sexta-feira, 11 de novembro de 2011

Occupy Chicago - Não adianta insistir. “Não sou commodity”


Vijay Prashad



7/11/2011, Vijay Prashad, Countercurrents
Traduzido pelo pessoal da Vila Vudu



I. Lasalle e Jackson

O prédio da Câmara de Comércio de Chicago [Chicago’s Board of Trade, 1930] é sentinela do capitalismo agrário. Na fachada de pedra veem-se dois símbolos da agricultura: um egípcio que abraça um feixe de trigo, e um nativo norte-americano que abraça espigas de milho[1]. Os dois têm a cabeça coberta por um manto e têm ar cansado, derrotados pela combinação de ceifadeiras e fosfatos, pelo capital congelado do vasto agrobusiness que converteu os campos em fábricas. Assistindo ao desenvolvimento daquele então novo tipo de agricultura, John Steinbeck escreveu:

“O banco – o monstro – tem de ter lucros todos os dias. Não pode esperar, ou morre. Se o monstro pára de crescer, morre. Não pode conservar o mesmo tamanho por muito tempo. Ou morre... Não somos nós, o problema. O problema é o banco. O banco não é um homem. Um proprietário de 50 mil acres de terra não é como um homem. É o monstro...”  [2].

Bushels [3] de milho e carne de porco congelada [4]  passariam a ser vendidos no poço da Câmara de Comércio de Chicago, acrescentando os sobe-e-desces da turbulência financeira aos padecimentos que a natureza impõe aos pequenos proprietários de terra. Em pouco tempo, os produtos do solo convertidos em mercadorias desapareceriam do palco central dos negócios, quando a Câmara de Comércio de Chicago converteu-se em gigantesca base para compra e venda de derivativos (a Câmara de Comércio fundiu-se com a Bolsa Mercantil, e é hoje o maior balcão de compra e venda de derivativos dos EUA). Papéis fictícios sobre papéis fictícios, acabaram por sugar toda a riqueza social. Não surpreende que a Câmara de Comércio de Chicago tenha decidido construir seu próprio mausoléu, do outro lado da calçada, exatamente em frente do prédio do Federal Reserve Bank of Chicago. A agricultura foi entregue ao rei Dinheiro.


O acampamento temporário do movimento OccupyChicago está construído exatamente entre o mausoléu da Câmara de Comércio e o mausoléu do banco Federal Reserve de Chicago. Começou na calçada em frente ao prédio do Federal Reserve, mas, dez dias depois, a polícia de Chicago jogou as barracas do movimento OccupyChicago para o outro lado da rua. Hoje, a maior parte das barracas está, mesmo, na calçada do prédio do Bank of America (onde, no térreo, funciona uma loja Ann Taylor), com algumas barracas respingadas também pela calçada da Câmara de Comércio.

De todos os acampamentos Occupy que já visitei, só em Chicago não há acampamento permanente. O prefeito da cidade Rahm Emanuel (“primeiro amigo” de Obama na eleição e nos primeiros dias de governo, e de quem se afastou alguns meses depois, para concorrer à prefeitura de Chicago), e bem poderia ser qualquer Daley III, jamais permitirá que haja barraqueiros por ali: nem no coração do Distrito Financeiro de Chicago nem no histórico Parque Grant (onde Obama festejou a eleição, em 2008).

Sarah, Deborah e Ryan andam por ali com pés de milho e trigo de papel, e um cartaz que diz “Não sou commodity” [“Não sou mercadoria”, talvez. No orig. Don’t Trade on Me]. Deborah diz que a ausência de barracas significa que a manifestación manifestação - está proibida em Chicago, deliciosa palavra em espanhol, que captura a essência dos acampamentos Occupy Manifestation, manifestación; manifestação é a aparição do povo no espaço público, em plena luz, para dizer que aquelas pessoas existem, que têm voz. Em Chicago, não, nenhuma manifestação é possível.

Nas primeiras horas do dia 23 de outubro, o prefeito Emanuel mandou polícia desmontar o acampamento, implantar um toque de recolher no Parque Park e prender os manifestantes. Não esperava que, no pacote, os policiais prendessem duas enfermeiras (uma delas é Jan Rodolfo, diretora da sessão do meio-oeste da União Nacional de Enfermeiros dos EUA [5]; a outra Martese Chism [6]). A organização National Nurses, furiosa com a violência policial contra os manifestantes e contra as duas enfermeiras, denunciou a violência do prefeito, e organizou uma marcha de camisetas vermelhas (uniforme oficial de enfermeiros e socorristas) até o prédio onde funciona o gabinete do Prefeito, para protestar contra as prisões de enfermeiros e a destruição, pelos policiais, de um posto de primeiros socorros completamente montado e em funcionamento.

Kim, ao lado, tem uma teoria sobre a tática do prefeito Democrata. Em maio de 2012, Chicago hospedará a reunião de cúpula do G-8 da Organização do Tratado do Atlântico Norte (OTAN). Emanuel sabe que deve esperar protestos ferozes na cidade. “O prefeito não quer que se crie um precedente para mais protestos”, diz Kim, que, semanalmente, durante algumas horas, posta-se sempre na mesma esquina, com cartazes. Durante o ataque policial e as prisões, em outubro no parque Grant, a polícia de Chicago deixou escapar que a operação contra Occupy seria uma espécie de treinamento para as manifestações populares esperadas para maio.

Dia 26 de outubro, OccupyChicago e uma coalizão de dois grupos, Contra a Guerra do G-8/OTAN e o movimento Contra a Agenda de Miséria, decidiram ocupar o prédio da prefeitura de Chicago, o City Hall. Queriam que todas as acusações contra os presos e detidos fossem canceladas e exigiram que aqueles grupos fossem autorizados a participar das manifestações de maio. Emanuel sabe o que está em jogo: se permitir um protesto, e a coisa crescer e tomar o rumo dos “Days of Rage” de 1968, pode haver problemas para a reeleição de Obama em novembro. Se proibir os protestos e os manifestantes tomarem as ruas de Chicago, o efeito pode ser ainda pior. “A bola, agora, está com o prefeito Emanuel” – disse Andy Thayer, da coalizão.

Dan caminha ao lado de Kim. Leva na camisa um enorme Button em que se lê “Fuck Rahm”. Expressa bem o sentimento geral de todos, da calçada.

II. Drexel Boulevard

Sentado na cantina do quartel-general da coalizão Rainbow/PUSH, na comunidade Bronzeville de Chicago, ouço o que dizem Loren Taylor de OccupyChicago são “uma frente” da batalha. Abriram espaço para outras frentes, como na região sul da cidade, onde as taxas de pobrezas são monumentais e onde se tornou cada vez mais difícil manter vivo o slogan civilizacional de Jesse Jackson, keep hope alive [mantenha viva a esperança]. Com Loren está Brittney Gault, já formada e naufragada na dívida que contraiu para financiar o curso universitário, mas bem alerta para a oportunidade que a dinâmica dos movimentos Occupy abre para a comunidade dos afro-norte-americanos.

Brittney é a principal animadora do movimento Occupy the Hood Chicago. Ela diz que está bem consciente de que o sistema “não mudará. Estamos nos preparando para os próximos cinco anos, quando os problemas serão muito maiores.” O que Occupy the Hood Chicago está fazendo é “nos reposicionar”, para ver o que as pessoas já estão fazendo para sobreviver em tempos difíceis e conectar movimentos e indivíduos, ligar uns aos outros. 

Uma das lições da dinâmica Occupy é que, apesar de já termos nossos mil problemas e de termos tentado mil e uma experiências para mudar, nosso trabalho sempre foi solitário. Occupy deslegitimou a solidão do sofrimento e as lutas individuais. A linha direta que liga Brittney e Loren aos que organizam movimentos antidespejos, como J. R. Fleming (da Campanha Chicago Contra os Despejos), jovens organizadores sociais como Shamar Hemphill (da Rede Ação Muçulmana Urbana do centro da cidade) e os jovens do grupo FLY (Fearless Leading by the Youth [aprox. “sem medo e pelos jovens”] manifestou-se sem que ninguém tivesse de procurar por aquela linha de conexão.

“Criou-se um movimento” – diz Loren Taylor. “O que você pensar que quer fazer ou o que você já está fazendo: chegou a hora de fazer avançar o seu jogo.” A missão do grupo Occupy the Hood é “criar sistemas sustentáveis de recursos para o povo e pelo povo”. Só pode acontecer “se participarmos das Assembleias Gerais, das manifestações, das marchas, onde e quando seja preciso.” Aparecer e fazer-se ver é outro modo de dizer manifestación.

Cathy “Sugar” Russell, de OccupyChicago, é só sorrisos. Tem ares de quem não dorme bem há vários dias, mas não está cansada. Nos encontramos no dia da ação “Bank Transfer” (5/11), ideia de Kristen Christian (em Facebook) logo encampada pelo Progressive Change Campaign Committee, cujo porta-voz Neil Sroka reconhece que a campanha “pegou fogo pelo país” por causa da “mudança que houve em todas as conversas, inspirada por OccupyWallStreet.” Em cronologia impressionante, o Bank of America anunciou dia 29/9 que passará a cobrar tarifa mensal máxima de $5, de todos os usuários de cartões de crédito. Assim, congelou a fúria contra os bancos. Ao longo do próximo mês, diz a Credit Union National Association, 650 mil correntistas transferiram $4,5 bilhões de dólares, dos grandes bancos, para cooperativas de crédito. São números jamais vistos. Russell vê com entusiasmo essa ação. Mostra que a dinâmica Occupy tem músculos. A apresentadora de rádio Santita Jackson pergunta a Russell se o General Inverno obrigará os manifestantes e os protestos de rua a recuarem. Entusiasmado com o resultado do Dia de Bank Transfer, Russell sorri: “Os chicaguenses somos habituados à neve. Aqui estamos e daqui não arrastaremos pé.”

O novo slogan de Jesse Jackson é “occupy, occupy, occupy”. Que assim seja.





Notas dos tradutores
[1] Imagens em Chicago Outdoor  
[2] STEINBECK, John, Grapes of wrath [1939], cap. 5 (ingles); no cinema, dir. John Ford, Steinbeck co-roteirista [1940] As vinhas da Ira; em português; As vinhas da ira, SP: Best Bolso, trad. Herbert Caro, s/d.
[3] Bushel: unidade de medida usada nas bolsas norte-americanas de futuros e derivativos para grãos e frutas. Usa-se também em português. 1 bushel = 27, 2155kg.
[4] Original hog bellies. É expressão usada em inglês para designar os primeiros contratos de compra e venda nos mercados futuros de carne, criados em 1961, que se tornaram uma espécie de metáfora geral da Bolsa Mercantil de Valores de Chicago naquele momento e, por extensão, também de todas as negociações em mercados futuros; a imprensa adotou a mesma expressão, que se generalizou. Dia 18/7/2011, esse específico tipo de contrato de mercadoria futura deixou de ser negociado na Bolsa de Valores de Chicago. Nesses contratos negociavam-se unidades de 18 toneladas de carne de porco congelada.  
[5] Entrevista, com relato do que aconteceu (em inglês). A enfermeira disse que estava trabalhando na manifestação, como enfermeira, dando atendimento aos manifestantes. Disse também que, imediatamente depois de libertada, voltou à manifestação, e continua fazendo o que fazia antes, não só como enfermeira, mas, sim, porque é parte do movimento Occupy.

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