Patrick Cockburn |
27/11/2011, Patrick
Cockburn, The Independent,
UK
Traduzido
pelo pessoal da Vila
Vudu
Washington não se cansa de denunciar o Irã como fonte de quase todo o mal no Oriente Médio. Arábia Saudita e seus aliados sunitas veem a mão tenebrosa de Teerã por trás dos protestos no Bahrain e na Província Leste da Arábia Saudita, rica em petróleo. Dado que as últimas forças dos EUA devem estar fora do Iraque ao final do ano, já se diz também que há a ameaça de o Iraque ser convertido em peão dos iranianos.
Essa
demonização do Irã parece estar construindo o cenário para um ataque militar
contra o país, que virá dos EUA ou de Israel ou de ambos. A construção de
propaganda é muito semelhante à que se viu contra Saddam Hussein do Iraque em
2002. Nos dois casos, um estado isolado, com recursos limitados é apresentado
como perigo real para a região e para o mundo.
Teorias
conspiracionais, não raras vezes cômicas têm recebido o aval de credibilidade do
estado norte-americano, como no caso do suposto complô em que um vendedor de
carros iraniano-norte-americano do Texas, estaria a serviço dos Guardas
Revolucionários Iranianos, para assassinar o embaixador saudita em Washington. O
programa nuclear iraniano é apresentado como ameaça, exatamente como as
inexistentes armas de destruição em massa que Saddam Hussein teria armazenado, e
armas que, como depois se viu, nunca existiram.
Nesse contexto, houve susto generalizado quando um
conhecido e respeitado advogado egípcio-norte-americano, Cherif Bassiouni, que
presidiu a Comissão Independente do Bahrain que investigou os levantes do início
do ano, declara, sem meias palavras, em relatório de 500 páginas divulgado
semana passada, que não há qualquer prova de qualquer tipo de envolvimento do
Irã nos eventos do Bahrain [1]. A família real do Bahrain e os monarcas do Golfo não
têm nem admitem qualquer dúvida de que, sim, os xiitas iranianos estiveram por
trás do levante popular no Bahrain. O medo de uma intervenção militar iraniana
foi a justificativa que o Bahrain apresentou para enviar pesada força militar
saudita, de 1.500 soldados armados e tanques, que, dia 14 de março passado,
atacou furiosamente os manifestantes nas ruas do Bahrain. O Bahrain conseguiu
até que navios de guerra do Kuwait passassem a patrulhar as costas da ilha, como
medida para impedir que o Irã tentasse entregar armas aos manifestantes xiitas
pró-democracia.
Não
vale a pena duvidar de que os reis e emires do golfo creem sinceramente em suas
próprias teorias conspiracionais. Muitos dos que foram torturados durante a
brutal repressão no Bahrain já repetiram inúmeras vezes que os torturadores
insistiam em perguntar sobre suas relações com o Irã. Médicos de meia idade
foram forçados a assinar confissões em que admitiram participar de um complô
revolucionário iraniano. Depois de receber o relatório de Bassiouni, o rei Hamad
bin Isa al-Khalifa disse que, embora seu governo não pudesse produzir provas
irrefutáveis, o papel de Teerã teria sido “muito claro, para quem tenha olhos e
ouvidos”.
A
mesma paranóia sobre o Irã consome os sunitas em todo o Oriente Médio. Um
dissidente do Bahrain, que fugiu para o Qatar no início desse ano, contou-me que
“as pessoas no Qatar só fazem perguntar se havia um túnel entre a Rotatória da
Pérola (onde se reuniram os manifestantes) e o Irã. É piada, sim, mas só em
parte.”
A
identificação do ativismo político xiita com o Irã, na mente dos sunitas, é hoje
profunda demais para ser facilmente apagada. Semana passada, ressurgiram os
protestos entre os dois milhões de xiitas na Arábia Saudita, principalmente na
Província Leste. Os tumultos começaram quando um jovem de 19 anos, Nasser
al-Mheishi, foi assassinado num dos pontos de controle em Qatif – conforme
relato de Hamza al-Hassan, ativista oposicionista. Nasser diz que a ira popular
foi despertada pelas autoridades no posto de controle que, durante várias horas,
impediram que o corpo do rapaz fosse entregue à família. Como no passado, o
ministro saudita do Interior disse que o confronto entre policiais e
manifestantes fora “ordenado por chefes que vivem fora do país” – expressão que
o estado saudita sempre usa como sinônimo de “Irã”.
A
oposição saudita diz que comentários postados na Internet e no Twitter por sauditas não xiitas parecem
já não manifestar a convicção de antes. “Estamos diante das muralhas de fogo” –
escreveu uma mulher, pictoricamente.
Tudo
leva a crer que os protestos na Província Leste da Arábia Saudita recrudescerão.
Como em outros pontos do mundo árabe, os jovens já não obedecem aos líderes
políticos tradicionais. Os monarcas sauditas e bahrainis podem culpar a
televisão iraniana por insuflar a revolta, mas o que realmente põe em fogo os
xiitas é o que veem pelo YouTube ou
leem pela Internet e Twitter. O que de fato influencia os que
protestam é muito menos o Irã e muito mais o exemplo de jovens em tudo
semelhantes a eles mesmos, que exigem direitos políticos e civis, nas ruas, no
Cairo e na Síria.
No
ano da Primavera Árabe, o modo saudita tradicional de usar notáveis locais para
controlar as coisas já não funciona. Semana passada, vários líderes locais
reclamaram ao governador da Província Leste, príncipe Mohammad bin Fahd – que os
convocava para uma reunião em Dammam, capital provincial –, que já não
conseguiam persuadir as pessoas a porem fim aos protestos, porque já haviam
pedido moderação no início do ano, mas nada receberam em troca, então, em termos
de concessões do governo saudita, em relação ao fim da discriminação contra os
xiitas. Há prisioneiros xiitas que continuam presos, sem julgamento, desde
1996.
Na
Arábia Saudita e no Bahrain, a crença inabalável de que há mão iraniana por trás
dos protestos levou os dois governos a cometer um erro muito grave.
Convenceram-se de que enfrentam ameaça revolucionária quando, de fato, os xiitas
bahrainis e sauditas dar-se-iam por satisfeitos com partilha mais equitativa das
oportunidades de emprego, cargos no governo e enquadramento mais equitativo
também no mundo do comércio. Os xiitas querem ser aceitos no clube; não querem
incendiar o clube. Ao se recusarem a ver isso, os monarcas sauditas e bahrainis
trabalham contra a estabilidade de seus próprios estados.
O
Irã jamais foi tão poderoso quanto o pintam seus inimigos ou quanto o próprio
Irã gostaria de ser. Em muitos sentidos, a demonização dos líderes iranianos
como ameaça regional contribui para inflar a ambição iraniana: o Irã sempre
sonhou, isso sim, com poder apresentar-se como potência regional. Na prática, a
retórica belicista do Irã sempre veio combinada com uma política externa
extremamente cautelosa e muito cuidadosamente arquitetada.
O
presidente George W Bush e Tony Blair sempre falaram do Irã como se existisse só
para tentar desestabilizar o governo do Iraque. Sempre foi rematada tolice, uma
vez que nada jamais agradaria tanto Teerã quanto assistir à destruição de Saddam
Hussein, velho inimigo dos iranianos, e vê-lo substituído por governo iraquiano
eleito dominado pelos partidos religiosos xiitas. O ministro das Relações
Exteriores do Iraque, Hoshyar Zebari, costumava dizer que achava divertido, nas
conferências internacionais nas quais havia representantes de EUA e Irã, ver os
dois lados denunciarem-se furiosamente, um ao outro, pelos estragos que teriam
feito no Iraque, e, imediatamente depois, ouvir, dos mesmos norte-americanos e
iranianos, discursos muito semelhantes de apoio ao governo
iraquiano.
Será
que os iranianos se movimentarão para preencher o vácuo que se criará depois que
os EUA partirem do Iraque? Não há dúvida de que a importância dos EUA no Iraque
diminuirá muito sem a presença dos soldados e porque, doravante, gastarão menos
dinheiro no país. Pela primeira vez, por exemplo, os gastos com a polícia
secreta (mukhabarat) não aparecem no orçamento do Iraque, porque sempre
foram inteiramente pagos pela CIA.
É
ingenuidade acreditar em alguma inevitável dominação iraniana no Iraque: há
outros atores muito mais poderosos em cena, como Turquia e Arábia Saudita. Os
xiitas iraquianos seguem tradição e crenças marcadamente diferentes dos xiitas
iranianos. E os curdos e sunitas sempre se oporiam. Se o Irã exagerar, como
fizeram os EUA em 2003, rapidamente se porá como alvo de uma horda de
inimigos.
No
Bahrain, na Arábia Saudita e no Iraque, o papel no Irã como agente que teria
provocado os tumultos populares, foi completamente inventado ou, no mínimo, foi
muito exagerado. Tratar manifestantes desarmados e pacíficos como se fossem
revolucionários que agiriam em nome do Irã é uma dessas “profecias que se podem
facilmente autocumprir. Da próxima vez, os mesmos reformadores cansados e
frustrados, sim, talvez procurem ajuda externa.
Nota
dos tradutores
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