26/11/2011, Jihan
Hafiz, The Real News
Network
[vídeo
e falas transcritas e traduzidas pelo pessoal da Vila Vudu]
A
corrente humana, de braços dados, que faz a linha de frente dos confrontos de
rua entre cidadãos egípcios desarmados e as forças de segurança do estado, tem
de enfrentar, dentre outros riscos, as granadas de gás lacrimogêneo lançadas
pela polícia egípcia. Mas antes da paz, os manifestantes enfrentam ainda o caos
criado pelas bombas de gás lacrimogêneo usadas pelas forças de segurança
egípcias.
[fala
a moça com máscara de papel]: Está muito difícil ficar ali, por causa desse gás.
Estávamos a mais de 50
metros das bombas, há mulheres,
crianças...
Esse
gás parece simbolizar a violência das forças de segurança. Durante os cinco dias
de combate violento entre os manifestantes e as forças policiais, os postos de
emergência e os hospitais de campanha instalados na Praça Tahrir ficaram
superlotados de vítimas de intoxicação por gás. Alguns não sobreviveram. Os
serviços de saúde pública contabilizam sete casos de morte por asfixia. Muitos
dos intoxicados respiraram o gás em pontos bem distantes dos confrontos, como
essa mulher, que inalou o gás quando fazia compras numa loja, no centro da
cidade.
[fala
a moça com véu]: Juro que estava bem longe daqui. De repente, não conseguia
respirar, fiquei sufocada. O gás entrou pelo meu nariz, pelos olhos... e
desmaiei. Usarem esse veneno só fará os jovens ficarem cada vez mais
furiosos.
Os
manifestantes e o pessoal de saúde que dá atendimento aos feridos já denunciaram
os efeitos excepcionalmente fortes do gás que está sendo usado, mais fortes que
o gás usado nos primeiros dias do protesto, na chamada Revolução de 26 de
janeiro. Para alguns, a Polícia estaria usando granadas de gás já vencidas e
impróprias para uso.
Samir,
que desmaiou meia hora depois dessa entrevista, explica por que o gás tem efeito
tão devastador:
[Samir,
sentado na calçada]: O prazo de validade das granadas já expirou. Além disso, as
granadas não podem ser lançadas tão próximas da multidão. Devem explodir a, no
mínimo, 300
metros da multidão. Mas a polícia dispara contra nós quase
a queima-roupa, de 20, 30m. É ilegal. A Polícia é proibida de lançar essas
bombas diretamente contra as pessoas. Acho que estão usando as bombas em curta
distância, talvez numa espécie de teste, para avaliar os efeitos. E o efeito é
terrível.
As
densas nuvens de fumaça são tão devastadoras, que às vezes nem os motoristas das
ambulâncias conseguiam prosseguir para recolher os
intoxicados.
O
antídoto que os médicos usavam no início do ano, contra os efeitos do gás
lacrimogêneo, não funcionou dessa vez.
[Fala
o médico de campanha]: Dessa vez os efeitos são mais fortes e diferentes. Estão
usando algum outro tipo de gás. Os pacientes têm convulsões, vômitos
incontroláveis e outros sintomas, sem causa aparente. Estamos pensando em
organofosfatados, que são gases muito tóxicos, ou coisa parecida. Estamos usando
água e soluções de glucose e nuvogel, tentando criar outro tipo de gel ou
cobertura, que proteja contra esse novo gás.
Organizações
de direitos humanos e o pessoal médico já recolheram granadas do gás usado e
enviaram para exames, na esperança de, conhecendo a verdadeira fórmula do gás,
encontrarem tratamento mais efetivo.
[Fala
o médico voluntário, de camisa]: Estamos tentando encontrar tratamento contra os
efeitos do novo gás. Estamos pesquisando pela internet, para saber o que essaas
bombas contêm. Não há dúvidas de que se trata de outro gás. Não é o mesmo gás.
Os intoxicados trazem feridas também nas mucosas do nariz, nos olhos e os
intoxicados relatam pressão no peito e dificuldades para respirar. Em alguns
casos, houve ataque cardíaco.
Na
4ª-feira da semana passada, as forças de segurança quebraram a trégua que se
estabelecera entre a polícia e os manifestantes, e atacaram a multidão desarmada
com granadas de gás lacrimogêneo e bombas revestidas de borracha. A rede
Al-Jazeera noticiou que o gás lacrimogêneo foi lançado na Praça Tahrir num
momento em que lá havia famílias, mulheres, crianças. Quase imediatamente os
manifestantes começaram a apresentar sintomas de
intoxicação.
Segundo
Relatório do Departamento de Estado [Egito] de 2006, mais de 1,7 milhões de
dólares foram gastos na compra de armas não letais, entre as quais gás
lacrimogêneo, fabricadas nos EUA e compradas com o dinheiro da ajuda militar que
os EUA dão aos militares egípcios. Granadas, embalagens e cartuchos recolhidos
na Praça Tahrir por manifestantes indicam que praticamente todas são fabricadas
por duas empresas. Uma delas, a norte-americana Combined Tactical, com sede em
Jamestown, na Pensilvânia, nos EUA.
Outras das granadas são fabricadas por Defense Laboratories [ver imagem], com
sede também na Pensilvânia.
Esse
médico demonstra os efeitos colaterais do gás fabricado nos EUA, tirando latas
de um saco plástico: “Tem cheiro muito forte, e os olhos ardem demais. Isso,
depois que as granadas já foram usadas, estão frias e já foram lavadas. Bastou
tirar as latas usadas do saco plástico e olhem como estão meus
olhos”.
As
duas empresas descrevem seus produtos como “less lethal” [menos letal] e não há
dúvida que vendem para seus produtos para Israel. A empresa Combined
Tactical exibe até, na entrada, uma bandeira de Israel, na cidade de
Jamestown.
Apesar
das nuvens persistentes de gás lacrimogêneo, os manifestantes continuam na praça
Tahrir, provando a resistência da revolução egípcia, também contra granadas de
gases tóxicos.
[fala
o médico voluntário, na Praça Tahrir]: “Não há dúvidas de que o gás é perigoso,
mas não nos assustam. Sabemos que podemos morrer aqui e não temos medo de nada.
[Mostra um adesivo na camisa]. Aqui está escrito: “Sabemos que podemos morrer
aqui.” Sabemos disso. Morreremos aqui. Ou eles vão embora.”
Por
hora, foram suspensos os ataques com gases tóxicos. Médicos e organizações
humanitárias estão investigando o conteúdo das granadas recolhidas, com
vestígios dos gases usados pelas forças de segurança do Egito, contra
manifestantes desarmados, na Praça Tahrir, nos últimos
dias.
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