quinta-feira, 24 de novembro de 2011

Assim me chamo, se lhe pareço



Publicado em 24/11/2011 por Urariano Motta*

Recife (PE) - Vontade tenho de fazer uma afirmação geral, categórica: o nome da gente é destino. Mas quando reflito sobre isso, descubro que apenas cometi o título de um tango. Ou uma imensa bobagem. Por isso digo agora, mais restrito e conformado: o nome de algumas pessoas é destino. Como este meu, Urariano.

Mais de uma vez, em mais de uma oportunidade, esse meu nome exige ser repetido a quem o escuta pela primeira vez, e ainda assim, mais de uma vez, sofre equívocos. Para ser matemático, direi que a cada dez vezes em que me apresento, recebo de volta nove traduções. No mínimo.

- Urano? Uriano? Uraniano? Ulariano?...

Algumas traduções não lembro, porque a memória, sábia, prefere não guardar. E não exagero. Se alguém põe dúvida, consulte o Google. Ali verá Urariano Mota, Uraniano Mota, Uriano Mota, todas versões, por incrível que pareça, referentes a este homem que agora lhes fala: um ser simples, camarada, generoso, simpático, pouco feio, se não exagero. Notem o agravante: o google remete a informações escritas, a textos escritos e assinados por mim, não ouvidos, mas, ainda assim, transformam – os outros, os que não aceitam este destino –, transformam a consoante r em n, comem ra, uma sílaba inteira, e outros crimes e variações, porque grande e imaginoso é o engenho humano.     

Nome também é costume. Quando eu nasci, é claro, eu não sabia que me chamava assim. Depois, antes dos 5 anos, minha mãe dizia que ao ouvir Urariano, eu olhava para os lados, como se procurasse outro. Esquizofrenia tem história, dizem os analistas. Esquizofrenia tem nome, digo eu. O certo é que me acostumei a mim mesmo aos poucos. Primeiro, me disfarçando em Ura, Urá, Urari, Urare, Ulari, Ulare, Uriano, Uraniano, Orare, Orariano, conforme os outros me chamavam. Havia algum encanto em ser vários, no fluxo da intimidade e educação das pessoas. É certo, ninguém jamais me chamou de Unamuno. Mas de Tertuliano, sim, em homenagem a um jogador de futebol do São Paulo, de apelido Terto. Grande artilheiro.

Quando atingi a maturidade, quero dizer, quando atingi a idade que para outros é a maturidade, porque continuei a fazer desastre em cima de desastres, eu não mais me disfarçava no que me chamavam. Ouvia o personagem que me queriam dar, e me dizia:

- Que estúpida, essa pessoa não vê que me chamo Urariano? Tão simples.

Era a vitória do costume. A essa altura eu era este nome em silêncio e contrariado. Depois, em acontecimentos mais próximos, cheguei a ouvir em uma sala de ultrassonografia, de uma enfermeira:

- O seu nome é mesmo este? Senhor, eu não consigo. Urururi..  senhor, o seu nome é um trava-língua.

Simpática. De fato, com isso ela me fez esquecer da imagem no vídeo acima de mim. 

Mas não há só desvantagem em ser registrado com este substantivo raro. Se não cometo algum crime, algum delito arbitrado no Código Penal, porque seria com mais facilidade preso, algemado e julgado, nem sempre nessa ordem, acredito existir alguma vantagem de compensação. Algo como um bônus que se concede aos animais ameaçados de extinção. Lembro que na Caixa Econômica, ao solicitar a retirada do meu Fundo Garantia de Tempo de Serviço, uma  funcionária me perguntou, para consulta em um banco de dados da Caixa:

- Nome?
- Urariano.
- Do quê?
- Minha filha, não tem do quê. Escreva só - e repeti, precavido, letra por letra: u-r-a-r-i-a-n-o.

E ela, triunfal:

- O senhor está enganado. Tem outro aqui.

E eu, sem ver as informações que apareciam na tela do seu computador:

- O engano é seu. O “outro” é Urariana. Minha irmã, nascida em 1955.

E era.

Por isso digo ao fim: podem me chamar do que desejarem, que não me importo. Assim sou, se lhes pareço. De Ura a Orare, passando por Uriano e Orariano, não há problema. Só não me chamem de Urariana. Essa é minha irmã, uma senhora brava como o quê.

Urariano Motta* é natural de Água Fria, subúrbio da zona norte do Recife. Escritor e jornalista, publicou contos em Movimento, Opinião, Escrita, Ficção e outros periódicos de oposição à ditadura. Atualmente, é colunista do Direto da Redação e colaborador do Observatório da Imprensa. As revistas Carta Capital, Fórum e Continente também já veicularam seus textos. Autor de Soledad no Recife (Boitempo, 2009) sobre a passagem da militante paraguaia Soledad Barret pelo Recife, em 1973, e Os corações futuristas (Recife, Bagaço, 1997).

Enviado por Direto da Redação

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