16/11/2011, Dafydd
Taylor, Asia Times Online,
“Speaking Freely” [título modificado]
Traduzido pelo
Coletivo da Vila
Vudu
A crise financeira
global avança, e ouvimos repetir com insistência que, apesar de alguns
problemas, todos os benefícios da modernidade seriam resultados incontestáveis
do sistema capitalista.
Que a mão
invisível, que Adam Smith tão notoriamente documentou, nos trouxe o progresso
industrial, das linhas de montagem ao telégrafo e à Internet. Nada disso é bem
assim. A linha de montagem, sistema fabril inspirado nas invenções de Sir
Richard Arkwright (1732-1792), mais de um século antes de Henry Ford, foi
resposta aos efeitos da Revolução Agrária Britânica.
Vastos pools de mão de obra barata criados pelo
cercamento da terra comum, combinados com as políticas econômicas do
mercantilismo tornadas especialmente efetivas pelo crescimento do império
fizeram da Grã-Bretanha a nação líder do processo de industrialização. O
desenvolvimento industrial foi resultado dessa interação entre estado e setor
privado. Essas lições, que o ocidente parece nunca ter compreendido
satisfatoriamente, foram atentamente aprendidas pela China – hoje o país mais
bem sucedido do planeta.
A Grã-Bretanha só
adotou o livre comércio como política, no final do século 19 – nação plenamente
industrializada, que se entrincheirou para defender essa posição; e defesa que
incluiu conter ou limitar o crescimento dos concorrentes. A força que puxou
adiante o desenvolvimento da primeira rede de comunicações eletrônicas que o
mundo conheceu, o telégrafo, foi o Império Britânico.
Nos EUA, o
desenvolvimento também foi comandado pelo estado e por intervenção do estado.
Mais especificamente: a intervenção do Departamento de Defesa dos EUA foi fator
decisivo para o desenvolvimento das redes de computadores. E aqui se deve
registrar uma importante verdade: foi a pressão competitiva dos soviéticos que
forçou o estado nos EUA, através do Departamento de Defesa, a comandar o
desenvolvimento de uma rede de comunicações computador-computador.
Todo esse
desenvolvimento puxado pelo estado aconteceu no ocidente “capitalista”. Em
resumo: o ocidente saiu-se melhor que os russos, na Guerra Fria, não porque era
capitalista, contra soviéticos comunistas. O ocidente venceu a Guerra Fria
porque o ocidente manteve-se mais pragmático que ideológico. No ocidente, o
desenvolvimento e a organização econômica não tiveram de ser mantidos “puros”;
as coisas se misturaram mais.
Isso não implica
dizer que nada se aproveita no pensamento pró “livre mercado”, para construir
políticas econômicas que prestem. Em termos simples, os mercados florescem
porque as pessoas, entregues a seus próprios meios, sempre tendem a
especializar-se e a trocar. A isso se chama “mercado”. A genialidade de Smith
foi tanto (I) ter documentado e teorizado o que sempre foi um estado natural das
coisas, quanto (II) ter visto ali um modelo econômico recomendável. Um dos seus
mais poderosos insights foi “ver” a importância do marginal sobre o
absoluto.
A água, muito mais
vitalmente necessária e importante que o uísque, vende-se mais barata. Por quê?
A resposta está no benefício marginal. O preço que as pessoas estão preparadas
para pagar não é governado pelo valor absoluto de uma mercadoria, mas pelo valor
de mais um copo d’água, ou de uísque. A Escócia, terra de Smith nunca enfrentou
escassez de água.
E num mercado
perfeito, diz a teoria, o preço tende a convergir para o custo marginal de
produção. Só se pode vender alguma coisa pelo custo extra de produzir mais um do
mesmo produto. Como alguém poderia sobreviver de investimentos, num sistema
assim?
As instituições
educacionais são crucialmente importantes para qualquer desenvolvimento técnico.
Essas instituições não são instituições capitalistas. Instituição que vise a ser
educacional não aprovará alunos em troca de mensalidade paga, mas em troca de
resposta reconhecida a algum tipo de teste. Esse não é sistema de mercado. Se
fosse, haveria diplomas (valiosos e prestigiados no mercado) à venda. E não há.
Se a instituição vende diplomas, o diploma automaticamente se desvaloriza.
Em resumo, a vasta
maioria dos – se não todos os – grandes desenvolvimentos técnicos, exigem hoje,
como sempre exigiram, intervenção do estado e defesa contra a concorrência, para
que o desenvolvimento sobreviva. O que o setor privado faz muito bem é, só e
sempre, copiar os desenvolvimento inovadores, produzi-los industrialmente e
distribuí-los comercialmente.
Apesar de tudo
isso, o atual discurso político e econômico dominante ainda assume que o sistema
capitalista seria vital para o desenvolvimento de novas tecnologias. Não é e
nunca foi. Essa é uma crença baseada na fé, não na razão ou em fatos. Hoje, a
teoria do mercado racional já deveria estar tão publicamente desmoralizada
quanto a teoria do comunismo soviético e a teoria da “imprensa livre”.
O que o
capitalismo faz é distribuir, pelos mecanismos comerciais, produtos novos e
melhores, ou novos e melhores meios de fazer coisas. O capitalismo comunica a
inovação, muito rapidamente, isso sim. Mas o capitalismo absolutamente não
produz inovação. O capitalismo não promove a inovação e jamais promoveu. O
capitalismo só promove o comércio.
Mercado é qualquer
fórum no qual compradores e vendedores encontrem-se para acertar um preço e
concluir uma troca: pode ser eBay e pode ser o terreiro de uma aldeia africana.
Se todos os que vendem conseguem chegar a um preço semelhante, onde todos os
vendedores são independentes, mas é do interesse de todos manterem-se próximos
(como aves num bando, abelhas num enxame), pode-se dizer que, sim, o mercado é
livre. Mas aí nada há, de inovador ou de inovação. Esse comportamento é tão
antigo quanto, ou talvez mais antigo, que a civilização.
Assim sendo, por
que tantos tanto repetem a ideia de que o capitalismo encorajaria a inovação? É
ideia também sempre repetida, que o setor privado seria bom e o setor público,
mau. Que qualquer regulação do setor privado, capitalista, bloquearia a
inovação. O que se vê hoje é que o capital não regulado – deixado livre,
portanto – arrastou o mundo para a crise econômica que enfrentamos hoje.
Há paralelos
próximos entre a desregulação dos 1980s e 1990s e dos 1920s, e entre a crise
atual e a grande depressão dos 1930s. E também há paralelos entre o colapso do
padrão ouro e a crise atual na eurozona. Em vários sentidos, vivemos hoje a
segunda fase da globalização: a primeira começou nos anos 1920s. Já aconteceu
antes. O capitalismo desregulado nos devolveu, pela segunda vez, ao ponto a que
já nos devolvera antes.
Crer no
capitalismo como promotor do progresso é uma fé, uma crença. Nem os mercados são
racionais, nem são racionais os economistas, os financistas e os
banqueiros.
Enquanto
políticos, economistas, jornalistas não desenvolverem alguma ideia realista, não
religiosa e não fundamentalista, sobre o funcionamento do sistema capitalista,
não há qualquer chance de que alguém comece a esboçar alguma política econômica
aproveitável, para o futuro.
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