Vijay Prashad |
3/11/2011, Vijay Prashad, Counterpunch
Traduzido
pelo Coletivo da Vila
Vudu
Entre
o sentimento nos acampamentos do movimento Occupy e a ala liberal do establishment dos Democratas há um fosso imensíssimo, que
nem a mais longa ponte consegue transpor. Entre Occupy e os Republicanos, há um
universo.
Democratas
em Washington e sua coorte de fantoches nos bairros e distritos consideram
razoável qualquer negociação que leve a qualquer acordo cordial com o capital
financeiro.
Todos
os corredores e alas da Casa Branca, que têm nomes históricos, bem poderiam ser
rebatizados com um mesmo nome: Wall
Street. Por lá transitam, além do menino-de-recados dos bancos, o secretário
do Tesouro Timothy Geithner, também o Chefe de Gabinete da Presidência, Bill
Daley (antes empregado da presidência executiva do banco J. P. Morgan Chase,
onde cuidava do setor de Responsabilidade Corporativa), e, agora, um recém
contratado conselheiro-chefe da campanha eleitoral, Broderick Johnson
(antes, lobbyst contratado dos
gigantes Bank of America, Fannie Mae, banco J. P. Morgan Chase e consórcio de
empresas do Projeto do Oleoduto Keystone XL). São a escória de Wall Street e de Washington, monumentos
vivos do Poder Financeiro e seu sistema de pague-e-leve (o próprio governo, a
própria administração pública). Para esses, o movimento Occupy é uma comichão que atormenta; e
será risco potencial grave, em período eleitoral.
O
presidente Obama chegou à Casa Branca carregado até lá por um liberalismo
robusto que o adotou como seu delegado e contou com que, na presidência, Obama
poria em andamento aquela agenda liberal. Mas boa parte daquele programa foi
tratado como caspa: Obama varreu-o dos ombros e não voltou a pensar no
assunto.
Se Obama tivesse apoiado o “Employee Free Choice Act” [1],
certamente teria comprovado seu comprometimento com a agenda para a qual foi
eleito. E a confiança dos mais pobres teria aumentado e Obama seria hoje menos
fraco.
Atualmente,
apenas 6,9% dos trabalhadores do setor privado nos EUA são sindicalizados. Com
mais empregados sindicalizados e se os sindicatos continuassem a fazer ecoar os
movimentos sociais que se reúnem em volta deles nos EUA – fazendo repercutir
pelo país a discussão de questões sociais em torno de gênero, sexualidade,
racismo –, o continente da esquerda seria com certeza muito mais forte hoje. Mas
não se viu nenhum tipo de empenho de Obama, sequer nesse gesto modesto. O
presidente Obama distanciou-se daquele projeto de lei e nunca investiu nele
nenhum capital político.
O
movimento Occupy faz muito bem, ao
não se deixar incorporar pelo
establishment do Partido
Democrata, em termos que necessariamente seriam odiosos. O movimento quer mais,
quer maior: quer uma completa virada no sistema. O sentimento que ferve nos
acampamentos é semelhante ao que havia na França de 1968: réforme mon cul, reforma é a
puuuuuuuuuutakiuspariu.
O
conjunto do presente tem de ser lançado ao ar, ventilado, expurgado das toxinas
e, então, rearranjado pela prática como encarnação da justiça. É emocionante
estar próximo desses sentimentos que se fartaram de realidade e já abocanham o
futuro em pedaços grandes nas assembléias gerais e na alegria da interação
social.
Cratera
no caminho: a realidade corrompe
Mas
temos de andar pela prancha, para o presente. Há jeito para fazer isso sem se
deixar hipnotizar pela Política Ordinária. Sugiro um tônico, cuja receita aí
vai:
Derrubar
os três ministros capitalistas. É
direito do movimento Occupy exigir rendição incondicional dos delegados dos
banqueiros: eles têm de deixar imediatamente a Casa Branca. Fora Geither. Mas
também Fora Daley. E Fora Johnson. Para começar. É uma demanda mínima. Se há
outros nomes, organizemos uma lista. Todos os listados terão de sair da Casa
Branca.
Promover
os Delegados do Povo. É
direito do movimento Occupy exigir
que se elejam os que já manifestaram comprometimento com as amplas ideias dos
99. Penso em nomes como Cheri Honkala (que concorre ao cargo de Xerife da
Filadélfia); Amaad Rivera (que concorre ao cargo de Conselheiro Municipal
Correspondente em Springfield, MA.), Luis Cotto (que concorre ao Conselho
Municipal em Hartford), Bill Dwight (que concorre ao cargo de Conselheiro
Municipal Correspondente em Northampton, MA.) – gente que nada teme, gente que
temos de empurrar contra (mas para dentro) da burocracia, para que tenham meios
para levar avante suas ideias criativas para promover a visão popular. Amaad
Rivera, por exemplo, é o braço legislativo do grupo No One Leaves [contra os despejos], que
incomodou muito seriamente os bancos que tanto se esforçavam para manter a
cidade de Springfield no lugar n.1 da lista de cidades da Nova Inglaterra com
maior número de famílias despejadas por bancos. Temos de ter esses delegados em
posições de autoridade, para que abram espaço para os movimentos populares como
Occupy e No One Leaves, e para jogar na cara do
1% as contradições do sistema (os valores do sistema x as realidades do
sistema). O movimento Occupy deve
acolher a política eleitoral como instrumento, usá-la quando necessário, sempre
em doses homeopáticas.
Celebrar
o corpo social que se multiplica.
Um dos
traços mais gloriosos do movimento Occupy é que jamais apresentou demandas
pequenas, estreitas. Por isso, os milhões de sofrimentos pelos quais passam os
vários fragmentos de nossa realidade social puderam ser ventilados, enunciados,
ouvidos. Tornaram-se presentes. Nada foi deixado propositalmente fora do
movimento. Porta aberta. Houve os que, escondidos por trás do que Jo Freeman
chamou de “a tirania da estrutura-zero” tentam sequestrar o movimento. Serão
desmascarados pela própria arrogância. Há esperança popular demais, para que
certas coisas sejam esquecidas no fundo do palco. Se decidirmos que a violência
sexual e a brutalidade policial são questões importantes, tão importantes quanto
‘resgatar’ bancos e banqueiros, assim será. Justamente porque há milhões de
diferentes sofrimentos, os milhões sentem que esse é o nosso
movimento.
O
debate sobre “demandas” é enganador.
Como
escreveram Ruth Jennison e Jordana Rosenberg no blog Lenin’s
Tomb: “O que, afinal, é uma demanda? Libertar New York ou Oakland ou Cleveland das
garras dos financistas? Exigir de volta, porque é direito nosso, o que nos foi
roubado pelos bancos e pelos 1%? Exigir viver sem repressão e violência
policiais? Exigir o fim das guerras e projetos imperialistas e a restauração de
serviços sociais e da educação pública? Se hesitamos ainda ao exigir, por medo
de perder, basta olhar em volta e ver a nossa força, pela primeira vez nessa
geração”.
Depois
da extraordinária greve geral em Oakland, nossa força está aí, à vista, à nossa
frente. É verdade que lutas como essa não vêm com manual de instruções. Na luta
aprendemos como lutar, como escreveu Rosa Luxemburgo, há um século. E também é
verdade que no calor da hora das lutas emergem os slogans dos quais germinam
programas e agendas. É hora de reunir tudo o que já temos para lançar à cara da
Ordem.
Mudar-nos,
de celebrar nossa força, para criar instrumentos políticos afiados, não é fácil.
Temos de ter cuidado e paciência. Claro que precisaremos de demandas formuladas.
Claro que teremos de construir uma carapaça política que concentre a energia do
movimento Occupy. Teremos tudo isso.
Tudo isso virá. O futuro é feito do que ali depositamos,
hoje.
Nota
dos tradutores
[1]
A chamada “Lei EFCA (Employee Free
Choice Act, ‘lei da livre escolha para os empregados’)” é um projeto
de lei que chegou ao Congresso dos EUA dia 10/3/2009 (é projeto inicial, de
2007, do senador Edward Kennedy, Democrata). Essencialmente, garante direitos de
sindicalização que, nos EUA, os empregados não têm. Sempre foi alvo de
furioso lobby de todos os bancos, todas as grandes
empresas e todos os donos e empregados da imprensa-empresa e, até hoje, jamais
foi sequer levada a votação (conheça detalhes da
lei, em inglês)
Nenhum comentário:
Postar um comentário
Registre seus comentários com seu nome ou apelido. Não utilize o anonimato. Não serão permitidos comentários com "links" ou que contenham o símbolo @.