10/11/2011, Nate
Wright, Middle East Research and
Information Project, MERIP
Leia
a 1ª. Parte do artigo em: Egito:
a campanha eleitoral (1/2)
O
colapso das alianças
Tudo
veio abaixo nas primeiras semanas de outubro. O Partido Al-Wafd anunciou que
estava deixando a Aliança Democrática, mas logo depois se desmentiu. Na sede do
partido, numa velha mansão no bairro luxuoso, mas que já conheceu melhores dias,
de Duqqi, no Cairo, uma reunião entre membros da aliança, organizada para exibir
uma frente de partidos unidos, descambou para a pancadaria. Os jornalistas foram
expulsos da sala. Nos dias seguintes, ficou claro que o Partido Al-Wafd
concorreria em estrada própria às eleições parlamentares. Foi a primeira fenda
que se abriu na paisagem eleitoral que, em seguida, seria reduzida a
cacos.
No
complicado processo eleitoral criado pelas regras do Exército egípcio, os
eleitores escolherão entre várias listas de candidatos a dois terços dos
assentos parlamentares correspondentes a cada distrito. Depois, escolherão numa
longa lista de candidatos que competem, como candidatos independentes, aos
assentos parlamentares restantes. Esse sistema implica que partidos que se unam
em coalizões eleitorais são forçados a estabelecer uma única lista eleitoral
para cada distrito eleitoral. Se a lista receber número suficiente de votos para
dois candidatos naquele distrito, os dois primeiros nomes da lista recebem um
assento cada um, no Parlamento. Quando os grupos afinal entenderam que os blocos
teriam de negociar para definir quais os primeiros nomes a aparecer em primeiro
lugar em cada distrito, as alianças eleitorais desmoronaram. O Partido Liberdade
e Justiça foi acusado de monopolizar as listas com seus próprios candidatos,
rompendo compromisso antes assumido de que os irmãos da Fraternidade Muçulmana
só concorreriam a 30% dos lugares no Parlamento. Al-Baltagi disse que os nomes
apresentados por outros partidos não faziam qualquer diferença. “Não foram
aceitos porque não cumpriram as exigências mínimas”, disse ele. Gamila Isma’il,
destacada ativista, abandonou a aliança, ao descobrir que apareceria em terceiro
lugar na lista de seu distrito eleitoral.
O
Bloco Egípcio, que reunira sob suas asas vários partidos jovens, liberais, de
esquerda e marxistas, também teve problemas. Quando os líderes partidários
reuniram-se, dez dias antes de esgotar-se o prazo para registro de candidaturas,
o Partido Egípcios Livres apresentou candidatos do ex NDP. Outros partidos
protestaram, mas os Egípcios Livres defenderam suas escolher, sob o argumento de
que aqueles candidatos eram nomes respeitados e populares em suas áreas. Não
havia muitos nomes de ex-membros do NDP na lista, mas Marwa Farouq, membro da
secretaria-geral da Aliança Popular Socialista Egípcia, formada de jovens que
deixaram o Partido Tagammu’, disse que se tratava de uma questão de princípios.
“Dissemos a eles ‘Vocês estão apostando em carta perdida, porque ex-membro do
NDP, ao chegar ao Parlamento, só pensará em seus próprios interesses” – contou
ela. “‘Ele não acredita no partido.’” Vários partidos deixaram o Bloco Egípcio,
e criaram o grupo A Revolução Continua, reunião de vários partidos jovens e
ativistas independentes, inclusive os que foram expulsos da Fraternidade
Muçulmana, que focaram as atenções em aliviar a mão de ferro dos militares sobre
o país.
Os
Egípcios Livres não são o único partido mediante o qual ex-membros do regime de
Mubarak, estimados por alguns em mais de 3 milhões, tentam infiltrar-se de volta
na vida política do país. Membros do Partido Al-Wafd na Península do Sinai
separaram-se publicamente do partido quando encontraram remanescentes do antigo
regime incluídos na lista de candidatos do Partido Al-Wafd em suas respectivas
áreas. O Partido da Social-Democracia Egípcia permitiu que ex-membros do NDP se
unissem aos social-democratas, com a aprovação de líderes partidários
locais.
“Não havia vida política no Egito. Por isso, quem
quisesse participar tinha de alistar-se no NDP” – disse Basim Kamil, candidato
do partido. “Não se pode dizer que 3 milhões de egípcios são bandidos”. Foi
questão muito discutida no Egito, quando das tentativas para aprovar lei que
baniria todos os membros do antigo regime da vida política nacional, até que a
lei foi rejeitada[1]. O
sistema de apadrinhamento do sistema do NDP incluiu membros conhecidos de
grandes famílias, sobretudo no Alto Egito, e muitos partidos, desesperadamente
necessitados de melhorar o próprio perfil eleitoral fora do Cairo, parecem estar
recheando suas listas eleitorais com qualquer nome que apareça. “Todos esses
partidos estão à caça de candidatos” – disse Magid Sorour, cuja organização, One
World Foundation, monitora o processo das eleições. “Descobrimos que muitos
candidatos de vários partidos da oposição são ex-membros do
NDP”.
O
futuro parlamento egípcio mostrará, provavelmente, alguns rostos bem conhecidos.
Membros do NDP estão emergindo em vários novos partidos, inclusive no Partido da
Unidade, fundado pelo ex secretário-geral do NDP, Husam Badrawi, que diz que
lançará 100 candidatos. Mais de 6.000 pessoas registraram-se para concorrer a
1/3 dos assentos no Parlamento reservados aos candidatos independentes. Relatos
sugerem que muitos deles vêm do partido governante no governo de Mubarak. Se se
saírem bem nas urnas, um contingente de ex-membros do NDP acrescentará mais uma
camada de incerteza a um parlamento fraco, já fracionado em muitos pequenos
partidos. O partido governante sob Mubarak jamais mostrou qualquer consistência
ideológica e o que pensem os seus membros continua a ser perfeito mistério. Pode
acontecer de assumirem firme posição a favor de reformas, como tentativa de
satisfazer os novos eleitores. Mas também há quem tema que ex-membros do NDP,
habituados a um sistema de apadrinhamento e favor, simplesmente ponham seus
votos em leilão, para servir a quem pague mais. Atores ativos por trás do palco
poderão então exercer influência completamente alheia ao projeto dos eleitores,
o que desestabilizará ainda mais qualquer consenso sobre questões cruciais das
reformas. A questão mais importante que o país enfrentará será o papel a ser
especificado na nova constituição para os sempre poderosos generais
egípcios.
Os
generais no poder
O Egito sempre foi governado por oficial militar desde
que os Oficiais Livres tomaram o poder em 1952. Ao ritmo em que diminuía a
capacidade de combate do exército egípcio, a instituição assumiu vasto portfólio
de interesses econômicos, produzindo de tudo, de macarrão a hotéis de luxo. O
exército foi parte integral do regime de Mubarak, mas os egípcios tendem a
separar o exército, da brutal força policial e do partido governante corrupto.
Quando soldados em veículos blindados entraram nas ruas, dia 28 de janeiro,
depois de batalha sangrenta entre manifestantes e a polícia, foram saudados como
heróis. Não atiraram contra os manifestantes e, nos dias mais negros de caos e
violência no Cairo, agiram como pequenos oásis de estabilidade. (...)[2]
O
controle do país passou para um Conselho Supremo das Forças Armadas (SCAF),
grupo de altos generais que buscaram alavancar a própria popularidade, para
proteger a própria autonomia em qualquer futuro governo. Alguns deles definiram
a revolução egípcia como golpe de estado, movimento esperto, para que os
militares pudessem usar os protestos revolucionários como cobertura para o
expurgo dos principais apoiadores de Mubarak, muitos dos quais viveram em
confronto permanente com os líderes militares e, na prática, governavam o país
como bem entendiam. Mas tudo leva a crer que, quando os militares
posicionaram-se contra Mubarak, ele mesmo ex-piloto da Força Aérea egípcia,
pensavam só em obter prerrogativas paroquiais: preservar a própria
infraestrutura econômica, assegurar a continuidade do apoio financeiro que
recebem dos EUA e manter o controle da política exterior do
país.
No
poder, o Conselho Superior das Forças Armadas tratou de impor leis de emergência
para fazer prisões em massa – mais de 12 mil, desde fevereiro – e incitar a
hostilidade popular contra dissidentes que criticassem suas decisões. Dia 23 de
julho, um membro do Conselho Superior das Forças Armadas acusou pela televisão o
Movimento 6 de Abril, cujos protestos ininterruptos haviam-se tornado espinho na
pele do Conselho, de tentar instigar a população contra o exército. Declaração
distribuída depois pelo Conselho, acusava o Movimento 6 de Abril de servir a
“agendas estrangeiras”.
A
batalha entre os generais e os ativistas que continuavam a insistir em transição
rápida para governo civil, dividiu o país. Muitos começaram a sentir que os
protestos estavam causando dificuldades para a vida de muitos, por causas
insignificantes. Os que eram alvos dos ataques dos militares interpretaram a
relutância de algumas forças políticas, que demoravam a se manifestar, como
prova de que já teriam firmado um pacto com os militares, para promover a
contrarrevolução. A disputa, daí em diante, deteriorou cada vez mais depressa.
Os manifestantes, na maioria liberais e seculares, foram apresentados como
hostis à democracia, porque levavam suas reivindicações para a rua. E os
islamistas foram apresentados como hostis à democracia porque não o
faziam.
Nos
últimos dias de junho, em cerimônia que homenagearia a memória das vítimas dos
protestos revolucionários de fevereiro, realizada no Balloon Theater, no bairro
de Agouza, no Cairo, eclodiu um confronto entre as forças de segurança e
familiares dos mortos, presentes à cerimônia. A batalha rapidamente espalhou-se,
chegou à Praça Tahrir e, pela manhã, havia pelo menos 1.140 feridos. Em seguida,
dia 8 de julho, milhares de pessoas acorreram ao que seriam os maiores protestos
acontecidos na Praça Tahrir desde a deposição de Mubarak. Políticos e ativistas
puseram de lado as disputas sobre a futura constituição do país e, pela primeira
vez, egípcios de todo o espectro político manifestaram claro desagrado sobre
questões que, todas elas, estavam sob o comando do Conselho Superior das Forças
Armadas: a libertação de policiais acusados de assassinar manifestantes; a
lentidão da reformas nas leis de segurança; o julgamento cada vez mais frequente
de ativistas presos nas manifestações de rua, por tribunais militares; e a
violência crescente nos confrontos entre manifestantes e a polícia antitumultos.
Familiares dos mortos durante a revolução e um pequeno contingente de ativistas
iniciaram um sit-in na praça, que provocou engarrafamento
monstro e praticamente paralisou o Cairo.
Os
generais responderam com várias concessões. Em uma semana, o ministro do
Interior Mansour Al-’Isawi assinou a demissão de mais de 600 policiais, acusados
de abusos durante os protestos. O ex-ministro do Interior do governo Mubarak,
Habib Al-’Adli, foi condenado por desvio de fundos públicos – tentativa de
conter a crescente irritação popular contra a lentidão dos processos criminais
contra membros do antigo regime. O ministro das Finanças assinou aumento de mais
de 50% no salário dos funcionários públicos. Duas semanas depois, ante relatos
de que os militares estavam impedindo qualquer mudança no gabinete do
primeiro-ministro Isam Sharaf, foram nomeados novos
ministros.
Observadores
próximos não demoraram a ver que as concessões não eram exatamente o que
pareciam ser. Membros chaves do antigo gabinete, como os ministros do Interior e
da Justiça sobreviveram à “reforma” e permaneceram em seus cargos. A lei de
emergência, fonte de legitimidade para as táticas violentas dos militares, foi
mantida inalterada. Só 37 dos policiais demitidos eram de fato acusados de
atirar contra manifestantes. Magda Butrus, pesquisadora do Instituto Egyptian
Initiative for Personal Rights, listou cerca de 200 policiais militares ativos
contra os manifestantes. “O ministro está vendendo as demissões como grande
mudança no ministério do Interior, mas aquelas dispensas foram pura rotina e
acontecem anualmente” – disse ela, pouco depois do anúncio oficial. “Alguns
oficiais pedem aposentadoria, outros são promovidos e alguns são apenas
transferidos de posto.”
Ao
mesmo tempo, o Conselho Superior das Forças Armadas prosseguia na campanha para
denegrir a imagem dos manifestantes. Em fala transmitida por televisão dia 12 de
julho, o porta-voz do Conselho, general Muhsin Al-Fangari, conclamou os egípcios
a resistir contra “tentativas de impedir a restauração da normalidade no país”,
referência mal ocultada aos manifestantes que fecharam a praça Tahrir. A fala
enfureceu os ativistas. O Twitter
encheu-se de críticas ao tom hostil da fala do porta-voz do Conselho. Mas a
mensagem do Conselho Superior das Forças Armadas encontrou eco entre muitos
egípcios. A manifestação que bloqueava a Praça Tahrir já durara três semanas. Os
números caíam, e os manifestantes afastavam-se das questões consensuais para
todos. Fecharam, por alguns dias, o acesso a um importante prédio da
administração pública, próximo da Praça Tahrir, o que impediu que centenas de
egípcios pudessem renovar as licenças para dirigir. Moradores da região davam
sinais de cansaço com a persistente interrupção da rotina da
vida.
Dia
1º de agosto, primeiro dia do Ramadã, centenas de militares e policiais surgiram
sobre a Praça Tahrir vindos de todos os lados. Os manifestantes, que se
protegiam sob as tendas improvisadas, no opressivo calor da tarde, fugiram.
Vários foram espancados, feridos e presos. As tendas foram destruídas.
Jornalistas foram presos e aconselhados a nada filmar. A mídia internacional
protestou, mas os donos de lojas na região aplaudiram as forças de segurança,
depois de semanas de poucos negócios. A polícia ocupou a praça e o trânsito foi
liberado. Os protestos de indignação duraram pouco e, embora aquela não viesse a
ser a última manifestação de massa na Praça Tahrir, o ímpeto dos ativistas foi
contido.
O
Conselho Superior das Forças Armadas prosseguiu, sempre entre provocar e
conciliar. Prendiam manifestantes por comentários contra os militares; em
seguida, se as críticas aumentavam de tom, os manifestantes eram libertados.
Prometeram cancelar as leis de emergência e suspender os julgamentos em
tribunais militares, mas jamais cumpriram qualquer dessas
promessas.
Outro
ponto de virada ocorreu dia 9/10: quando os canais de televisão mostraram
imagens de soldados em veículos blindados atacando manifestantes coptas à frente
do prédio da televisão estatal, o povo ficou chocado. Os militares perderam
imediatamente o brilho e qualquer tipo de apoio com que ainda pudessem contar
entre a minoria copta, ainda mais quando os militares tentaram responsabilizar
os coptas pelos ataques. A imprensa oficial noticiou que os manifestantes teriam
atirado contra soldados egípcios, e que teriam matado dois soldados. O Comando
Superior das Forças Armadas declarou que os cadáveres teriam sido sepultados em
local secreto e não divulgou os nomes dos soldados mortos.
Tudo
acontecia como se os militares estivessem outra vez usando os velhos truques do
regime de Mubarak, criando crises para fugir das críticas que recebiam e
culpando as minorias pelos problemas. Falaram também de “mãos estrangeiras”.
Quando o clamor popular tornou-se forte demais para ser contido com artimanhas,
os militares fizeram algumas concessões, todas elas, de fato, impostas sem
qualquer discussão pública. O exército recusou-se a ceder o controle sobre o
ritmo da transição e sobre os termos dos acordos firmados com as forças
políticas. Quando o chefe do Conselho Superior das Forças Armadas, marechal de
campo Muhammad Husayn Tantawi, apareceu numa manifestação de rua no Cairo, em
trajes civis, dia 26/9, muitos temeram que estivesse começando a preparar
terreno para lançar-se candidato à presidência. Logo surgiram cartazes no Cairo
e em Alexandria, de propaganda de Tantawi. O Conselho Superior das Forças
Armadas negou qualquer envolvimento na “campanha”.
A
atitude dos próprios generais, o autoritarismo nas decisões e o modo como
abordaram o período de transição, acabou por fazer com que até seus aliados
políticos se voltassem contra eles. Em outubro, o segundo homem na hierarquia da
Fraternidade Muçulmana, Khayrat Al-Shatir, disse à rede Al-Jazeera que
convocaria o povo de volta às ruas, se os militares não deixassem o poder no
prazo definido. “O povo não suportará mais tirania” – disse ele. Palavras muito
fortes, da FM a qual, apenas três meses antes, declarara confiar nos militares.
Em julho, Al-Baltagi dissera que “Na nossa opinião, o exército crê na
revolução”.
A
divisão surgiu quando os militares prometeram apresentar documento sobre os
princípios constitucionais, antes das eleições parlamentares. Os liberais
desejavam receber garantias de que uma nova constituição preservaria a liberdade
de expressão e de religião. Os islamistas também pressionaram para que esse
documento aparecesse, na expectativa de usar sua forte presença parlamentar para
influir na redação de uma constituição, que deverá especificar a relação entre o
Islã e o Estado. Quando, dia 1º de novembro, o vice-primeiro-ministro Ali
Al-Salmi apresentou o tal documento aos partidos políticos, a Fraternidade
Muçulmana e os líderes salafistas recusaram-se a participar do encontro. Outros,
entre os quais Ahmad Shukri, líder do partido Al-Adl e Hafiz Abu Sa’da, ativista
de direitos humanos, retiraram-se do encontro.
Pelo
documento apresentado, o orçamento militar ficava fora da alçada de fiscalização
pelo Parlamento; e os militares ganhavam novo papel: passavam a poder nomear a
comissão que redigiria o primeiro esboço da Constituição e uma nova comissão
constitucional, no caso de a primeira comissão nomeada não apresentar projeto de
constituição no prazo de seis meses. Foi como uma declaração de independência
dos militares. “Esse documento torna o Parlamento perfeitamente inútil” – disse
Abu Sa’da, ao jornal independente Al
Masry Al Youm. Mohamed ElBaradei, prêmio Nobel e ex-funcionário da OTAN,
candidato potencial à presidência do Egito, postou a seguinte mensagem pelo Twitter: “As forças armadas não são
nação acima da nação.”
Às
urnas
Dia
28/11/2011, os egípcios irão às urnas, num extraordinário ato de fé. Padeceram
durante nove meses, conjecturando sobre detalhes de um futuro democrático que,
afinal, pode ainda não estar à vista e talvez nunca chegue. O Partido Al-’Adl,
ainda que seus candidatos obtenham sucesso estrondoso, será, no máximo, poder
minoritário num Parlamento fragmentado que ainda terá de superar suas
diferenças, se quiser confrontar os militares e mandá-los andar no rumo da
caserna. O novo parlamento eleito terá de convencer o povo de que o Parlamento é
mais capaz de governar que os militares – e governar um país no qual a força
policial está em colapso, a economia estagnou, e aumentam as demandas de uma
população habituada a subsídios, único mecanismo que, fosse como fosse, impedia
que os mais pobres morressem de fome. Se o novo parlamento não conseguir essa
proeza, os militares se transformarão, de guardiães temporários do Egito, em
poder competente para vetar quaisquer decisões dos corpos
políticos.
O
repentino colapso das alianças eleitorais significa que o Partido Al-Adl está
hoje menos vulnerável a ser afogado por coalizões políticas amplas e estáveis.
Têm melhores chances de conquistar maior número de assentos no Parlamento, que
qualquer outro dos partidos jovens, mas não se iludem. “O que é bom para nós
pode não bastar para outros” – disse Sulayman. – “Um bom número de assentos
basta apenas para nos dar uma voz.” Mas sua plataforma tecnocrática
anti-ideológica permanece sem ter sido testada, e a visão do partido, de um
parlamento de traça as linhas da política nacional e fiscaliza o poder executivo
pode não ser entendida por muitos egípcios.
No
café Nasif, em Darb al-Ahmar, um morador do bairro queria um representante local
forte, que arrancasse favores do governo central para o próprio bairro. Outro
morador disse que os representantes dos partidos não se deveriam ocupar com
detalhes do governo. “O Parlamento tem de escrever uma nova Constituição”, disse
lá. “Esse é o trabalho do Parlamento.”
O
maior desafio que o Partido Al-Adl enfrentará será abrir espaço para si mesmo,
na cabeça do eleitor. Sem visão clara do que os egípcios desejam, todos os
partidos gravitaram rumo ao centro. Até o Partido Egípcios Livres, de
empresários e a favor dos negócios, já começa a tirar do bolso credenciais de
defensores da justiça social: falam de “uma economia de livre mercado”, que seja
“responsável por todas as classes sociais”. Quando se despem de suas cores
políticas, todos os partidos mostram a mesma cara, e é difícil saber que
promessas são reais e que promessas serão esquecidas para sempre imediatamente
depois das eleições. A determinação do Partido Al-Adl, que não quer misturar-se
nas escaramuças entre os liberais e os islamistas tem mantido o Partido fora da
cobertura frenética da mídia, mediante a qual a maioria dos partidos vai
conseguindo estabelecer diferentes identidades.
Semanas
antes das eleições, os egípcios ainda não sabem o quê é o Partido Al-Adl e o que
representa, problema também enfrentado por muitos dos partidos jovens, que não
falam a língua nem usam as expressões do discurso político egípcio tradicional.
“[Os partidos dos jovens] estão em situação ainda mais precária que outros,
porque não manifestam nenhuma das ideias já profundamente enraizadas na
sociedade” – disse Walid Kazziha, professor de Ciência Política na Universidade
Americana no Cairo. “Mesmo assim, só eles manifestam uma tendência muito geral
na sociedade egípcia, que é democrática, progressista e contrária a qualquer
tipo de autoritarismo.”
Se
e quando as novas gerações de egípcios, hoje, tomarem assento no Parlamento,
afinal estarão ante o problema central de sua revolução: as multidões nas praças
públicas de todo o Egito levaram a nação a um momento de crise radical, mas,
depois, confiaram nos generais para despachar Mubarak. O exército egípcio tomará
o rumo da caserna? “Se, dia 25 de janeiro, alguém tivesse pensado sobre o que
provavelmente aconteceria, a revolução não teria acontecido” – disse Saqr.
Naquele 25 de janeiro, ele chegou de Dubai, exclusivamente para participar da
manifestação. Foi, do aeroporto, diretamente para a Praça Tahrir. “Nunca
considero a chance de uma coisa dar certo”.
Notas
dos tradutores
[1]
Hoje,
15/11/2011, essa lei foi aprovada. Ver “Membros
do partido de Mubarak, já legalmente extinto, podem concorrer às eleições de
novembro”.
[2] Aqui, o texto original diz: “Uma semana depois da queda de Mubarak, os egípcios viram o exército líbio reduzir o próprio povo a pó, como que para lembrar o quanto os militares podem ser violentos contra o próprio povo.” Essa frase é absoluta imbecilidade. Foi deliberadamente omitida da tradução desse artigo, pelos tradutores, para que as boas informações que o artigo contém não tivessem de ser descartadas, por causa de uma intrusão de opinião pirada, de um repórter útil, como relator de fatos, mas perfeitamente inútil como analista. O povo líbio foi trucidado por aviões da OTAN-EUA, não pelo exército líbio, como todo o planeta sabe perfeitamente.
[2] Aqui, o texto original diz: “Uma semana depois da queda de Mubarak, os egípcios viram o exército líbio reduzir o próprio povo a pó, como que para lembrar o quanto os militares podem ser violentos contra o próprio povo.” Essa frase é absoluta imbecilidade. Foi deliberadamente omitida da tradução desse artigo, pelos tradutores, para que as boas informações que o artigo contém não tivessem de ser descartadas, por causa de uma intrusão de opinião pirada, de um repórter útil, como relator de fatos, mas perfeitamente inútil como analista. O povo líbio foi trucidado por aviões da OTAN-EUA, não pelo exército líbio, como todo o planeta sabe perfeitamente.
Nenhum comentário:
Postar um comentário
Registre seus comentários com seu nome ou apelido. Não utilize o anonimato. Não serão permitidos comentários com "links" ou que contenham o símbolo @.