Pepe Escobar |
9/11/2011, Pepe
Escobar, Asia Times Online
Traduzido pelo
Coletivo da Vila
Vudu
No auge de um frenesi de
“vazamentos” na imprensa-empresa ocidental que chegou – literalmente – à
histeria nuclear, os inspetores da Agência Internacional de Energia Atômica
[ing. International Atomic Energy
Agency (IAEA)] afinal divulgaram relatório no qual, essencialmente, dizem
que Teerã, ainda no final do ano passado, tentava projetar uma bomba atômica que
se adaptasse a uma ogiva de míssil.
Segundo o relatório, o Irã
trabalhou “no desenvolvimento de projeto próprio de uma arma nuclear incluindo
teste de componentes”.
Além da acusação de ter-se
esforçado para redesenhar e miniaturizar uma arma nuclear paquistanesa, Teerã
também é acusada de tentar montar operação clandestina para enriquecer urânio –
o “projeto sal verde” [ing. green
salt project] – que poderia ser usado “em programa clandestino de
enriquecimento”.
Tudo isso levou a IAEA a expressar “sérias preocupações” sobre
pesquisa e desenvolvimento “específicos para armas nucleares”.
O relatório vende
a ideia de que, enquanto a
IAEA tentava, ao longo de
anos, monitorar os estoques iranianos declarados de minério de urânio e de
urânio processado – hoje, 73,7 kg de urânio enriquecido a 20% em
Natanz, mais 4.922
kg de urânio enriquecido a menos de 5% – Teerã, em
segredo, tentava construir uma bomba atômica.
Inteligência fraca
A
IAEA repete insistentes
vezes que se baseia em inteligência “confiável” – mais de mil páginas de
documentação – de mais de dez países, e que se ampara em oito anos de
“provas”.
Mas a IAEA não tem meios independentes para confirmar a
enorme massa de informação – e desinformação – que recebe mensalmente, a maior
parte, das potências ocidentais. Mohammad El Baradei – que antecedeu o japonês
Yukya Amano na presidência da Agência Internacional de Energia Atômica – disse
isso várias vezes, claramente. E sempre contestou o que o que aparecia como
“inteligência iraniana” – porque sempre soube que era informação extremamente
“politizada”, atravessada por ondas de boatos e especulação.
Nenhuma surpresa, portanto, que o
jornal iraniano Kayhan,
ultraconservador, tenha perguntado se se trataria mesmo de relatório da IAEA, ou
não passava de diktat ordenado pelos norte-americanos a um Amano
fraco, facilmente pressionado.
O
relatório nada traz que pudesse, nem de longe, abalar o mundo – só imagens de
satélites e especulação de “diplomatas”, apresentadas ao mundo como se fossem
“inteligência” irrefutável. Se parece etapa da construção da guerra contra o
Irã, é porque é isso, exatamente. Não passa de regurgitação de farsa já
velha, de quatro anos passados, conhecida então como “o laptop da morte”. [1]
Cenário mais próximo da realidade –
ainda que se acredite que haja um programa nuclear secreto no Irã, o que nunca
foi provado – sugere fortemente que seria contraproducente, para Teerã,
construir bomba atômica ou ogiva nuclear.
E, seja como for, o Corpo de
Guardas Revolucionários Islâmicos [ing.
Islamic Revolutionary Guards Corps (IRGC)] – que comanda todos os
programas militares de alto nível – continua a ter a opção de construir, rápidos
como raio, uma ogiva nuclear, a ser usada como arma de contenção no caso de
terem absoluta certeza de que os EUA invadirão o Irã, ou lançarão alguma
modalidade expandida da “Operação Choque e Pavor”. O indiscutível verdadeiro
efeito de o Irã vir eventualmente a ter sua bomba atômica será acabar, de uma
vez por todas, com a eterna ameaça de o país ser alvo de ataque americano. Quem
tenha dúvidas sobre essa questão consulte, por favor, o dossiê Coreia do
Norte.
O regime de Teerã pode ser
impiedoso, mas eles não são amadores; construir uma bomba nuclear – secretamente
ou à vista da IAEA – e mandar tudo pelos ares não os levará a
lugar algum. Em termos geopolíticos, o regime – que já está às voltas com
complexa e terrível disputa interna entre o Supremo Líder Ali Khamenei e o grupo
do presidente Mahmud Ahmadinejad – ficaria completamente isolado.
A população iraniana já vive
preocupada demais com inflação, desemprego, corrupção e o desejo de participar
mais na vida política do país, para ser jogada no centro de uma disputa nuclear
global. Há amplo consenso no Irã a favor do programa nuclear civil. Mas nada
sugere que sequer alguma minoria aprovaria uma “bomba islâmica”.
Israel está blefando
O que arrepia os nervos não só de
Israel, mas também dos poderosos interesses norte-americanos que, 32 anos
depois, ainda não se conformaram com o fim do seu sentinela preferido na região
(o Xá do Irã), é que o Irã os mantém em eterno suspense.
Muito previsivelmente, o governo do
primeiro-ministro Benjamin Netanyahu em Israel continuará a latir latidos
ensurdecedores, ao mesmo tempo em que tenta todos os disfarces possíveis para
trair os norte-americanos para sua armadilha.
O mesmo Netanyahu que nem Barack
Obama nem Nicolas Sarkozy aguentam mais, é homem de estratégia obsessiva:
obrigar Washington e alguns outros poucos, dos britânicos à Casa de Saud – o que
nada tem a ver com alguma “comunidade internacional” – a aplicar pressão máxima
contra Teerã. Ou Israel atacará.
É perfeito absurdo, porque Israel
não pode atacar nem cachorrinho de madame. Todo o armamento crucial para Israel
é norte-americano. E depende de autorização para cruzar o espaço aéreo iraquiano
ou saudita. Nada faz sem luz verde de Washington, de A a Z. Pode-se acusar o
governo Obama de várias coisas, não de terem tendências ao suicídio.
Só aquelas não-entidades no
Congresso dos EUA – desprezadas pela ampla maioria dos norte-americanos, segundo
todas as pesquisas – poderiam ainda acreditar nas marciais ordens de marcha
avante que recebem de Netanyahu, via o poderoso lobby do AIPAC (American Israel Public Affairs
Committee).
Resta afinal, só, então, o caminho
de mais e mais sanções. Quatro rodadas de duras sanções do Conselho de Segurança
da ONU já atingem as importações e os setores bancário e financeiro do Irã. Mas
é só. Fim da linha.
O relatório da IAEA não convenceu a Rússia, como os
russos já disseram claramente; tampouco impressionou a China. A IAEA, simplesmente, não encontrou
prova alguma que realmente a autorizasse a acusar o Irã de manter programa ativo
para construir bombas atômicas.
Assim sendo, esqueçam a
possibilidade de Rússia e China aceitarem mais uma rodada de sanções que os EUA
imponham na ONU, e que poderia ser, essa sim, literalmente, nuclear:
boicote de facto, que paralise
as vendas de gás e petróleo do Irã.
Só alguma trupe de palhaços
assumiria que a China votaria contra os interesses de sua própria segurança
nacional no Conselho de Segurança da ONU. O Irã é o terceiro maior fornecedor de
petróleo para a China, depois de Arábia Saudita e Angola. A China importa cerca
de 650 mil barris de petróleo por dia, do Irã – 50% a mais, em comparação ao ano
passado. É mais de 25% do total das exportações de petróleo do Irã.
O próprio governo Obama já teve de
admitir publicamente que um boicote é inimaginável: tiraria da economia global
já deprimida nada menos que 2,4 milhões de barris de petróleo por dia. O barril
chegaria a $300, $400.
Teerã tem – e continuará a
encontrá-los – meios para contornar as sanções financeiras. A Índia pagou o que
tinha a pagar ao Irã, nos negócios de importação, através de um banco turco. E
Teerã também já está usando um banco russo.
O que também prova que o mantra de
Israel, segundo o qual a “comunidade internacional” teria isolado o Irã não
passa de monumental blefe. Atores chaves, como os BRICS - Rússia, China e Índia
- mantêm relações comerciais muito próximas com o Irã.
E, sobretudo: em pleno surto de
histeria iranofóbica, a Organização de Cooperação de Xangai [ing. Shanghai Cooperation Organization
(SCO)] – China, Rússia e os quatro
“-...stões” da Ásia Central – iniciou sua reunião de cúpula em São
Petersburgo. O Irã lá está – como observador – representado pelo ministro de
Relações Exteriores Ali Akbar Salehi. Mais dia, menos dia, o Irã será admitido
como membro pleno.
Se, ainda antes de o Irã tornar-se
membro da Organização de Cooperação de Xangai, China e Rússia já veem qualquer
ataque contra o Irã como ataque contra esses próprios países (além de ataque,
também, contra a ideia da integração de toda a energia da Ásia), será realmente
muito interessante observar o que Israel fará, tentando convencer os EUA a
atacarem... a Ásia!
Nota dos
tradutores
[1]
11/12/2007:
“Trata-se ainda do que se conhece como “o laptop da
morte” – um computador portátil obtido, em meados de 2004 de uma fonte “não
conhecida”, que supostamente o teria recebido no Irã, de outra pessoa não
identificada, e que no qual estavam armazenados planos “volumosos” para a
construção de um míssil no qual estaria instalada uma ogiva nuclear. Autoridades
norte-americanas usaram esse computador para convencer os europeus de que a
“ameaça iraniana” seria real e gravíssima: o computador foi elemento crucial do
clima de pânico no qual surgiu o alarmante relatório
National Intelligence Estimate 2005.
A verdade é que esse inestimável tesouro no
qual a inteligência dos EUA teria tropeçado por acaso vai-se tornando cada dia
menos inestimável e menos tesouro. Dafna Linzer noticia, no
Washington
Post, que “o computador foi roubado de um iraniano preso pela
inteligência alemã, quando tentava, sem sucesso, recrutá-lo como informante. E
foi contrabandeado para fora do país por outro iraniano, que o entregou a
espiões na Turquia, como prova da existência de um programa nuclear” (“Iran , nukes and the laptop of death”,
Justin Raimondo).
Ver também, “Laptop of Death”: Revising the
NIE on Iran – IPS news -
8/12/2007.
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