quarta-feira, 23 de novembro de 2011

Irã-2011: “A 5ª coluna dos democráticos pós-modernos”



Hamid Dabashi

21/11/2011, Hamid Dabashi, Al-Jazeera, Qatar
Excertos traduzidos pelo Coletivo da Vila Vudu


Hamid Dabashi é professor de Estudos Comparados de Literatura Iraniana na Columbia University, em New York City



Acredita-se que a expressão “5ª coluna” tenha sido cunhada em 1936 por Emilio Mola y Vidal (1887-1937), general nacionalista, durante a Guerra Civil Espanhola. Seu exército de quatro colunas se aproximava de Madrid, e o general disse que “uma quinta coluna” se reuniria a eles já dentro da cidade. O título do livro de Ernest Hemingway A Quinta Coluna [1] (1938) é lembrança dessa história.


“Quinta coluna” é um contingente armado traidor que auxilia o exército atacante. Surgiu durante a Guerra Civil Espanhola. 
A partir daí, a expressão passou cada vez mais a designar os apoiadores internos de exército invasor que se aproxime, e exército que acolherá de braços abertos aquele específico tipo de apoio interno, o qual, contudo, sob o pretexto de oferecer “ajuda e conforto”, logo se revelará traidor ativo, tão logo esteja em condições de agir contra quem o acolheu em confiança ou por tolice ou por má fé.

Em tempos de imperialismo globalizado e dessa quimera chamada “intervenção humanitária”, parece agora que temos à frente uma concepção nova de “Quinta Coluna” que nos atrevemos a chamar de “os pós-modernos”. A questão que temos de enfrentar hoje, sobre aquela expressão, é onde termina, dentro das nossas forças, a oposição nobre a regime tirânico e onde começa a perigosa colaboração com os promotores da guerra.

Três eventos consecutivos e dramáticos – a intervenção militar da OTAN que levou à derrubada de Gaddafi; a atitude cada dia mais agressiva e beligerante de Israel contra a República Islâmica do Irã; e a gigantesca campanha de propaganda que EUA e Israel lançaram contra o programa nuclear do Irã – fazem pensar numa “Quinta Coluna” pós-moderna que trabalha hoje para empurrar EUA e Israel a invadirem o Irã. 

Os “quinta-colunistas” iranianos receberam sinal verde assustadoramente claro em duas entrevistas da secretária de Estado dos EUA, transmitidas simultaneamente pela Voz da América e pela BBC persa, em outubro de 2011, nas quais Hillary Clinton diz que os EUA teriam apoiado o ‘Movimento Verde’ iraniano, se o movimento tivesse pedido ajuda. Salivando ante a possibilidade de golpe interno no Irã, desde que a OTAN invadiu a Líbia, os “quinta-colunistas” iranianos agarraram-se com unhas e dentes à sugestão de Hillary Clinton e imediatamente puseram mãos à obra.

Os mais ousados e hipócritas abertamente pedem que os EUA invadam o Irã (um deles já disse, até, que o numero de mortos no tráfico de drogas e por câncer no Irã já ultrapassaria em muito o número de vítimas civis numa possível guerra, e seria superior, também, ao número de civis mortos na invasão da Líbia); outros usam recursos ainda mais tortuosos da novilíngua orwelliana, tentando camuflar a traição. Os que já pediram abertamente um ataque militar ao Irã (também conhecido como “intervenção humanitária”) à moda do que se viu na Líbia, contra o próprio país e o próprio povo, esses, não têm salvação. Pouco há a dizer sobre esses, e a história, como se sabe, é juíza severíssima. Quando falo de “quinta-colunistas pós-modernos” refiro-me especificamente aos falantes dessa novilíngua orwelliana.

Confundir os conceitos

Para cumprir sua missão, esses “quinta-colunistas pós-modernos” não se cansam de afrouxar os parafusos de alguns conceitos chaves, tornando-os pouco confiáveis, quando não completamente imprestáveis. Assim, criam confusão e caos na cabeça das pessoas que tomam por alvos, e vão pavimentando o caminho na direção de ataque militar contra o Irã, mas ataque militar apresentado como libertador: não invasão militar, mas “intervenção humanitária”. Aconteceu primeiro, na Líbia, dizem eles; depois, na Síria e então (“não, não estou dizendo que sim, mas se as circunstâncias o exigirem, ora, por que não?”) no Irã. Falam uma novilíngua pré-orwelliana e muito semelhante ao que Polônio recomenda, instruindo Reinaldo, seu criado, sobre como obter informações sobre Laertes, que Polônio espiona, sem querer deixar ver que espiona: “Não farás dele assunto de escândalos graves. Não é isso. Atribui-lhe só alguns defeitos, coisas leves, feitos de espírito jovem, indômito, mas não a ponto de causar-lhe desonra. Distribuindo semi-informações entre os amigos dele, obterás informações que nos serão úteis...” [2] 

Se se releva a crueza do que dizem e fica-se só com a prosa e a política pedestres, o que aqueles “quinta-colunistas” dizem e fazem é, outra vez, o pesadelo orwelliano: lançam manifesto intitulado “Contra a guerra” o qual, de fato, pavimenta o caminho para a guerra. Como diria Orwell, “guerra é paz, liberdade é escravidão, ignorância é poder” [3] [e desenvolvimento é subdesenvolvimento, se poderia acrescentar a essa lista orwelliana (NTs)]”.

Orwell, que alma profética! 

A novilíngua de Orwell dá giros e giros na prosa e na política dos discursos daqueles quinta-colunistas. Em manifesto contra a guerra, dizem, de fato, que a guerra nem é ameaça assim tão grave, e que, bem vistas as coisas, quem fale contra a guerra fala contra, isso sim, a liberdade e a prosperidade do Irã e nos iranianos. Como diria Syme [4]: “Que belo trabalho, o meu, de destruir palavras!” 

A verborragia e a fala de canto de boca dos “quinta-colunistas” iranianos não escapou, evidentemente, à leitura de leitores atentos que dissecaram aqueles discursos (em persa) e dissecaram também as posições dos “quinta-colunistas” e expuseram toda a hipocrisia. Os “quinta-colunistas” iranianos repetem lá, sempre, que o Irã seria hoje grave ameaça à paz mundial – essa estranha ideia da propaganda israelense, como se Israel fosse perpétua fonte de paz e serenidade para o mundo! E, ao mesmo tempo, batem tambor contra a guerra ao Irã... Afinal, assinam manifestos “Contra a Guerra”. A novilíngua orwelliana já deixou de ser só obscena. Eles falam como doidos varridos.

Excelente exemplo disso, esses “quinta-colunistas pós-modernos” já começaram a brincar com a ideia de imperialismo. O imperialismo acabou-se, dizem eles. Esse seria “discurso velho” – adoram a palavra persa para “discurso” (gofteman) – tanto, que nunca se cansam de repetir a palavra, abusada sempre, sempre mal interpretada. Imperialismo é coisa do passado e só esquerdistas retardados ainda a repetem, palavra inútil. Curiosamente, vários desses “neo-quinta-colunistas” iranianos foram aplicados militantes stalinistas na juventude.

Mas hoje, já mudados de Teerã para Teerângeles, EUA, o imperialismo parece-lhes demodé: o exército dos EUA está passando férias no Afeganistão, Iraque, Paquistão, Iêmen, Líbia, Somália e pelo planeta inteiro. As já mais de 700 bases militares dos EUA pelo mundo, como o falecido Chalmers Johnson tão dolorosamente documentou, inclusive os 234 campos militares de golfe espalhados pelo mundo, são, todos, exclusivamente para finalidade pacíficas, de entretenimento. As literalmente centenas de livros e artigos que detalham os contornos do neoimperialismo norte-americano – mais recentemente, os três volumes da Blowback Trilogy de Chalmers Johnson – são inexistentes: “ignorância é poder”.

Em fala que rapidamente se conecta ao arrogante apagamento do imperialismo global (não existe!), esses “quinta-colunistas pós-modernos” também decretam que “soberania nacional” e “independência” já nada significariam. Ergam-se e conheçam o perfume das rosas pós-modernas globais, dizem eles. Países como Irã (ou Iraque, Afeganistão, Líbia) não têm direito algum de defender a integridade territorial de seus países como lócus de resistência potencial contra o capitalismo predatório. Todos os nacionalismos são tribalismos e um desses tribalismos apresenta “o ocidente” como monstro. Dizem e insistem.

Ao mesmo tempo em que se rebelam contra tiranos nativos, os pobres habitantes desses países (que nunca se encontraram uns com os outros, mas que esses pós-modernos encontraram, todos surpreendentemente reunidos em Teerângeles, EUA) também já não têm direito nem de reivindicar a soberania da terra em que nasceram. “Lamentamos muito por vocês”, dizem às infelizes Cordélias em Teerã, Irã, que “amam e calam”: “Você, que de tal modo perdeu um pai, agora perderá um marido.”[5] Se os iranianos não têm a democracia aprovada pelo NED [US National Endowment for Democracy], os iranianos perdem o direito de defender qualquer soberania nacional.

Alguns “quinta-colunistas” iranianos, professores expatriados que navegam com suas pick-ups SUV tão blindadas quanto caríssimas, entre um e outro campus universitário da Califórnia, fizeram da palavra “colonialismo” um neo bicho papão. Outros só usam a palavra em citações, para paralisar de medo os alunos. Quer dizer: está resolvido. O colonialismo também não existe. Os palestinos vivem bem sob a intervenção humanitária do sionismo dentro de suas casas, no quarto onde dormem mulheres e crianças. Nada disso. De Franz Fanon a Said e Spivak – de José Marti a W E B Dubois e a Malcolm X, de Mahatma Gandhi a Aimé Césaire e Léopold Sédar Senghor: não passam de bichos papões, para assustar bobos.
“Ignorância é poder, patrão?” “Não. Ignorância é bênção.”

Não existem mais o colonialismo, nem o imperialismo, nem a soberania nacional – não passam de ficção inventada pela “esquerda velha”.

Hurra! Viva a intervenção humanitária 

Para coroar essas peças de fina joalheria, os mesmos “quinta-colunistas pós-modernos” celebram a ideia da “intervenção humanitária”. Não, insistem eles, não é ataque militar, nem se cogita de imperialismo. Trata-se de “intervenção humanitária” – tão intervenção e tão humanitária quanto dizem os EUA e a OTAN, cujas fontes são mananciais de citações e bibliografia. O laço entre conhecimento e poder nunca esteve mais claramente defendido, sob a mira do assaltante. 

Aquele pessoal jamais lerá coisa alguma que não sejam suas próprias declarações, mas... vale tentar: em Reading Humanitarian Intervention: Human Rights and the Use of Force in International Law (2007), Anne Orford volta até os anos 1990s, quase vinte anos antes do levante líbio, quando pela primeira vez a “intervenção humanitária” foi usada como conceito pressuposto superior aos limites do imperialismo e da soberania nacional. Anne Orford demonstra em detalhes impressionantes como o próprio conceito de “intervenção humanitária” sempre foi uma espécie de disfarce sob o qual os mais antiquados objetivos imperiais puderam ser reapresentados. Reunindo reflexões das feministas, da crítica pós-colonial, de direito internacional e até de psicanálise, Orford desmascarou a tal “intervenção humanitária”.

Em Saviors and Survivors: Darfur, Politics, and the War on Terror (2009), Mahmood Mamdani também levou a crise no Darfur de volta ao real contexto histórico do Sudão, onde o conflito começou como guerra civil (1987-1989) entre tribos nômades e tribos de agricultores, depois de longo período de seca feroz, que ampliou a área coberta por areia do Saara e fez sumir os campos plantados das tribos de agricultores. Mamdani associa esse conflito ao modo como os britânicos tribalizaram artificialmente o Darfur, dividindo a população entre “povos originários” e tribos “assentadas” – modelo muito semelhante ao que Nicholas Dirks expõe em Caste of Mind, de como os britânicos reconfiguraram o sistema de castas tradicional no Darfur, de modo a servir aos seus próprios interesses coloniais.

O envolvimento de partidos da oposição sudanesa fez surgir, em 2003, dois movimentos rebeldes, levando a guerrilha e contraguerrilha igualmente brutais. A Guerra Fria em seguida exacerbaria a guerra civil também no vizinho Chade, criando confronto entre Gaddafi e a União Soviética por um lado, e o governo Reagan, aliado à França e a Israel por outro. A guerra no Chad invadiu Darfur e exacerbou violentamente o conflito.

Em 2003, Mamdani demonstra, a guerra envolveu forças nacionais, regionais e globais, inclusive EUA e Europa, que, então, viram o conflito como parte da “Guerra ao Terror” e clamaram por ataque militar travestido de “intervenção humanitária”. Toda essa história fartamente conhecida e documentada foi completamente apagada sob uma urgência, urgentemente inventada, de “intervenção humanitária”. Stanley Motss/Dustin Hoffman de Mera Coincidência [filme de 1997, orig. “Wag the Dog”, lit. “rabo abana o cachorro”] não conseguiria inventar cenário mais (1997) fantasioso. 

Ao construir o argumento a favor do ataque militar contra a Líbia, até o presidente Obama viu a hipocrisia que havia no coração da operação, quando Bahrein e Iêmen (apenas os exemplos mais flagrantes) apareceram, em posição impossível de disfarçar. O presidente Obama tentou explicar o golpe de mão, em termos de uma coincidência que haveria entre “valores” dos EUA e “interesses” dos EUA. Mas os “intervencionistas humanitários” iranianos são ainda mais grosseiros que o presidente dos EUA no esforço para não ver a contradição inata que há na hipocrisia geral. 

Quem pegue um ônibus em New York por esses dias, verá que os táxis da cidade passaram recentemente a exibir adesivos com anúncios de “New York Dolls” [lit. ‘bonecas novaiorquinas’] disponíveis em “Gentlemen's Clubs” [lit. “clubes para cavalheiros”]. Deve ser alguma coisa na água. Por que chamar bordéis de bordéis, se se pode chamá-los de “Clubes para Cavalheiros”? Por que chamar imperialismo de imperialismo, se se pode chamá-lo de “intervenção humanitária”? Bordéis e imperialismo são “discurso” e clichê que caíram de moda. “Clubes para Cavalheiros” e “intervenção humanitária” são termos mais suaves e novilíngua mais menos violenta.   

Do Irã à República Islâmica 

Outro truque de que se servem os “quinta-colunistas pós-modernos” é tentar silenciar a oposição, acusando-os de serem agentes da República Islâmica. Há quem pense que seja truque pouco criativo, mas mesmo assim parece ser muito efetivo nas piscinas de água estagnada das comunidades de iranianos que vivem nos EUA. Se você se atrever a dizer uma palavra que seja contra essas sandices que os próprios “quinta-colunistas” tecem entre eles, você se arriscará a ser denunciado como agente da República Islâmica.

Que gente que se opõe às loucuras deles passaram vários anos nos calabouços da República Islâmica, que estiveram à beira da morte em greves de fome, que escreveram contra Khamenei e a República Islâmica mesmo quando estavam presos na prisão de Evin; que muita gente que se opõe às loucuras dos iranianos que vivem nos EUA tenham tido parentes próximos esquartejados por guardas da República Islâmica, nada disso faz qualquer diferença aos olhos e ouvidos dos valentes autoexilados iranianos que arriscam a vida hoje enfrentando o trânsito e os engarrafamentos nas ruas de Los Angeles. (...)

A legitimidade que os iranianos que vivem nos EUA não têm para pregarem guerra ao Irã (desculpem: “intervenção humanitária”), o Wall Street Journal inventou e forneceu-lhes gratuitamente, numa matéria em que tentava fazer crer que vozes dissidentes dentro do Irã estariam também favoráveis à “intervenção humanitária”. Durou um dia, até que Akbar Ganji desmascarou a falcatrua do jornal. Imediatamente depois o ex-presidente do Irã, Mohammad Khatami, também declarou que, em caso de ataque militar contra o Irã, reformistas e não reformistas dentro e fora do Irã cerrariam fileiras contra qualquer tentativa de agressão – declaração que até o jornal Haaretz noticiou em Israel, mas que, nos EUA e na comunidade de iranianos nos EUA, foi como se jamais tivesse acontecido. (...) 

À primeira bomba lançada contra Teerã, todos os iranianos se unirão contra o exército atacante, no instante em que esses “quinta-colunistas pós-modernos”, de Washington DC a Los Angeles saltarão para dentro de suas pick-ups blindadas, em busca da primeira toca onde se esconderem. Quem se lembra hoje de Kanan Makiya, Ahmad Chalabi ou Fouad Ajami? Esses nomes da vergonha incitaram a violência contra o Iraque, dentro dos EUA. Estão esquecidos, por boas razões.

A melhor resposta que se ouviu, dirigida a um desses iranianos “intervencionistas humanitários” que vivem nos EUA, veio de uma figura corajosa da oposição iraniana, Abed Tavancheh, que acabava de sair de uma das prisões da República Islâmica, entrevistado quando ainda estava na cidade de Arak, no Irã, depois de ler o que os iranianos que vivem nos EUA teriam dito sobre os eventos no Irã:

“Quero viver – e se tiver de morrer por alguma coisa, quero morrer por decisão minha e por coisas nas quais acredito. Quero deixar bem claro que eu decido sobre minha vida e que não quero ser um dos milhões de iranianos (25, de cada 1.000 habitantes) que morrerão, se o país for militarmente atacado. Quero saber por que morro. E nem EUA, nem OTAN nem qualquer coalizão, venha com a bandeira que vier, autorizada por não me interessa que organização internacional, terá algum dia o direito de obrigar-me a viver como iraniano, num Irã sob “intervenção humanitária”. E pouco me importa se os drones forem comandados por laser ou por Deus Todo Poderoso em pessoa. Em nenhum caso aceito a ideia de ser morto por exército de ocupação. E o senhor [dirigindo-se a um militante iraniano patrocinado pelos EUA e favorável à “intervenção humanitária”], que vive em Washington DC e, portanto, tem chance zero de ser assassinado por drones no Irã, e que vive em segurança, com um oceano e alguns continentes a protegê-lo, faça-me o favor de guardar para si a sua opinião e não jogue gasolina no incêndio de um ataque militar ao Irã. Essa entrevista está encerrada.” 

O surgimento desses “quinta-colunistas pós-modernos” é, de fato, desenvolvimento positivo para o futuro da democracia no Irã: todas as ilusões de uma falsa solidariedade entre os dissidentes fora e dentro do Irã estão afinal se dissipando e vêem já, bem claras, as diferenças que os separam. Figuras ilustres, identificadas com o Washington Institute for Near East Policy, com o Bush Institute e com o National Endowment for Democracy comandam hoje uma sólida aliança com forças neoconservadoras sionistas nos EUA, a ponto de “nomeá-las” para que ataquem o Irã e o “libertem”, só para aquelas forças.

Das cinzas do movimento reformista dos anos 1990s, atrevo-me a crer que podemos esperar que renasça uma nova esquerda, depois que, daquelas cinzas, salvaram-se algumas poucas forças progressistas. Mas as divisões remanescentes não enfraquecerão as vozes dissidentes. De fato, fortalecerão o futuro democrático da república que, esperemos, virá depois do fim da teocracia beligerante hoje reinante no Irã. (...)  

Esse levante democrático que hoje varre toda a Região – enraizado, real, determinado a vencer – encontrará seu caminho. Nossa tarefa não é impor um método àquele levante, mas descobrir e reforças aquela lógica interna. Restará o embaraço (de fato, a vergonha) aos que sejam incapazes de ouvir aquela lógica e insistam em impor a ela os próprios desejos, sejam honrados, sejam de traição. (...) 

Nem a República Islâmica nem qualquer outro poder tirano – nem poder democrático estranho ao Irã – tem qualquer direito de desenvolver armas de destruição em massa, à mercê das quais nosso pobre frágil planeta vive com medo. Mas a atual configuração do poder regional e global não tem qualquer direito ou qualquer prestígio moral para proibir a República Islâmica de desenvolver armas nucleares. De um modo ou de outro, a República Islâmica desenvolverá, se decidir fazê-lo, armas nucleares – e não há o que o estado israelense de apartheid possa fazer para impedir. Israel, ali, sentada sobre centenas de bombas atômicas e que sequer assinou, até hoje, o Tratado de Não Proliferação. O que poderá fazer para impedir que a República Islâmica construa as bombas que decida construir. Ataquem o Irã, ou não, a única coisa que os EUA e seus aliados europeus tem feito até agora é estimular os iranianos a trabalhar para ter a bomba. Se atacarem o Irã – e há inúmeras evidências de que já começaram a atacar, tanto em guerra física quanto em guerra cibernética – EUA e seus aliados só terão conseguido acelerar aquele projeto. (...)  

Chamem de Intifada, como na Palestina, Primavera Árabe no mundo árabe, Indignados na Europa ou Occupy Wall Street nos EUA e por todo o planeta, mais cedo ou mais tarde esses movimentos derrotarão todas as hipocrisias.

O habitat natural das pessoas comuns que começam a revoltar-se contra todas as tiranias e contra todas as forma da injustiça é habitat de moralidade, não é posição militar. Os que encorajam a guerra, apresentando justificativas políticas, já desertaram definitivamente do campo moral. Estimulam, ajudam, promovem atos de violência contra multidões de milhões de seres humanos inocentes e indefesos, que pouco podem contra os senhores da guerra, mas já trabalham hoje para imaginar e construir mundo melhor e mais justo. 




Notas dos tradutores

[1] HEMINGWAY, Ernest [1938]. The Fifth Column and the First Forty-Nine Stories. Quinta Coluna, Rio de Janeiro: Ed. Bertrand Brasil. Trad. Enio Silveira. “Quinta Coluna” é a única peça de teatro escrita por Hemingway.

[2] Hamlet, Ato 2, cena 1. Trad. de trabalho, só para ajudar a ler: Orig. “See you now; / Your bait of falsehood takes this carp of truth: / And thus do we of wisdom and of reach, / With windlasses and with assays of bias, / By indirections find directions out … . Em português; tradução que não analisamos.  

[3] ORWELL, George [1949], 1984, São Paulo: Companhia das Letras. Trad. Alexandre Hubner e Heloísa Jahn. Apesar da versão generalizada na imprensa-empresa no Brasil, segundo a qual 1984 seria alguma espécie de caricatura da União Soviética – interpretação que, por aqui, não por acaso, implantou-se pelas artimanhas da Guerra Fria –, fato é que, lido hoje, vê-se claramente que 1984 é livro de crítica da sociedade dos EUA naqueles anos 1940. No mesmo ano em que surgiu 1984, foram lançados dois filmes importantíssimos, também de crítica devastadora da sociedade dos EUA: “Mercado Humano” (1949, dir. Anthony Mann) e “A Grande Ilusão” (1949, dir. Robert Rossen, adaptação do romance de mesmo título de Robert Penn Warren, Prêmio Pulitzer de 1946; em 2006, lançou-se uma refilmagem, estrelada por Sean Penn, com o mesmo título). Muito evidentemente, 1984, por mais que, no geral, possa ser visto como caricatura de todas as ditaduras é diretamente inspirado na ditadura “democrática” dos EUA, naqueles anos. Por isso reaparece, de pleno direito, nesse artigo.

[4] Personagem de Orwell, em 1984. Syme é colega de Winston, no Ministério da Verdade. Lexicógrafo, é inventor da Novilíngua e do respectivo dicionário. Em sua rotina de trabalho, passa a gostar muito de destruir palavras e crê firmemente que, até o ano 2050, a Novilíngua já terá substituído completamente a Fala Velha (o inglês padrão de seu tempo). Apesar de Syme ter opiniões políticas ortodoxas firmemente alinhadas com a doutrina do Partido, Winston observa que “Syme é inteligente demais. Vê e fala com excessiva clareza”. Ao perceber que o nome de Syme foi apagado da lista de membros do Clube de Xadrez, Winston infere que foi convertido em não-pessoa, que jamais existiu.  

[5] Rei Lear, ato 1, cena 1. Orig. You have so lost a father / That you must lose a husband

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