, tantas incertezas, tantas
indignidades.
Para
alguns de nós, as coisas têm sido ainda mais difíceis que para
outros.
E
viver pelas praças no inverno não é piquenique.
Mas
não desistimos e não desistiremos.
Nossa
inspiração são os valentes norte-americanos que vieram antes de
nós.
Desde
o Dr. King, que deu a vida à luta pela justiça econômica.
Desde
as Suffragettes, que insistiram em
fazer ouvir a voz das mulheres.
Desde
todos aqueles valentes ou loucos o suficientes para acreditar que a ideia que
define os EUA é clara: democracia.
Que
todos nascemos iguais.
Que
todos temos voz igual para modelar as leis que nos regem.
EUA,
sejamos honestos. Quando os tribunais decidem que empresas têm mais direito de
falar que nós, o povo, não há democracia.
Quando spray de pimenta e ataques policiais na calada da
noite zombam da lei declarada na 1ª. Emenda, e não respeitam o direito de
reunião e manifestação, não há democracia.
Quando
fraudar clientes, explodir a economia nacional, forjar milhares de documentos e
tomar ilegalmente a casa de milhares de famílias não é crime, mas protestar
contra tudo isso é crime, não há democracia.
Nossos
EUA não são democracia. Ainda não são.
Todos
sabemos por quê: porque Wall Street
manda em Washington.
Subornar
é legal. As leis sob as quais vivemos autorizam a vender ao corruptor que pague
a maior propina.
Por
isso nossos governos servem aos ricos e poderosos, à custa de todos os
demais.
Nossas
leis protegem os bônus pagos a banqueiros e a executivos de Wall Street, mas não protegem o direito
de o trabalhador viver em sua casa; protegem os paraísos fiscais para garantia
dos muito ricos, enquanto, aqui, as pontes, as escolas e toda a infraestrutura
caem aos pedaços.
Houve
períodos sombrios na história dos EUA, quando a corrupção foi regra e muitas
injustiças cresceram como obstáculos, no caminho que poderia levar os EUA a
realizar seus melhores ideais.
Mas
cada vez e sempre, os norte-americanos nos levantamos, para retomar para nós o
nosso governo e corrigir nosso rumo.
Hoje,
o movimento Occupy Wall Street e o
movimento dos 99% retoma essa tradição que é motivo de orgulho para os
norte-americanos.
Mas
nada temam, 1%!
Não
estamos aqui só para ajudar os 99% à custa do 1%.
Estamos
aqui também para ajudar vocês.
Porque
quando vocês supõem que jogar sujo passaria como se fosse jogo limpo,
Quando
veem o trabalhador norte-americano como quem não mereceria vida melhor, nem
mereceria os benefícios que ele mesmo cria com o seu trabalho,
Quando
ameaçam e desrespeitam o povo que ergue os prédios onde vocês vivem e servem a
mesa onde vocês comem e educam os filhos de vocês e cuidam da segurança da casa
onde vocês dormem, vocês não perderam só o contato com a nossa humanidade; vocês
perderam o contato, também, com a humanidade de vocês
mesmos.
É
preciso que vocês reencontrem a humanidade que perderam, para o bem de
todos.
Democracia
real fará muito bem também a vocês.
Somos
os 99%.
Aqui
estamos para criar a democracia que prometeram a todos
nós.
Somos
os 99%.
Estamos
mal de dinheiro, mas nosso espírito é forte.
Somos
os 99%.
Nossa
primavera está chegando.
Notas dos tradutores
[2]
A
“Lei Buffett” é um
projeto de lei e plano que Obama propôs em 2011, para reduzir a desigualdade
fiscal nos EUA entre o 1% mais rico e os restantes 99% dos norte-americanos, por
causa do crescimento desproporcional da renda do grupo 1% em comparação com os
99%. O plano recebeu o nome de Warren Buffett, que dissera, em 2011, não
concordar com que sua secretária pagasse mais impostos que ele. Essa secretária
de Buffet, que o acompanha há muitos anos,
Debbie Bosanek, estava sentada ontem na primeira fila, ao lado de
Michelle Obama, e foi longamente mostrada, aplaudindo vários pontos do discurso,
nas imagens de televisão
Nenhum comentário:
Postar um comentário
Registre seus comentários com seu nome ou apelido. Não utilize o anonimato. Não serão permitidos comentários com "links" ou que contenham o símbolo @.