Pepe Escobar |
20/1/2012, Pepe
Escobar, Asia Times Online
Traduzido pelo
pessoal da Vila Vudu
Não
há como entender o affair EUA-Irã, psicodrama maior que a vida, o
ímpeto ocidental para mudar os regimes de Síria e Irã e os padecimentos e
atribulações da(s) Primavera(s) Árabe(s) – já ameaçada(s) de inverno perpétuo –
sem examinar de perto a atração fatal entre Washington e o Conselho de
Cooperação do Golfo (CCG). [1]
O Conselho de Cooperação do Golfo
(CCG), clube de seis ricas monarquias do Golfo Persa (Arábia Saudita, Qatar,
Omã, Kuwait, Bahrain e os Emirados Árabes Unidos, EAU), foi fundado em 1981 e
imediatamente configurado como principal quintal estratégico dos EUA para as
invasões do Afeganistão em 2001 e do Iraque em 2003, para a longa batalha no
Novo Grande Jogo na Eurásia, e, também, como quartel-general para “conter” o
Irã.
A 5a. Frota dos EUA está
estacionada no Bahrain e o quartel-general avançado do Comando Central (Centcom)
dos EUA está localizado no Qatar; o Centcom policia nada menos de 27 países, do
Chifre da África à Ásia Central – que o Pentágono, até recentemente definia como
“o arco de instabilidade”. Em resumo, o Conselho de Cooperação do Golfo é como
um porta-aviões dos EUA no Golfo, ampliado para dimensões de Star Trek.
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Prefiro falar do CCG como Clube Contrarrevolucionário do Golfo – por
causa da performance destacada que teve na supressão da democracia no mundo
árabe, desde antes de Mohammed Bouazizi atear fogo ao próprio corpo na Tunísia
há mais de um ano.
Na linha de Orson Welles em Cidadão Kane, o Rosebud do CCG é que
a Casa de Saud só vende seu petróleo em troca de dólares dos EUA – daí a
proeminência do petrodólar – e, em troca disso, recebe apoio militar e político
massivo e incondicional dos EUA. Além disso, os sauditas impedem que a
Organização dos Países Exportadores de Petróleo (OPEC) – afinal, a Arábia
Saudita é o maior produtor mundial de petróleo – faça preço e venda petróleo
numa cesta de moedas. Assim, esses rios de petróleo fluem diretamente para
comprar produtos financeiros à venda na bolsa dos EUA e para os papéis do
Tesouro dos EUA.
Durante décadas, todo o planeta
viveu como refém dessa atração fatal. Até agora.
Quero todos os seus
brinquedos!
O Conselho de Cooperação do Golfo
é, essencialmente, o núcleo duro do império no mundo árabe. Sim, trata-se
essencialmente de petróleo; o Conselho de Cooperação do Golfo será responsável
por mais de 25% da produção global de petróleo nas décadas imediatamente
futuras. Aquela microscópica classe dominante – as monarquias e seus sócios
comerciais – opera como um anexo crucialmente decisivo para que o poder dos EUA
se projete pelo Oriente Médio e adiante.
Golfo Pérsico - Militarização (clique na imagem para ampliar) |
Isso explica, dentre outros
fatores, por que em outubro do ano passado Washington fechou sumarento negócio
de US$67 bilhões – o maior negócio bilateral na história dos EUA – para
abastecer a Casa de Saud com monumental coleção de flamantes modelos F-15s, Black Hawks, Apaches, bombas
explode-bunker, mísseis Patriot-2 e navios de guerra último
tipo.
Isso explica por que Washington
encheu os arsenais dos Emirados Árabes Unidos com milhares de bombas
explode-bunker; e os arsenais de Omã, com mísseis Stinger. Para nem falar de outro mega
sumarento mega negócio – deUS$ 53 bilhões – com o Bahrain, que só não está ainda
assinado porque organizações de direitos humanos – diga-se a favor delas –
denunciaram ferozmente o negócio.
E há também o deslocamento – ou, em
idioma do Pentágono, o “reposicionamento” – de 15 mil soldados dos EUA, do
Iraque para o Kuwait.
A justificativa para toda essa
orgia armamentista nos é impingida pela lógica suspeita de sempre: seria
necessário construir uma “coalizão de vontades” para “conter” o Irã. Por que o
Irã? Meio-piada, meio a sério: porque o Irã não faz parte do Conselho de
Cooperação do Golfo – quer dizer, porque já não é satrapia subserviente dos EUA,
como antigamente, naqueles bons velhos tempos do Xá.
Adam
Hanieh, professor de estudos do desenvolvimento na School of Oriental and African Studies
(SOAS) em Londres, e autor de
Capitalism and Class in the Gulf Arab States [Capitalismo e Classes nos Estados Árabes do
Golfo] foi dos poucos analistas globais que se empenhou em decodificar a
centralidade do Conselho de Cooperação do Golfo na estratégia imperial. Em
entrevista radicalmente importante, alinha o que é preciso saber. E não é
bonito. [2]
Como Asia Times Online tem documentado extensamente, a Primavera
Árabe morreu, praticamente, quando o Conselho de Cooperação do Golfo entrou em
cena. Em Omã, o sultão Qaboos basicamente distribuiu montanhas de dinheiro. Na
Arábia Saudita, houve feroz prevenção e repressão hardcore sustentada, na província do Leste, de
maioria xiita, próxima do Bahrain, e província onde está o petróleo dos
sauditas.
E no próprio Bahrain, houve não só
repressão violentíssima – com prisões e tortura documentadas de centenas de
manifestantes pró-democracia – mas o país foi invadido por soldados e tanques da
Arábia Saudita e dos Emirados Árabes Unidos.
A invasão talvez tenha dado ao
Conselho de Cooperação do Golfo o prazer adocicado da expansão territorial. O
Marrocos e a Jordânia – embora, em termos geográficos básicos, não estejam no
Golfo – foram “convidados” a participar do clube dos ricos: afinal, são também
monarquias sunitas reacionárias como se exige; não são repúblicas árabes
seculares “decadentes” como Líbia e Síria.
Questão interessante é por que a
Primavera Árabe não irrompeu na Jordânia – uma vez que o mesmo vulcão
socioeconômico que entrou em erupção na Tunísia e no Egito é ativo também na
Jordânia. A parte chave da resposta é que o Conselho de Cooperação do Golfo –
ainda mais que Washington, capitais europeias e Israel – vive sob medo pânico de
que o trono hashemita seja derrubado.
Para a imensa riqueza do CCG, é
facílimo controlar a Jordânia – país pequeno, onde a maior parte da população é,
de fato, de palestinos, com oposição mínima (não é surpresa: a inteligência
jordaniana prendeu ou matou todos os dissidentes). O que gasta para manter essa
situação é dinheiro de bolso para o Conselho de Cooperação do Golfo, se
comparado aos bilhões de dólares destinados a Egito e Tunísia, para que ninguém
ali se atreva a tornar-se democrático “demais”.
Não havia outra via, para o
Conselho de Cooperação do Golfo, além de converter-se em Central da
Contrarrevolução, depois da onda democrática inicial que varreu o Norte da
África. Como Hanieh destaca, as massas empobrecidas no Oriente Médio/Norte da
África [ing. MENA (Middle
East-Northern Africa] jamais preocuparam os autocratas reinantes no
Golfo.
A culminação desse processo foi o
nascimento de uma nova monstruosidade geopolítica – OTANCCG ou CCGOTAN, na qual
se corporificou o papel central que Qatar e os Emirados Árabes Unidos tiveram na
invasão – e destruição – da Líbia, pela OTAN. A Líbia foi “operação especial” do
CCG – do dinheiro vivo e armas entregues diretamente aos “rebeldes”, aos agentes
treinados e à inteligência e por fim, mas não menos importante, à legitimação
política (que obtiveram num arremedo de votação na Liga Árabe, para conseguir
que a ONU aprovasse a implantação de uma zona aérea de exclusão; nesse arremedo
de votação só 22 membros da Liga Árabe votaram “sim”; e, desses, seis eram
membros do CCG; os outros três outros votos foram comprados; e Síria e Argélia
votaram “não”).
A piada trágica mãe de todas as
piadas trágicas vem agora: o CCG está tentando intervir e, de fato, já financia
os sunitas fundamentalistas extremistas na Síria, que aparecem travestidos como
manifestantes pró-democracia. Quando o débil secretário-geral da ONU Ban Ki-moon
conclama o presidente Bashar al-Assad a pôr fim à violência contra manifestantes
sírios e diz que acabou o tempo das dinastias e ditaduras de um só homem no
mundo árabe, ele crê, obviamente, que o Conselho de Cooperação do Golfo seja
colônia instalada num dos anéis de Saturno.
Depois que venceu na Líbia, o
monstro CCGOTAN ganhou ímpeto. A estratégia do CCG de mudança de regime na Síria
foi selecionada porque pareceu ser a melhor para enfraquecer o Irã e o chamado
“crescente xiita” – ficção inventada durante o governo de George W Bush, pelo
reizinho de Playstation da Jordânia e
pela Casa de Saud.
O que nos leva a uma pergunta
inevitável: e o que os dois principais BRICS – Rússia e China – estão fazendo em
relação a tudo isso?
E entra o dragão!
O imensamente poderoso secretário do Conselho Nacional
de Segurança da Rússia e ex-chefe da FSB (sucessora da KGB), Nikolai Patrushev –
que visita frequentemente o Irã – já alertou sobre “o perigo real” de os EUA
atacarem o Irã; os EUA, diz ele, “querem converter o Irã, de inimigo, em
parceiro apoiador; e, para conseguir isso, o plano é mudar o atual regime, pelos
meios necessários.” [3]
Para
a Rússia, mudança de regime no Irã é questão “não-não”. O vice-primeiro ministro
da Rússia e ex-enviado à OTAN, Dmitry Rogozin, já declarou, sem meias palavras:
“o Irã é nosso vizinho próximo, logo ao sul do Cáucaso. Se algo acontecer ao
Irã, se o Irã for arrastado a dificuldades políticas e militares, o que
acontecer ali ameaçará diretamente nossa segurança nacional”. [4]
O que implica que, de um lado,
temos Washington, OTAN, Israel e o CCG. Não se pode chamar de “comunidade
internacional” como diz o coro de especialistas nos jornais. E, do outro lado,
temos Irã, Síria, um Paquistão-já-farto-das- conversas-de-Washington,
Rússia, China e vários dos 120 países reunidos no Movimento dos Não Alinhados
[ing. Non-Aligned Movement
(NAM)].
A posição da China frente ao CCG
provoca deslumbramento, suprema fascinação. O primeiro-ministro chinês Wen
Jiabao acaba de visitar os três países chave do Conselho de Cooperação do Golfo
– Arábia Saudita, Emirados Árabes Unidos e Qatar.
Imaginem Wen Jiabao a dizer, ao
Príncipe Coroado Nayef (meio irmão do rei Abdullah), em Riad, que Pequim deseja
que “empresas chinesas fortes e de sólida reputação” invistam fortunas em
portos, estradas e no desenvolvimento da infra-estrutura na Arábia Saudita –
como parte de uma “cooperação ampliada”, para enfrentar tendências regionais e
internacionais complexas e mutáveis”. Imaginem Nayef salivando por baixo daquele
poderoso bigode, reafirmando que a Casa de Saud, sim, sim, deseja “expandir a
cooperação” em energia e infraestrutura.
O que acrescenta tempero à mistura
é que Pequim também mantém relacionamento estratégico com o Irã – e saudável
relacionamento comercial com a Síria. Assim sendo, no que tenha a ver com o
Oriente Médio e a Ásia Central, Pequim está apostando – diferente do Pentágono –
num verdadeiro “arco de estabilidade”.
Como a agência Xinhua noticiou,
naquele estilo amplamente inclusivo que não tem rival no mundo, o que interessa
à liderança em Pequim é que China, sudoeste asiático e Ásia Central tirem “pleno
proveito de suas potencialidades respectivas e busquem, juntas, o
desenvolvimento comum”. Por que, diabos, Washington nunca aparece com ideia
simples assim?
É verdade que quem domine o
Conselho de Cooperação do Golfo – com armas e apoio político – projeta
globalmente o próprio poder. O Conselho de Cooperação do Golfo tem sido
absolutamente decisivo para a hegemonia dos EUA dentro do que Immanuel
Wallerstein define como sistema-mundo.
Passemos os olhos por alguns
números. Desde o ano passado, a Arábia Saudita exporta mais petróleo para a
China que para os EUA – parte de um processo inexorável pelo qual as exportações
de bens e energia dos países do CCG estão-se mudando para a Ásia.
Ano que vem, com o petróleo a
$70/barril, o CCG acumulará $3,8 trilhões em recebimentos estrangeiros. Com a
infindável “tensão” no Golfo Persa, nada sugere, no futuro próximo, que o
petróleo seja vendido a menos de $100. Nesse caso, os recebimentos com que o CCG
contará alcançarão espantosos $5,7 trilhões – 160% a mais que antes da crise de
2008, e mais de $1 trilhão acima das reservas chinesas em moeda
estrangeira.
Simultaneamente, a China estará
fazendo mais negócios com o GCC. O GCC está importando mais da Ásia – embora a
principal fonte de importações ainda seja a União Europeia. E o comércio entre
EUA e o CCG está encolhendo. Em 2025, a China estará importando três
vezes mais petróleo do CCG, que os EUA. Claro que a Casa de Saud está – para não
exagerar – loucamente entusiasmada com Pequim.
No momento, vê-se
predomínio militar do CCGOTAN e, em termos geopolíticos, do CCGEUA. Mas antes do
que se supõe Pequim pode chegar ao ouvido da Casa de Saud e sussurrar “E se eu
lhe pagar por esse petróleo, em Yuan?”. A China já compra petróleo e gás
iranianos em Yuan. Quem sabe... petroyuan, em vez de petrodólar? Quem
sabe? Afinal, sim, pode ser Star
Trek.
Notas dos
tradutores
[1] 18/1/2012. Pepe Escobar “O mito do Irã isolado”, Ásia Times
& Tom Dispatch
[2] LEWIS, Ed & HANIEH, Adam (entrevista) sobre
Capitalism and Class in the Gulf Arab
States, New Left
Project,
[3] 14/1/2012 MK
Bhadrakumar; “A avaliação dos russos: “Já se vê no
horizonte uma nova guerra dos EUA no Oriente
Médio”
[4] 15/1/2012, Washington ’s blog: Rússia:
“Shoud Anything Happen to Iran ... This Will Be a Direct Threat
to our National Security”
Desculpa minha ignorância total, apesar de acompanhar diariamente as traduções. Porque o colunista sita expressamente Star Trek neste jogo complexo da china no Oriente Médio? Poderiam me explicar. Obrigado
ResponderExcluirPrezado Brunno
ExcluirO colunista usou a expressão no sentido de "ficção"... ou "será que pode acontecer?".
Abraço
Castor