Publicado
em 17/11/2011 por Urariano
Motta
Recife
(PE)
- Ao ver
as últimas fotos de Lula na imprensa, com os cabelos e barba raspados por dona
Marisa, a primeira coisa que vem na gente é um choque. A intimidade de Lula com
o povo brasileiro é de tal sorte, que vê-lo neste estágio de luta contra o
câncer é o mesmo que rever um amigo caído em um leito de hospital. Depois,
quando a gente atenta bem para a sua face, a sorrir, brincalhão, como a nos
dizer “eu
ainda vou provar um caldinho de feijão em Pernambuco, não
desesperem”, bate na gente uma simpatia por esse homem provado pela
dificuldade desde a infância.
Mais
adiante, a foto desperta a reflexão de que a partir dela muitos brasileiros vão
retirar do câncer o seu aspecto macabro, definitivo e definidor, como até hoje
todos o vemos. O colunista aqui bem conhece a doença, da juventude até hoje em
parentes, amigos e numa pessoa próxima demais para o seu gosto. Em todos conhece
a via-crúcis, que vai do autoengano à desesperança, até a exclusão voluntária
do mundo dos saudáveis. E, no entanto, Lula, na foto, está a nos sorrir e nos
puxar para cima, “enfrentem, nada está definido, vamos adiante”. Não desse em
nada, só a sua imagem deveria receber prêmio dos institutos de oncologia, porque
deixa em todos a luz da esperança.
Por
fim, é da natureza de uma foto de alguém em tratamento de câncer, dela vêm
outras imagens, de Lula no Recife, em Água Fria, lembro:
Súbito
houve um estouro, não de fogos, nem de boiada. Houve um rumor que cresceu, que
se tornou incontrolável, que mais parecia um orgasmo coletivo. Sofrido, querido
e esperado.
É Lula! É Lula! Todos gritaram. Os berros se fizeram ouvir mais
alto, ensurdecedores.
Mulheres, meninos, homens chamavam a atenção do
Presidente, queriam chamá-lo, e ele não sabia para que lado se dirigir.
Na hora
uma idéia tenebrosa me ocorreu: se caísse um raio aqui, todos morreriam felizes.
Mas essa idéia não atingiu palavras.
Lula veio para o nosso lado.
Era ele que
avançava para o círculo estreito onde todos lhe queriam tocar a mão. Aos gritos.
Aos prantos. Aos empurrões.
A
última vez em que vi algo semelhante em Água Fria foi em 1965, no último dia de
carnaval. Tocou Vassourinhas e não havia força que contivesse o gozo da multidão
em fúria. Lembro. E mais lembro das coisas mais duras da sua vida. Por exemplo,
quando o Lula menino pegou da boca de um colega o chiclete mascado. Ou a
intensidade da dor de ver a mulher falecer de parto, como tantos pobres do
Brasil vêem, e jamais têm a sua dor expressa.
Não
sei por que, mas no sudeste e sul do país se perdem a dimensão de que Lula, o
personagem, o político, é maior que o PT, é maior que o sindicalismo, porque ele
vem com a força da história, como uma encarnação da força que o povo tem. Dos
muitos severinos, joões, marias e lindus.
Daí
que causa espanto o nível de comentários que na imprensa além Nordeste há para a
notícia da sua mais recente foto:
· “JAMAIS
o povo isento desejou a morte de um ex-presidente até desejar a de Lula.
Realmente o governo Lula foi um marco na história do
Brasil.
· Lula:
a grande maioria dos brasileiros quer mais é que você vá para o inferno. Abrace
o capeta porque Deus desistiu de você faz tempo. Você ferrou com a vida da
maioria da população, só ricos se beneficiaram com seu governo... Quero ver você agora enganar o
diabo!
· O
grande medo é que o câncer crie “vida” própria e inteligência, coisa que o
hospedeiro não tem, e passe a dominar a situação, e daí a tchurma
tem medo de perder a sua boquinha, pois ninguém sabe o que o câncer tem em
mente, qual sua ideologia... O consolo é que a gente sabe que o câncer o evolui,
mas o mula não...
· Tenho
pena mesmo é daquele cachorro arrastado pelo dono. Esse aí da foto teve o que
merece...”
Ao
ler esses comentários raivosos nos sites da imprensa no sudeste, vem na gente a
vontade de deixar um conselho: não desejem tanto mal a Lula, porque se as suas
pragas pegam, o mal lhes vem em triplo.
Quanto
mais dramas, problemas ou pequenas tragédias ocorrem a esse homem, mais ele
cresce como pessoa e político.
Respeitá-lo,
gostar da sua história é mais sensato. Não sejam loucos de querer a sua morte
morrida ou matada, entre dores, tragédia ou tiros. Pois se tal acontecer, vão
ter que conviver o resto das suas vidas com São Lula.
Imaginem
o que seria render-lhe graças em todos os terreiros e templos do Brasil. Os
loucos e raivosos estariam preparados? Melhor desejar a Lula o que a maioria do
povo agora deseja: força, eterno Presidente.
Urariano
Motta* é
natural de Água Fria, subúrbio da zona norte do Recife. Escritor e jornalista,
publicou contos em Movimento, Opinião, Escrita, Ficção e outros periódicos de
oposição à ditadura. Atualmente, é colunista do Direto da Redação e colaborador
do Observatório da Imprensa. As revistas Carta Capital, Fórum e Continente
também já veicularam seus textos. Autor
de Soledad
no Recife (Boitempo,
2009) sobre a passagem da militante paraguaia Soledad Barret pelo Recife, em
1973, e Os
corações futuristas (Recife,
Bagaço, 1997).
Enviado
por Direto
da Redação
(comentário enviado por e-mail e postado por Castor)
ResponderExcluirÉ isso aí, meu caro Urariano, e muito mais, se quisermos. Lula é desses homens-História, clássico, sempre atual e presente, em suma o Estadista do Brasil, assim como foi Getulio Vargas e, sob outro ângulo, JK. Mais que todos, ele "estoura" de simpatia, o que nos valeu anos-luz na frente diplomática: o Cara é mesmo porreta!...Quem não aplicaria um ósculo afetuoso naquele quengo rapado?
Abraços do
ArnaC
"...ósculo afetuoso naquele quengo rapado". O nosso Arnaldo alia a erudição de "homem do mundo", para não chamá-lo de diplomata experiente, ao sabor popular. Ósculo e quengo.
ResponderExcluirValeu, Arnaldo.
Abraço.