Amir Mir |
1/11/2011, Amir Mir, Asia Times Online
Traduzido pelo Coletivo da Vila Vudu
ISLAMABAD – Haji
Mangal Bagh Afridi, ex-motorista de ônibus e comandante de um grupo de
guerrilheiros islamistas denominado Lashkar-e-Islam, é a nova face da
resistência contra os EUA e o governo do Paquistão na agência
Khyber, um dos sete distritos
tribais onde vivem os pashtuns nas Áreas Tribais sob Administração Federal [ing.
Federally Administered Tribal Areas
(FATA)] ao longo da fronteira entre Paquistão e Afeganistão, onde os Talibã
e outras milícias continuam a disputar o controle, contra o governo do Paquistão
e os EUA, desde 2004.
A agência Khyber está hoje sob
pesado ataque militar, que visa a arrancar os guerrilheiros comandados por Bagh
Afridi de sua base a noroeste de Peshawar, de onde os guerrilheiros têm atacado
a principal rota de suprimentos da Organização do Tratado do Atlântico Norte,
OTAN, que abastece o exército ocupante no Afeganistão. A base comandada por Bagh
Afridi, a cidade-mercado de Bara, na agência Khyber, fica a apenas 20 minutos,
de carro, do centro da capital da província de Khyber Pakhtunkhwa.
O ataque militar massivo contra os
guerrilheiros, iniciado dia 21/10 (um dia depois de os guerrilheiros do grupo
Lashkar-e-Islam terem emboscado um comboio militar dos EUA-OTAN), visou, de
início, duas vilas a sudoeste de Peshawar; agora já foi estendido para cinco
outras vilas na agência Khyber.
Cerca de 18 mil moradores já
fugiram de suas casas, sob ataque dos militares de EUA-OTAN-Paquistão, e mais de
1.500 famílias já chegaram ao campo de refugiados de Jalozai, a leste de
Peshawar.
O ataque militar na agência Khyber
é o mais recente, contra a guerrilha liderada por Bagh Afridi, que há sete anos
luta em Peshawar, atacando os comboios de suprimentos para os soldados de
EUA-OTAN que ocupam o Afeganistão, ao longo da estrada para Peshawar e no
desfiladeiro Khyber, na fronteira com o Paquistão.
O desfiladeiro Khyber é há séculos
uma importante rota comercial e, hoje, considerada linha vital de abastecimento
para os soldados da OTAN no Afeganistão. Passam por ali diariamente dezenas de
caminhões tanques carregados de combustível e contêineres de comida, armas e
combustível, na direção de Torkaham, ponto de controle da fronteira com o
Afeganistão. Os guerrilheiros de Bagh Afridi várias vezes já conseguiram fechar
esse corredor, vital para o abastecimento das tropas de EUA-OTAN que ocupam o
Afeganistão.
Os 38 km da perigosíssima estrada entre
Paquistão e Afeganistão, no já lendário desfiladeiro Khyber, são o trecho mais
perigoso, no Paquistão, da viagem para os caminhões-tanque de combustível e
contêineres de suprimento para as tropas de EUA-OTAN.
Apesar de os paramilitares do
Corpo de Fronteira e os guardas da Força Khyber Khasadar (que policia as áreas
tribais) manter postos de vigilância em praticamente cada palmo de montanha, os
guerrilheiros do grupo Lashkar sempre conseguem atacar as linhas de suprimento,
porque é virtualmente impossível vigiar todos os pontos do desfiladeiro Khyber
até Torkhum.
O momento desse mais recente
ataque comandado por militares paquistaneses contra os guerrilheiros do grupo
Lashkar coincide, não por acaso, com mais um ataque comandado por EUA-OTAN, pelo
lado afegão, em Khost, também na fronteira.
Segundo círculos paquistaneses bem
informados, as duas ofensivas militares contra os guerrilheiros no desfiladeiro
Khyber e em Khost, são parte de um acordo informal de colaboração entre
militares do Paquistão e dos EUA, firmado durante recente visita da secretária
Hillary Clinton a Islamabad.
Comandantes militares e de
inteligência do Paquistão e dos EUA trabalharam em grupos, durante aquela
visita, e definiram as condições de cooperação entre a CIA norte-americana e o
ISI, serviço secreto paquistanês, para partilharem informações que, agora, estão
sendo mobilizadas nesses ataques aos guerrilheiros dos dois lados da fronteira
Af-Pak.
A ação militar Paquistão-EUA-OTAN
já matou, segundo moradores locais, mais de 200 civis, destruiu mais de 50 vilas
e cidades e já desalojou mais de 18 mil moradores da agência Khyber. Mas nada
sugere que Bagh Afridi e seus guerrilheiros estejam próximos de ser desalojados
de seu território preferencial, sobretudo na região de Bara. Os guerrilheiros
continuam a oferecer dura resistência.
De cabelos e barbas longas e
figura magra, aparentemente frágil, Mangal Bagh Afridi, 39 anos, é militante
desde muito jovem. É o sucessor, no comando, do Mufti Munir Shakir, clérigo sunita deobandista que
criou um ministério de pregação religiosa pelo rádio, na agência Khyber, em
2004, depois de expulso da agência Kurram por anciãos da hierarquia tribal, que
o acusaram de incitar a guerra sectária.
Munir Shakir entregou sua estação
de rádio a Bagh Afridi, que então trabalhava como motorista de ônibus, e que,
logo depois, organizou o grupo Lashkar-e-Islam, expressão que significa
“Exército do Islã”. Seu grupo combateu contra outro grupo de guerrilheiros
islamistas, o Ansarul Islam, comandado por Pir Saifur Rehman, até que Ustad
Yasir, dos Talibãs afegãos, intermediou um acordo de cessar fogo entre os dois
grupos. Pouco depois, o Lashkar-e-Islam reemergiu mais forte, tendo, de fato,
incorporado a maioria dos guerrilheiros do grupo rival.
De família pobre, Bagh Afridi, com
o tempo, construiu uma imagem de comandante antifeudeal e defensor dos mais
pobres, que “rouba dos ricos para dar aos pobres”. Sua fama cresceu rapidamente,
e ele instalou um governo paralelo no desfiladeiro. A eficácia com que seus
guerrilheiros resistiram à implantação do exército regular paquistanês naquela
região levou as autoridades militares de Islamabad a deflagrar enorme ofensiva
militar contra o grupo, em meados de 2008, antes das eleições gerais. A casa de
Bagh Afridi foi explodida e ele teve de deixar a área.
Dia 3/1/2008, em reunião gigante
de mais de 65 mil pessoas em Mandi Kas Ground, na agência Khyber, o comando do
grupo guerrilheiro Lashkar-e-Islam exigiu que todos os candidatos da agência
Khyber, que concorriam às 46 cadeiras da agência nas eleições para a Assembleia
Nacional, jurassem pelo Santo Corão que, se eleitos, jamais assinariam qualquer
lei anti-islamista.
Depois da cerimônia de juramento,
Bagh Afridi avisou que cada tribo ficava responsável por vigiar o cumprimento do
juramento de seus respectivos candidatos a deputado.
O crescimento
meteórico de Bagh Afridi, como Robin
Hood paquistanês, carrega várias contradições e complexidades. Dizia-se
inimigo dos Talibã paquistaneses, mas, como eles, também trabalha para implantar
um sistema semelhante à lei da Xaria; conseguiu acabar com os crimes de sangue e
o consumo de drogas na área sob seu comando, mas, ao mesmo tempo, recolhe uma
“taxa de proteção”, a jazia [1], cobrada das comunidades minoritárias que vivem no
Khyber.
Membros das comunidades sikh,
hinduísta e cristã nas áreas comandadas por Bagh Afridi pagam esse imposto, em
troca de segurança. O imposto, obrigatório para os não muçulmanos residentes na
agência Khyber, é de 1.000 rúpias (pouco menos de US$12) por pessoa, por
ano.
Cerca de 10 mil sikhs, hinduístas
e cristãos vivem na agência Khyber, dos quais 7 mil são sikhs, a maioria deles
comerciantes ou donos de terras que cultivam. Embora Bagh Afridi declare-se
analfabeto, sabe-se que lê jornais em urdu e todas as cartas que recebe de
pessoas que pedem sua intervenção para resolver disputas. A fala noturna que faz
todas as noites, pelo rádio, é aplicadamente acompanhada por todos os seus
seguidores.
Apesar de pregar a implementação
da lei da Xaria, Bagh Afridi não está alinhado com os Talibã no Paquistão.
Embora Bagh Afridi oponha-se à presença dos EUA no Afeganistão, exatamente como
o grupo Talibã no Paquistão (Tehrik-e-Taliban, ing. Pakistan Taliban, TTP), ele já recusou várias propostas
para unir seus guerrilheiros aos do
TTP que controlam outras
áreas na fronteira noroeste do país, sobretudo nas agências do Waziristão Norte
e Waziristão Sul.
Houve uma reunião de conselho de
várias tribos (jirga) entre os guerrilheiros dos grupos Lashkar-e-Islam e
o TTP em fevereiro, em que se discutiu a
possibilidade de Bagh Afridi unir-se ao
TTP comandando por
Hakeemullah Mehsud. Mas Bagh teria dito, como publicado num jornal local: “Disse
aos Talibã que basta o que já estou fazendo. Estou na direção certa. Disse a
eles que não é preciso unir-me com eles. Os Talibã no Paquistão são na maioria
intelectuais religiosos islâmicos. Nós somos grupo de combate pelo Islã, não
somos cultos. Não temos clérigos em nossa organização.”
Segundo declarações do próprio
Bagh Afridi, em 2008, seu grupo Lashkar-e-Islam conta com 120 mil homens armados
e treinados que controlam quase todo o território da agência Khyber, com exceção
de algumas áreas de Jamrud e Maidan, no vale Tirah. “Basta que eu convoque pela
nossa rádio FM, e meus voluntários
mujahideen estão prontos
para combater pelo nosso Lashkar-e-Islam. Temos cerca de 70 caminhões doados
pelos religiosos ricos das tribos, prontos para serem usados” – disse Bagh
Afridi ao jornal The News, em
entrevista publicada dia 11/5/2008.
Perguntado na mesma entrevista,
sobre os objetivos do grupo Lashkar-e-Islam, Bagh Afridi disse: “Somos
organização reformista que tenta promover a virtude e evitar o vício. Livramos
Bara dos traficantes de drogas, dos jogadores, dos sequestradores, dos ladrões
de carros e de outros criminosos; queremos expulsar de Jamrud e de toda a
província de Peshawar, todos que vendem drogas e bebidas e mantêm casas de
jogatina.”
Simultaneamente, a ameaça cada vez
maior que Bagh representa, contra a autoridade do estado paquistanês na região,
pode ser avaliada pelo fato de que cerca de mil funcionários públicos e
policiais da guarda Khasadar (que policia as áreas tribais) abandonaram os
postos e o trabalho recentemente, depois de ouvir, pelo rádio, discurso
ameaçador, em que Bagh dizia que deixassem os empregos, ou se preparassem para
as consequências.
Falando por sua rádio, depois de
iniciada a operação militar hoje em curso na agência Khyber, o comandante do
grupo Lashkar-e-Islam avisou que todos os guardas da polícia tribal que
continuassem nas funções seriam multados em um milhão de rúpias, e suas casas
seriam derrubadas.
Especialistas em terrorismo temem
que Bagh Afridi converta-se em mais um dilema a devastar as forças de segurança
do estado paquistanês, como Maulana Fazlullah, também conhecido como “Mulá
Rádio” (cujos combatentes se reagruparam depois de derrotados no Vale do Swat e
hoje operam a partir de santuários no Afeganistão). Por isso, agora, o exército
paquistanês trabalha para destruir toda a vasta infraestrutura dos
combatentes jihadi na agência Khyber, de modo que não reste
ponto de apoio a partir do qual se possam reestruturar.
Nota dos
tradutores
[1]
Jazia,
arab, aproximadamente: “compensação” ou “sujeição”. É um antigo imposto
religioso, que governantes islâmicos cobravam de pessoas de outras religiões ou
de derrotados em guerras. Tem longa história no islamismo. O jornalista que
assina a matéria parece não saber disso, ou não se surpreenderia tanto nem
veria, nesse imposto, traços de “incoerência” ou de “contradição”. Leia mais,
sobre
jazia
(em inglês).
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