Mohamed A. El-Erian |
20/11/2011, Mohamed A
El-Erian, Project Syndicate
Traduzido
pelo Coletivo da Vila
Vudu
A
sensação de incerteza é palpável em todo o ocidente. As pessoas preocupam-se com
o próprio futuro, e número recorde de seres humanos temem hoje que os filhos
terminem em pior situação que os pais. Infelizmente, as coisas ainda ficarão
mais instáveis nos próximos meses.
Os
EUA enfrentam dificuldades para levar a economia de volta à trilha de alto
crescimento e criação de empregos em ritmo vigoroso. Centenas de milhares de
cidadãos tomaram as ruas das cidades norte-americanas, outros milhares estão nas
ruas das cidades europeias, a exigir sistema mais justo. Na eurozona, as crises
financeiras já derrubaram dois governos. Representantes eleitos foram
substituídos por tecnocratas nomeados encarregados de restaurar a ordem. E as
preocupações quanto à integridade institucional da eurozona – crucial para a
arquitetura da Europa moderna – continuam a aumentar.
Essa
incerteza vai bem além dos países e regiões. Os que tentam espiar o que há
depois da próxima esquina também se preocupam com a instabilidade de uma ordem
econômica global, na qual as dificuldades pelas quais passam os sistemas
ocidentais centrais estão gradualmente destruindo os bens públicos
globais.
Não
é coincidência que tudo isso esteja acontecendo ao mesmo tempo. Cada
acontecimento, e, com certeza, a evidência de que tudo se passa simultaneamente,
aponta para uma mudança histórica no paradigma que modela a economia global – e
para a ansiedade que acompanha a perda das âncoras de fixação às quais todos se
mantiveram ligados até há pouco tempo, sejam âncoras econômicas e financeiras,
sejam âncoras sociais e políticas.
Restaurar
aquelas âncoras demandará tempo. Não há plano de jogo, e os precedentes
históricos ajudam pouco. Apesar disso, duas coisas parecem já bem claras:
diferentes países estão optando, por decisão ou por necessidade, por diferentes
vias, e o sistema global como um todo ainda não encontrou meio pelo qual
reconciliar essas diferenças.
Algumas
mudanças serão evolutivas, e levarão anos para tornar-se claramente manifestas;
outras serão rápidas e mais dramáticas. Mesmo assim, por mais complexo que tudo
isso pareça – e tudo isso é complexo por definição, porque mudanças de paradigma
são complexas, embora, felizmente, sejam raras –, vale a pena tentar traçar um
quadro analítico, por simples que seja, que ajude a lançar alguma luz sobre o
que esperar e sugira meios para melhor adaptar-se às
novidades.
Esse
quadro resulta de um atalho analítico simples: identificar um conjunto de
variáveis explicativas, e construir o que os estatísticos chamam de “equação
reduzida”. O objetivo não é dar conta de todas as especificidades, mas, apenas,
definir um pequeno número de variáveis que deem conta dos fatores chaves, mesmo
que não os expliquem perfeitamente nem completamente.
Se
se adota essa abordagem, pode-se dizer que o futuro de várias economias
ocidentais, e da economia global, será moldado conforme a habilidade para
navegar sob quatro dinâmicas inter-relacionadas: financeira, econômica, social e
política.
A
dinâmica financeira tem a ver com orçamentos. Muitas economias ocidentais terão
de enfrentar os efeitos do legado perverso dos anos em que viveram de
empréstimos, em economias muito fortemente alavancadas; e as economias que não
tenham esse problema, como a Alemanha, estão ligadas a outras economias que o
têm. Frente a essa realidade, diferentes países optarão por diferentes vias para
se desalavancar. Essas diferenças, de fato, já são
visíveis.
Outras
economias, como a Grécia, estão em situação de tão gigantesco endividamento,
que, de fato, mal se consegue pensar em outra solução que não seja, puro e
simples, o calote da dívida, solução traumática e instabilidade econômica ainda
maior; e nada sugere que a Grécia seja a única economia ocidental a ser obrigada
a reestruturar a própria dívida. Outros países, como o Reino Unido, já trataram,
rapidamente, de assumir controle mais severo do próprio destino econômico, por
mais que a ‘austeridade’, inevitavelmente, implique sacrifícios
consideráveis.
Um
terceiro grupo de economias, que têm à frente os EUA, ainda sequer começaram a
considerar explicitamente a necessidade de se desalavancarem. Porque têm mais
tempo, os EUA estão tentando um caminho menos visível, e muito mais gradual –
uma “repressão financeira” –, pelo qual as taxas de juro são forçadas para
baixo, de tal modo que os credores, inclusive os submetidos a renda fixa
modesta, subsidiam os devedores.
A
desalavacagem está intimamente ligada à segunda variável – o crescimento
econômico. Dito em termos simples, quanto maior a capacidade de um país gerar
renda nacional adicional, maior sua habilidade para pagar os juros da dívida, ao
mesmo tempo em que o padrão de vida dos cidadãos é sustentado e até
aumentado.
Muitos
países, entre os quais Itália e Espanha, têm de superar barreiras estruturais de
competitividade, crescimento e geração de empregos mediante reformas plurianuais
nos mercados de trabalho, pensões e aposentadorias, moradia e nas políticas
econômicas dos governos. Alguns, como os EUA, podem combinar reformas
estruturais e estímulos à demanda de curto prazo. Uns poucos países, como a
Alemanha, estão hoje colhendo os frutos de anos de reformas firmes e graduais
(até agora ainda subestimadas).
Mas
só o crescimento, por necessário que seja, não basta, dado que as taxas de
desemprego e a desigualdade social só fizeram aumentar até agora. É onde é
indispensável considerar a terceira dinâmica: o ocidente enfrenta o desafio de
gerar não apenas crescimento, mas tem de gerar “crescimento inclusivo”,
crescimento econômico e inclusão social. E crescimento com inclusão social
implica, necessariamente, maior “justiça social”.
Já
há hoje em todo o ocidente a consciência profunda de que o capitalismo ocidental
tornou-se injusto. Alguns atores – à frente dos quais os grandes bancos –
acumularam lucros gigantescos durante o boom, e foram salvos de perdas também
gigantescas quando sobreveio a baixa. Os cidadãos já não aceitam o falso
argumento de que esse resultado não desejado refletiria o ‘excepcionalismo’ do
papel dos bancos nas economias. E como, afinal, aceitariam tal argumento, se os
‘resgates’ multibilionários não trouxeram de volta nem os empregos nem o
crescimento?
A
exigência, nas ruas, por sistema mais justo não calará. Só se deve esperar que
se alastre, com clamor popular cada vez mais alto e mais claro. Não resta
alternativa ao ocidente, além de buscar equilíbrio mais justo – entre capital e
trabalho; entre as gerações presentes e futuras; e entre o setor financeiro e a
economia real.
Assim
chegamos à última variável: o papel dos políticos e dos legisladores. Virou
moda, nos EUA e na Europa, falar de uma debilitante “falta de lideranças”. Essa
ideia só faz chamar a atenção para o quanto uma muito complexa mudança de
paradigma pressiona hoje as ideias, os processos e os sistemas de governo
tradicionais.
Diferentes nisso das economias emergentes, os países
ocidentais são mal equipados para enfrentar mudanças estruturais e seculares – e
não é difícil entender que seja assim. Afinal, as grandes economias ocidentais –
com certeza durante o período erroneamente chamado de “Grande
Moderação”[1], entre
os anos 1980 e 2008 – sempre foram predominantemente cíclicas. Quanto mais tempo
demorarem a ajustar-se, maiores os perigos.
A
vasta maioria de nós, que estamos no polo receptor dessas quatro dinâmicas, nem
por isso temos de nos deixar paralisar pela incerteza e pela ansiedade. Temos,
isso sim, de usar essa “equação reduzida” para monitorar os acontecimentos,
aprender com eles e adaptar-nos. Sim, sem dúvida haverá volatilidade, pressões
surpreendentemente fortes e resultados estranhos, em termos históricos. Mas a
mudança no paradigma global, além de alterar os riscos, também altera as
oportunidades.
Nota
dos tradutores
[1]
Orig. Great Moderation. James Stock, economista de Harvard, cunhou a
expressão “a grande moderação” em artigo co-assinado com Mark Watson, de
Princeton, em 2004 (“Has the Business Cycle Changed and Why” [O ciclo de
negócios mudou e por quê]). Ben S. Bernanke deu grande divulgação à expressão,
em discurso intitulado “The
Great Moderation”, dia 20/2/2004, quando era diretor do Federal Reserve,
durante a presidência de Alan Greenspan.
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