Pepe Escobar |
16/11/2011, Pepe
Escobar, Asia Times Online
Traduzidopelo
pessoal da Vila
Vudu
Ah, os bons velhos tempos da Guerra Fria/União Soviética, quando um exército de Kremlinologistas vivia ligado em cada imperceptível movimento de um imperscrutável politburo!
Mas...
Como?! Quem poderia supor que duas décadas depois do fim do “socialismo real”,
os politburos voltariam à moda?
A
China tem – basta ver o Comitê dos Nove, os mais sacrossantos dentre 25
sacrossantos membros do politburo chinês. E, provando outra vez a tese de Slavoj
Zizek (o casamento entre capitalismo e democracia acabou), a Europa “livre”
também tem, embora nesse caso, a afamada Camarilha dos Quatro tenha sido
multiplicada por dois.
Conheçam
a Camarilha dos Oito
A
eurozona é hoje, de fato, comandada por um politburo de oito membros. Servicinho
de primeira. Nenhum poder cobra explicações dessa Camarilha dos Oito, exceto o
mítico Zeus com aqueles raios marca-registrada. Na era da modernidade líquida,
Zeus atende pelo nome de Deus do Mercado. A única coisa que conta para a
Camarilha dos Oito é o que os mercados financeiros – comandados pelo Deus –
querem; reles mortais, como os eleitores europeus, são, no máximo, um
incômodo.
Ergo, os
governos nacionais nada significam na eurozona. Quem manda atirar é uma troika formada pelo Banco Central Europeu, a
Comissão Europeia e o Fundo Monetário Internacional. E a glória: ninguém, aí,
algum dia, foi eleito.
O
politburo da Europa apresenta-se sob uma sigla inocente: GdF; em francês, Groupe de Francfort; em inglês, Frankfurt Group (em português europeu, Grupo de Francoforte;
em português do Brasil, Grupo de Frankfurt), criado no mês passado. Reuniram-se
nada menos de quatro vezes durante o recente, espetacularmente fracassado
encontro do Festival de Cannes da Dívida, G-20, em Cannes. Aqui a lista
tecnocrática completa – com uns políticos metidos pelo meio.
1
e 2: “Merkozy”, aquele fruto monstro de
polinização cruzada da chanceler alemã Angela “Cruz de Ferro” Merkel com o
neonapoleônico presidente francês Nicolas Sarkozy. Por mais que o audaz e
varonil Sarko de peito empinado meta-se a posar de rei – ou fantasiado, dentre
outras fantasias, de Libertador da Líbia; e refira-se à La Merkel como “La
Boche” (no sentido depreciativo que a palavra teve no francês da II Guerra
Mundial), quem de fato tem colhões na União Europeia é a parte Merk da dupla
Merkozy.
3: A
escorregadia fusão Chanel/Wall Street, Christine Lagarde, diretora do Fundo
Monetário Internacional, que herdou o posto do ex-salvador do capitalismo
convertido em autoimposto candidato à presidência da França e notório mulherengo
transatlântico Dominique Strauss-Kahn (DSK). A própria Madame Lagarde é ela
mesma, ativo financeiro comprovado, como ex-presidente de Baker & McKenzie,
uma banca internacional de advogados.
4: O
ex-vice-presidente do grupo Goldman Sachs International, Mario Draghi, hoje
presidente do todo-poderoso Banco Central Europeu. O tecnocrata que empurrou a
Itália para o euro, hoje amplamente saudado pela finança planetária como “o
salvador da Europa”.
5: O
presidente (desde 2004) da Comissão Europeia, José Manuel Barroso, burocrata
seco, essencial e indizivelmente faminto de poder.
6:
O presidente do Conselho Europeu (desde 2009), Herman van Rompuy, homem sem
cara, ex-senador e primeiro-ministro belga que se opõe veementemente ao ingresso
da Turquia na União Europeia.
7: O
Comissário Europeu para Questões Econômicas e Monetárias (desde 2010) Olli Rehn,
da Finlândia, especialista em se autoapagar, ex alto burocrata, hoje encarregado
da ampliação da União Europeia.
8: O
presidente do grupo de Ministros Europeus das Finanças (desde 2005), Jean-Claude
Juncker, ex primeiro-ministro do Luxemburgo, que The Economist descreve como um “federalista
fanático”.
Eleição
é para mariquinhas
Muito
além da versão Rabelaisiana lixo/reality show dos últimos dias do Império Romano
personificada no ex primeiro-ministro italiano Silvio “bunga bunga” Berlusconi,
e dos trabalhos para formar governo de unidade nacional chefiado pelo
supertecnocrata, ex-comissário europeu Mario Monti, que os italianos chamam de
“Super Mario”, só há um mapa do caminho à frente, no que tenha a ver com a União
Europeia: “austeridade” implacável, devidamente supervisionada por Madame Lagarde e seus subordinados servis no
FMI.
O
Super Mario, por falar dele, é, da cabeça aos pés, homem da Camarilha dos Oito:
ex-comissário da União Europeia, conselheiro internacional de Goldman Sachs,
presidente europeu da Comissão Trilateral de David Rockefeller e membro chave do
Bilderberg Group.
Nem
um populista demagogo neoliberal como
Il Cavaliere –
ex-queridinho da plutocracia global – encontraria meios para implementar na
Itália o mapa do caminho da “austeridade”
hardcore imposto pelo
Banco Central Europeu, o FMI e os bancos credores. Quando o Deus do Mercado –
único verdadeiro oráculo da modernidade líquida – fala, a realidade curva-se.
Não surpreende que Van Rompuy tenha pronunciado as seguintes palavras
oraculares, 6ª-feira passada: “O país precisa de reformas, não de
eleições.”
Ninguém
nem precisa esgueirar-se pelos corredores abertos de Bruxelas, ou sentar-se com
o funcionário solitário, com batatas fritas e Bordeaux, para saber o quanto a
União Europeia odeia democracia. Por exemplo, ninguém sabe como o conselho
diretor (não eleito) do todo-poderoso Banco Central Europeu vota, porque tudo
que lá acontece é secreto.
Neoliberalismo hardcore, como imposto pela Camarilha
dos Oito, é como tratamento aplicado pela Máfia: primeiro quebram os joelhos
(amputam os direitos sociais). Depois cortam a garganta (amputam os direitos
políticos). Pouco sobra para o “gado” que terá de arrastar a canga da
austeridade sem fim (os eleitores europeus), exceto talvez a velha greve geral
ou gritar nas ruas até rebentar os pulmões.
Pouco
importará o quanto sejam excelentes os “fundamentos” da Itália – inclusive altos
níveis de poupança privada, baixo endividamento, sistema bancário estável e
superávit comercial nas manufaturas.
Do
grego ao latim, o problema com Grécia e Itália nada tem a ver com o que a União
Europeia diz ser uma periferia disfuncional. O ponto aqui são os excessos do
capitalismo de cassino – capital financeiro que opera em total desregulação. Daí
a proeminência desse tipo sombrio/luminescente – o tecnocrata da modernidade
líquida –, que odeia democracia, mas é suficientemente legítimo para ordenar a
repressão nas ruas, tudo em nome da plena satisfação do Superior Deus
financeiro.
Não
há nenhuma diferença (política) entre promover mudança de regime com bombas
“humanitárias” ou com os raios do Deus do Mercado.
Quanto
à necessária porta corta-fogo que “salvaria” a Itália de suas dívidas – mais de
1,9 trilhão de euros (US$ 2,6 trilhões) – são inacreditáveis 1 trilhão de euros.
Nunca acontecerá – em primeiro lugar, porque Sua Alteza Imperador Hu (Jintao)
farejou de longe a mais nova invenção dos bárbaros ocidentais. Não há dúvidas de
que o Imperador Hu logo viu, avant
la lettre, que o tal orwelliano Fundo Europeu para Estabilidade Financeira
seria logo desmascarado como fraude monumental, quando o tal fundo comprou
centenas de milhões de euros de seus próprios bônus. Ninguém precisa ser Nouriel
Roubini para apostar em que o euro pode bem estar a caminho da quebradeira.
“Merkozy”
– responsáveis por 48% do Produto Interno Bruto da eurozona – e a Camarilha dos
Oito são hoje praticantes de primeira classe do poder neocolonial.
O que a Camarilha dos Oito quer mesmo é, essencialmente,
uma União Europeia só dos ricos, como já se entrevê em matéria da Reuters, em
tom quase-apocalíptico: “Franceses e alemães exploram a ideia de uma eurozona
menor” [3].
Preparem-se,
porque, de agora em diante, o euro não mais unificará a Europa: servirá de
cunha, para balkanizá-la.
Notas
dos tradutores
[1]
“Politburo”
é abreviatura do russo
Politítcheskoe Byurô. Tradicionalmente, designava o comando do
Partido Comunista da União Soviética.
[2]
Há
várias acepções para essa expressão. Sugerimos “acima de (tudo e) todos”, como
aparece em “California
Ubber Alles”, gravada pelos Dead Kennedys, grupo de rock punk muito
hardcore, em 1980, no álbum Fresh Fruit for Rotting
Vegetables. A letra pode ser lida, mal
traduzida, mas ajuda a ver do que se trata, em
Califórnia
acima de todos. Imperdível e histórica, dos mesmos Dead Kennedys, é “Holliday in
Cambodia”, de antes, mas reunida no mesmo álbum. Para conhecer tudo
isso, visitem e, na
própria página, contribuam com uma graninha para manter a
Wikipedia.
[3]
9/11/2011,
“French
and Germans explore idea of smaller euro zone” [Franceses e alemães
exploram a ideia de uma eurozona menor], Reuters.
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