Hamid Dabashi |
21/11/2011, Hamid
Dabashi, Al-Jazeera , Qatar
Excertos traduzidos pelo
Coletivo da Vila Vudu
Hamid
Dabashi é professor de
Estudos Comparados de Literatura Iraniana na Columbia University, em New York City
Acredita-se que a
expressão “5ª coluna” tenha sido cunhada em 1936 por Emilio Mola y Vidal
(1887-1937), general nacionalista, durante a Guerra Civil Espanhola. Seu
exército de quatro colunas se aproximava de Madrid, e o general disse que “uma
quinta coluna” se reuniria a eles já dentro da cidade. O título do livro de
Ernest Hemingway A Quinta Coluna
[1] (1938) é lembrança dessa
história.
“Quinta coluna” é um contingente
armado traidor que auxilia o exército atacante. Surgiu durante a Guerra Civil
Espanhola.
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A partir daí, a
expressão passou cada vez mais a designar os apoiadores internos de exército
invasor que se aproxime, e exército que acolherá de braços abertos aquele
específico tipo de apoio interno, o qual, contudo, sob o pretexto de oferecer
“ajuda e conforto”, logo se revelará traidor ativo, tão logo esteja em condições
de agir contra quem o acolheu em confiança ou por tolice ou por má fé.
Em tempos de
imperialismo globalizado e dessa quimera chamada “intervenção humanitária”,
parece agora que temos à frente uma concepção nova de “Quinta Coluna” que nos
atrevemos a chamar de “os pós-modernos”. A questão que temos de enfrentar hoje,
sobre aquela expressão, é onde termina, dentro das nossas forças, a oposição
nobre a regime tirânico e onde começa a perigosa colaboração com os promotores
da guerra.
Três eventos
consecutivos e dramáticos – a intervenção militar da OTAN que levou à derrubada
de Gaddafi; a atitude cada dia mais agressiva e beligerante de Israel contra a
República Islâmica do Irã; e a gigantesca campanha de propaganda que EUA e
Israel lançaram contra o programa nuclear do Irã – fazem pensar numa “Quinta
Coluna” pós-moderna que trabalha hoje para empurrar EUA e Israel a invadirem o
Irã.
Os
“quinta-colunistas” iranianos receberam sinal verde assustadoramente claro em
duas entrevistas da secretária de Estado dos EUA, transmitidas simultaneamente
pela Voz da América e pela BBC persa, em outubro de 2011, nas quais Hillary
Clinton diz que os EUA teriam apoiado o ‘Movimento Verde’ iraniano, se o
movimento tivesse pedido ajuda. Salivando ante a possibilidade de golpe interno
no Irã, desde que a OTAN invadiu a Líbia, os “quinta-colunistas” iranianos
agarraram-se com unhas e dentes à sugestão de Hillary Clinton e imediatamente
puseram mãos à obra.
Os mais ousados e
hipócritas abertamente pedem que os EUA invadam o Irã (um deles já disse, até,
que o numero de mortos no tráfico de drogas e por câncer no Irã já ultrapassaria
em muito o número de vítimas civis numa possível guerra, e seria superior,
também, ao número de civis mortos na invasão da Líbia); outros usam recursos
ainda mais tortuosos da novilíngua orwelliana, tentando camuflar a traição. Os
que já pediram abertamente um ataque militar ao Irã (também conhecido como
“intervenção humanitária”) à moda do que se viu na Líbia, contra o próprio país
e o próprio povo, esses, não têm salvação. Pouco há a dizer sobre esses, e a
história, como se sabe, é juíza severíssima. Quando falo de “quinta-colunistas
pós-modernos” refiro-me especificamente aos falantes dessa novilíngua
orwelliana.
Confundir os
conceitos
Para cumprir sua
missão, esses “quinta-colunistas pós-modernos” não se cansam de afrouxar os
parafusos de alguns conceitos chaves, tornando-os pouco confiáveis, quando não
completamente imprestáveis. Assim, criam confusão e caos na cabeça das pessoas
que tomam por alvos, e vão pavimentando o caminho na direção de ataque militar
contra o Irã, mas ataque militar apresentado como libertador: não invasão
militar, mas “intervenção humanitária”. Aconteceu primeiro, na Líbia, dizem
eles; depois, na Síria e então (“não, não estou dizendo que sim, mas se as
circunstâncias o exigirem, ora, por que não?”) no Irã. Falam uma novilíngua
pré-orwelliana e muito semelhante ao que Polônio recomenda, instruindo Reinaldo,
seu criado, sobre como obter informações sobre Laertes, que Polônio espiona, sem
querer deixar ver que espiona: “Não farás dele assunto de escândalos graves. Não
é isso. Atribui-lhe só alguns defeitos, coisas leves, feitos de espírito jovem,
indômito, mas não a ponto de causar-lhe desonra. Distribuindo semi-informações
entre os amigos dele, obterás informações que nos serão úteis...” [2]
Se se releva a
crueza do que dizem e fica-se só com a prosa e a política pedestres, o que
aqueles “quinta-colunistas” dizem e fazem é, outra vez, o pesadelo orwelliano:
lançam manifesto intitulado “Contra a guerra” o qual, de fato, pavimenta o
caminho para a guerra. Como diria Orwell, “guerra é paz, liberdade é escravidão,
ignorância é poder” [3] [e
desenvolvimento é subdesenvolvimento, se poderia acrescentar a essa lista
orwelliana (NTs)]”.
Orwell, que alma
profética!
A novilíngua de
Orwell dá giros e giros na prosa e na política dos discursos daqueles
quinta-colunistas. Em manifesto contra a guerra, dizem, de fato, que a guerra
nem é ameaça assim tão grave, e que, bem vistas as coisas, quem fale contra a
guerra fala contra, isso sim, a liberdade e a prosperidade do Irã e nos
iranianos. Como diria Syme [4]: “Que
belo trabalho, o meu, de destruir palavras!”
A verborragia e a
fala de canto de boca dos “quinta-colunistas” iranianos não escapou,
evidentemente, à leitura de leitores atentos que dissecaram aqueles discursos
(em persa) e dissecaram também as posições dos “quinta-colunistas” e expuseram
toda a hipocrisia. Os “quinta-colunistas” iranianos repetem lá, sempre, que o
Irã seria hoje grave ameaça à paz mundial – essa estranha ideia da propaganda
israelense, como se Israel fosse perpétua fonte de paz e serenidade para o
mundo! E, ao mesmo tempo, batem tambor contra a guerra ao Irã... Afinal, assinam
manifestos “Contra a Guerra”. A novilíngua orwelliana já deixou de ser só
obscena. Eles falam como doidos varridos.
Excelente exemplo
disso, esses “quinta-colunistas pós-modernos” já começaram a brincar com a ideia
de imperialismo. O imperialismo acabou-se, dizem eles. Esse seria “discurso
velho” – adoram a palavra persa para “discurso” (gofteman) – tanto, que
nunca se cansam de repetir a palavra, abusada sempre, sempre mal interpretada.
Imperialismo é coisa do passado e só esquerdistas retardados ainda a repetem,
palavra inútil. Curiosamente, vários desses “neo-quinta-colunistas” iranianos
foram aplicados militantes stalinistas na juventude.
Mas hoje, já mudados
de Teerã para Teerângeles, EUA, o
imperialismo parece-lhes demodé: o exército dos EUA está passando férias
no Afeganistão, Iraque, Paquistão, Iêmen, Líbia, Somália e pelo planeta inteiro.
As já mais de 700 bases militares dos EUA pelo mundo, como o falecido Chalmers
Johnson tão dolorosamente documentou, inclusive os 234 campos militares de golfe
espalhados pelo mundo, são, todos, exclusivamente para finalidade pacíficas, de
entretenimento. As literalmente centenas de livros e artigos que detalham os
contornos do neoimperialismo norte-americano – mais recentemente, os três
volumes da Blowback Trilogy de Chalmers Johnson – são inexistentes:
“ignorância é poder”.
Em fala que
rapidamente se conecta ao arrogante apagamento do imperialismo global (não
existe!), esses “quinta-colunistas pós-modernos” também decretam que “soberania
nacional” e “independência” já nada significariam. Ergam-se e conheçam o perfume
das rosas pós-modernas globais, dizem eles. Países como Irã (ou Iraque,
Afeganistão, Líbia) não têm direito algum de defender a integridade territorial
de seus países como lócus de resistência potencial contra o capitalismo
predatório. Todos os nacionalismos são tribalismos e um desses tribalismos
apresenta “o ocidente” como monstro. Dizem e insistem.
Ao
mesmo tempo em que se rebelam contra tiranos nativos, os pobres habitantes
desses países (que nunca se encontraram uns com os outros, mas que esses
pós-modernos encontraram, todos surpreendentemente reunidos em Teerângeles, EUA) também já não têm
direito nem de reivindicar a soberania da terra em que nasceram. “Lamentamos
muito por vocês”, dizem às infelizes Cordélias em Teerã, Irã, que “amam e
calam”: “Você, que de tal modo perdeu um pai, agora perderá um marido.”[5] Se os
iranianos não têm a democracia aprovada pelo NED [US National Endowment for
Democracy], os iranianos perdem o direito de defender qualquer soberania
nacional.
Alguns
“quinta-colunistas” iranianos, professores expatriados que navegam com suas
pick-ups SUV tão blindadas quanto caríssimas, entre um e
outro campus universitário da
Califórnia, fizeram da palavra “colonialismo” um neo bicho papão. Outros só usam
a palavra em citações, para paralisar de medo os alunos. Quer dizer: está
resolvido. O colonialismo também não existe. Os palestinos vivem bem sob a
intervenção humanitária do sionismo dentro de suas casas, no quarto onde dormem
mulheres e crianças. Nada disso. De Franz Fanon a Said e Spivak – de José Marti
a W E B Dubois e a Malcolm X, de Mahatma Gandhi a Aimé Césaire e Léopold Sédar
Senghor: não passam de bichos papões, para assustar bobos.
“Ignorância é poder,
patrão?” “Não. Ignorância é bênção.”
Não existem mais o
colonialismo, nem o imperialismo, nem a soberania nacional – não passam de
ficção inventada pela “esquerda velha”.
Hurra! Viva a
intervenção humanitária
Para coroar essas
peças de fina joalheria, os mesmos “quinta-colunistas pós-modernos” celebram a
ideia da “intervenção humanitária”. Não, insistem eles, não é ataque militar,
nem se cogita de imperialismo. Trata-se de “intervenção humanitária” – tão
intervenção e tão humanitária quanto dizem os EUA e a OTAN, cujas fontes são
mananciais de citações e bibliografia. O laço entre conhecimento e poder nunca
esteve mais claramente defendido, sob a mira do
assaltante.
Aquele pessoal
jamais lerá coisa alguma que não sejam suas próprias declarações, mas... vale
tentar: em Reading Humanitarian Intervention: Human Rights and the Use of
Force in International Law (2007), Anne Orford volta até os anos 1990s,
quase vinte anos antes do levante líbio, quando pela primeira vez a “intervenção
humanitária” foi usada como conceito pressuposto superior aos limites do
imperialismo e da soberania nacional. Anne Orford demonstra em detalhes
impressionantes como o próprio conceito de “intervenção humanitária” sempre foi
uma espécie de disfarce sob o qual os mais antiquados objetivos imperiais
puderam ser reapresentados. Reunindo reflexões das feministas, da crítica
pós-colonial, de direito internacional e até de psicanálise, Orford desmascarou
a tal “intervenção humanitária”.
Em Saviors and
Survivors: Darfur, Politics, and the War on Terror (2009), Mahmood Mamdani
também levou a crise no Darfur de volta ao real contexto histórico do Sudão,
onde o conflito começou como guerra civil (1987-1989) entre tribos nômades e
tribos de agricultores, depois de longo período de seca feroz, que ampliou a
área coberta por areia do Saara e fez sumir os campos plantados das tribos de
agricultores. Mamdani associa esse conflito ao modo como os britânicos
tribalizaram artificialmente o Darfur, dividindo a população entre “povos
originários” e tribos “assentadas” – modelo muito semelhante ao que Nicholas
Dirks expõe em Caste of Mind, de como os britânicos reconfiguraram o
sistema de castas tradicional no Darfur, de modo a servir aos seus próprios
interesses coloniais.
O envolvimento de
partidos da oposição sudanesa fez surgir, em 2003, dois movimentos rebeldes,
levando a guerrilha e contraguerrilha igualmente brutais. A Guerra Fria em
seguida exacerbaria a guerra civil também no vizinho Chade, criando confronto
entre Gaddafi e a União Soviética por um lado, e o governo Reagan, aliado à
França e a Israel por outro. A guerra no Chad invadiu Darfur e exacerbou
violentamente o conflito.
Em 2003, Mamdani
demonstra, a guerra envolveu forças nacionais, regionais e globais, inclusive
EUA e Europa, que, então, viram o conflito como parte da “Guerra ao Terror” e
clamaram por ataque militar travestido de “intervenção humanitária”. Toda essa
história fartamente conhecida e documentada foi completamente apagada sob uma
urgência, urgentemente inventada, de “intervenção humanitária”. Stanley
Motss/Dustin Hoffman de Mera
Coincidência [filme de 1997, orig.
“Wag the Dog”, lit. “rabo abana o cachorro”] não conseguiria inventar cenário
mais (1997) fantasioso.
Ao construir o
argumento a favor do ataque militar contra a Líbia, até o presidente Obama viu a
hipocrisia que havia no coração da operação, quando Bahrein e Iêmen (apenas os
exemplos mais flagrantes) apareceram, em posição impossível de disfarçar. O
presidente Obama tentou explicar o golpe de mão, em termos de uma coincidência
que haveria entre “valores” dos EUA e “interesses” dos EUA. Mas os
“intervencionistas humanitários” iranianos são ainda mais grosseiros que o
presidente dos EUA no esforço para não ver a contradição inata que há na
hipocrisia geral.
Quem pegue um ônibus
em New York por esses dias, verá que
os táxis da cidade passaram recentemente a exibir adesivos com anúncios de “New York Dolls” [lit. ‘bonecas
novaiorquinas’] disponíveis em “Gentlemen's Clubs” [lit. “clubes para
cavalheiros”]. Deve ser alguma coisa na água. Por que chamar bordéis de bordéis,
se se pode chamá-los de “Clubes para Cavalheiros”? Por que chamar imperialismo
de imperialismo, se se pode chamá-lo de “intervenção humanitária”? Bordéis e
imperialismo são “discurso” e clichê que caíram de moda. “Clubes para
Cavalheiros” e “intervenção humanitária” são termos mais suaves e novilíngua
mais menos violenta.
Do
Irã à República Islâmica
Outro truque de que
se servem os “quinta-colunistas pós-modernos” é tentar silenciar a oposição,
acusando-os de serem agentes da República Islâmica. Há quem pense que seja
truque pouco criativo, mas mesmo assim parece ser muito efetivo nas piscinas de
água estagnada das comunidades de iranianos que vivem nos EUA. Se você se
atrever a dizer uma palavra que seja contra essas sandices que os próprios
“quinta-colunistas” tecem entre eles, você se arriscará a ser denunciado como
agente da República Islâmica.
Que gente que se
opõe às loucuras deles passaram vários anos nos calabouços da República
Islâmica, que estiveram à beira da morte em greves de fome, que escreveram
contra Khamenei e a República Islâmica mesmo quando estavam presos na prisão de
Evin; que muita gente que se opõe às loucuras dos iranianos que vivem nos EUA
tenham tido parentes próximos esquartejados por guardas da República Islâmica,
nada disso faz qualquer diferença aos olhos e ouvidos dos valentes autoexilados
iranianos que arriscam a vida hoje enfrentando o trânsito e os engarrafamentos
nas ruas de Los Angeles. (...)
A legitimidade que
os iranianos que vivem nos EUA não têm para pregarem guerra ao Irã (desculpem:
“intervenção humanitária”), o Wall
Street Journal inventou e
forneceu-lhes gratuitamente, numa matéria em que tentava fazer crer que vozes
dissidentes dentro do Irã estariam também favoráveis à “intervenção
humanitária”. Durou um dia, até que Akbar Ganji desmascarou a falcatrua do
jornal. Imediatamente depois o ex-presidente do Irã, Mohammad Khatami, também
declarou que, em caso de ataque militar contra o Irã, reformistas e não
reformistas dentro e fora do Irã cerrariam fileiras contra qualquer tentativa de
agressão – declaração que até o jornal
Haaretz noticiou em
Israel, mas que, nos EUA e na comunidade de iranianos nos EUA, foi como se
jamais tivesse acontecido. (...)
À primeira bomba
lançada contra Teerã, todos os iranianos se unirão contra o exército atacante,
no instante em que esses “quinta-colunistas pós-modernos”, de Washington DC a
Los Angeles saltarão para dentro de suas
pick-ups blindadas, em busca da primeira toca onde se esconderem.
Quem se lembra hoje de Kanan Makiya, Ahmad Chalabi ou Fouad Ajami? Esses nomes
da vergonha incitaram a violência contra o Iraque, dentro dos EUA. Estão
esquecidos, por boas razões.
A melhor resposta
que se ouviu, dirigida a um desses iranianos “intervencionistas humanitários”
que vivem nos EUA, veio de uma figura corajosa da oposição iraniana, Abed
Tavancheh, que acabava de sair de uma das prisões da República Islâmica,
entrevistado quando ainda estava na cidade de Arak, no Irã, depois de ler o que
os iranianos que vivem nos EUA teriam dito sobre os eventos no
Irã:
“Quero viver – e se tiver de morrer
por alguma coisa, quero morrer por decisão minha e por coisas nas quais
acredito. Quero deixar bem claro que eu decido sobre minha vida e que não quero
ser um dos milhões de iranianos (25, de cada 1.000 habitantes) que morrerão, se
o país for militarmente atacado. Quero saber por que morro. E nem EUA, nem OTAN
nem qualquer coalizão, venha com a bandeira que vier, autorizada por não me
interessa que organização internacional, terá algum dia o direito de obrigar-me
a viver como iraniano, num Irã sob “intervenção humanitária”. E pouco me importa
se os drones forem comandados por laser ou por Deus Todo Poderoso em pessoa. Em
nenhum caso aceito a ideia de ser morto por exército de ocupação. E o senhor
[dirigindo-se a um militante iraniano patrocinado pelos EUA e favorável à
“intervenção humanitária”], que vive em Washington DC e, portanto, tem chance
zero de ser assassinado por drones no Irã, e que vive em segurança, com um
oceano e alguns continentes a protegê-lo, faça-me o favor de guardar para si a
sua opinião e não jogue gasolina no incêndio de um ataque militar ao Irã. Essa
entrevista está encerrada.”
O surgimento desses
“quinta-colunistas pós-modernos” é, de fato, desenvolvimento positivo para o
futuro da democracia no Irã: todas as ilusões de uma falsa solidariedade entre
os dissidentes fora e dentro do Irã estão afinal se dissipando e vêem já, bem
claras, as diferenças que os separam. Figuras ilustres, identificadas com o Washington Institute for Near East
Policy, com o Bush Institute e
com o National Endowment for
Democracy comandam hoje uma sólida aliança com forças neoconservadoras
sionistas nos EUA, a ponto de “nomeá-las” para que ataquem o Irã e o “libertem”,
só para aquelas forças.
Das cinzas do
movimento reformista dos anos 1990s, atrevo-me a crer que podemos esperar que
renasça uma nova esquerda, depois que, daquelas cinzas, salvaram-se algumas
poucas forças progressistas. Mas as divisões remanescentes não enfraquecerão as
vozes dissidentes. De fato, fortalecerão o futuro democrático da república que,
esperemos, virá depois do fim da teocracia beligerante hoje reinante no Irã.
(...)
Esse levante
democrático que hoje varre toda a Região – enraizado, real, determinado a vencer
– encontrará seu caminho. Nossa tarefa não é impor um método àquele levante, mas
descobrir e reforças aquela lógica interna. Restará o embaraço (de fato, a
vergonha) aos que sejam incapazes de ouvir aquela lógica e insistam em impor a
ela os próprios desejos, sejam honrados, sejam de traição. (...)
Nem a República
Islâmica nem qualquer outro poder tirano – nem poder democrático estranho ao Irã
– tem qualquer direito de desenvolver armas de destruição em massa, à mercê das
quais nosso pobre frágil planeta vive com medo. Mas a atual configuração do
poder regional e global não tem qualquer direito ou qualquer prestígio moral
para proibir a República Islâmica de desenvolver armas nucleares. De um modo ou
de outro, a República Islâmica desenvolverá, se decidir fazê-lo, armas nucleares
– e não há o que o estado israelense de apartheid possa fazer para impedir.
Israel, ali, sentada sobre centenas de bombas atômicas e que sequer assinou, até
hoje, o Tratado de Não Proliferação. O que poderá fazer para impedir que a
República Islâmica construa as bombas que decida construir. Ataquem o Irã, ou
não, a única coisa que os EUA e seus aliados europeus tem feito até agora é
estimular os iranianos a trabalhar para ter a bomba. Se atacarem o Irã – e há
inúmeras evidências de que já começaram a atacar, tanto em guerra física quanto
em guerra cibernética – EUA e seus aliados só terão conseguido acelerar aquele
projeto. (...)
Chamem de Intifada,
como na Palestina, Primavera Árabe no mundo árabe, Indignados na Europa ou Occupy Wall Street nos EUA e por todo o
planeta, mais cedo ou mais tarde esses movimentos derrotarão todas as
hipocrisias.
O
habitat natural das pessoas comuns que começam a revoltar-se contra todas as
tiranias e contra todas as forma da injustiça é habitat de moralidade, não é
posição militar. Os que encorajam a guerra, apresentando justificativas
políticas, já desertaram definitivamente do campo moral. Estimulam, ajudam,
promovem atos de violência contra multidões de milhões de seres humanos
inocentes e indefesos, que pouco podem contra os senhores da guerra, mas já
trabalham hoje para imaginar e construir mundo melhor e mais justo.
Notas dos tradutores
[1]
HEMINGWAY, Ernest [1938]. The Fifth Column and the First
Forty-Nine Stories. Quinta
Coluna, Rio de Janeiro:
Ed. Bertrand Brasil. Trad. Enio Silveira. “Quinta
Coluna” é a única peça de teatro escrita por
Hemingway.
[2]
Hamlet, Ato 2, cena 1.
Trad. de trabalho, só para ajudar a ler: Orig. “See you now; / Your bait of
falsehood takes this carp of truth: / And thus do we of wisdom and of reach, /
With windlasses and with assays of bias, / By indirections find directions out …
. Em português; tradução
que não analisamos.
[3] ORWELL, George
[1949], 1984, São Paulo: Companhia das Letras. Trad. Alexandre Hubner e
Heloísa Jahn. Apesar da versão generalizada na imprensa-empresa no Brasil,
segundo a qual 1984 seria alguma espécie de caricatura da União
Soviética – interpretação que, por aqui, não por acaso, implantou-se pelas
artimanhas da Guerra Fria –, fato é que, lido hoje, vê-se claramente que 1984
é livro de crítica da sociedade dos EUA naqueles anos 1940. No mesmo
ano em que surgiu 1984, foram
lançados dois filmes importantíssimos, também de crítica devastadora da
sociedade dos EUA: “Mercado Humano” (1949, dir. Anthony Mann) e “A Grande
Ilusão” (1949, dir. Robert Rossen, adaptação do romance de mesmo título de
Robert Penn Warren, Prêmio Pulitzer de 1946; em 2006, lançou-se uma refilmagem,
estrelada por Sean Penn, com o mesmo título). Muito evidentemente, 1984, por mais que, no geral, possa
ser visto como caricatura de todas as ditaduras é diretamente inspirado na
ditadura “democrática” dos EUA, naqueles anos. Por isso reaparece, de pleno
direito, nesse artigo.
[4] Personagem de Orwell, em 1984. Syme é colega de
Winston, no Ministério da Verdade. Lexicógrafo, é inventor da Novilíngua e do
respectivo dicionário. Em sua rotina de trabalho, passa a gostar muito de
destruir palavras e crê firmemente que, até o ano 2050, a Novilíngua já terá substituído
completamente a Fala Velha (o inglês padrão de seu tempo). Apesar de Syme ter
opiniões políticas ortodoxas firmemente alinhadas com a doutrina do Partido,
Winston observa que “Syme é inteligente demais. Vê e fala com excessiva
clareza”. Ao perceber que o nome de Syme foi apagado da lista de membros do
Clube de Xadrez, Winston infere que foi convertido em não-pessoa, que jamais
existiu.
[5] Rei Lear, ato 1,
cena 1. Orig. You have so lost a father / That you must lose a
husband
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