2/2/2012,* M K
Bhadrakumar, Asia Times Online
Traduzidopelo pessoal da Vila
Vudu
Dragão do Deserto |
Não há registro da
presença de dragões na história da vida nômade no deserto de Negev, que cobre,
no mínimo, 4.000 anos (para alguns, 7.000). Também isso pode estar mudando, no
Ano do Dragão.
Os beduínos do
Negev logo começarão a ver uma linha férrea construída por chineses,
serpenteando entre as montanhas castanhas, pedregosas, poeirentas e os wadis
[1] e crateras, rumo norte, partindo da
cidade-resort de Eilat, no Golfo de Aqaba, na direção do Mediterrâneo
oriental.
Com importantes
interesses plantados nos dois lados da fenda que divide o Golfo Persa – com os
estados do Conselho de Cooperação do Golfo (CCG) e com o Irã –, a China está
empreendendo um salto espantoso, que a qualifica como master player na
geopolítica do Oriente Médio, e está aprofundando os laços que a ligam a Israel,
já convertidos em laços de parceria estratégica.
Paradoxalmente, no
momento em que os EUA tentam prender o dragão no Mar do Sul da China e
“contê-lo” no Pacífico Asiático, a China movimenta-se pelo flanco e faz sua
dramática aparição no palco da cidadela da geoestratégia dos EUA no Oriente
Médio. As implicações geoestratégicas são profundas.
Na cacofonia dos
tambores de guerra que batem no Golfo Persa e no Levante, passou praticamente
despercebida a troca de gentilezas entre Pequim e Telavive, semana passada, para
marcar o 20º aniversário do estabelecimento de relações diplomáticas entre os
dois países. O que se viu foi mais do que simples cumprimentos
protocolares.
Diplomacia para o que der e
vier
O
primeiro-ministro de Israel Benjamin Netanyahu disse que seu país e a China
fazem “combinação de sucesso” e que já podia antever uma “expansão dramática”
dos laços que os unem. “Acho que mal tocamos a superfície das relações
sino-israelenses” – disse Netanyahu na cerimônia em Telavive, 3ª-feira
passada.
Na mensagem de
saudação pelo aniversário, o presidente Hu Jintao disse que a China “atribui
alta importância ao aprofundamento dos laços sino-israelenses e está pronta para
empreender esforços conjuntos com Israel”. E o premiê Wen Jiabao observou que
China e Israel têm “vasto potencial e amplas perspectivas para colaboração” e
que Pequim “está pronta para continuar a manter e aprofundar” esses laços, e a
elevá-los “a novo patamar”.
Falando na solenidade em Telavive,
Netanyahu convidou Pequim a trabalhar com Israel para “enfrentar os desafios de
garantir a paz no Oriente Médio”. O embaixador da China em Israel, também
presente à cena, respondeu:
O mais amplo
desenvolvimento das relações entre China e Israel não beneficiará apenas nossos
dois países e povos, mas também muito contribuirá para a estabilidade regional,
a paz no mundo e a prosperidade global.
Ante as transformações e novos
ajustes em andamento [leia-se: a Primavera Árabe] na região e no mundo, o
relacionamento China-Israel é hoje um novo marco histórico. Temos de continuar a
trabalhar juntos, crescer juntos e juntos chegar ao sucesso, nos anos
vindouros.
Deserto de Negev |
É ideia brilhante,
bem pensada e corajosa, em região na qual nem os anjos se atrevem a andar sem
escolta. Mas os laços entre China e Israel estão tão maduramente pensados, que,
no instante em que Gao discursava em Telavive, seu contraparte na ONU,
embaixador Li Baodong, comentava “o impasse” no processo de paz no Oriente Médio
e reiterava o decidido apoio da China a um estado palestino, como parte de uma
solução de Dois Estados, que restaure “o justo direito” do povo
palestino.
Li
disse que “a China apóia a criação de um estado palestino independente e
plenamente soberano, com Jerusalém Leste como capital e nas fronteiras de
1967.” E
Li condenou sem meias palavras a recente decisão do governo israelense, de
aprovar planos para a expansão de novas colônias:
A China mantém-se
intransigentemente contra o estabelecimento de colônias exclusivas para judeus
nos territórios palestinos ocupados, inclusive em Jerusalém Leste. Conclamamos
Israel a cessar imediatamente a construção de colônias; a agir com prudência e a
trabalhar ativamente em colaboração com a comunidade internacional para promover
a paz e criar condições para o reinício das negociações entre palestinos e
israelenses.
O embaixador na
ONU mostrou, imperturbável, que os cálidos sentimentos que se manifestavam
mutuamente entre chineses e israelenses em Telavive naquele mesmo momento,
absolutamente nada mudam na posição dos chineses quanto à outra
questão.
Repete-se aqui a
mesma surpreendente brilhante diplomacia chinesa para o Oriente Médio, já bem
visível durante o recente tour de seis dias de Wen Jiabao pelos estados
do Conselho de Cooperação do Golfo (ver “No
Golfo, a China pesa para o “lado certo da história”,
17/1/2012).
A diplomacia
chinesa para o Oriente Médio está andando simultaneamente por três trilhas
paralelas, engajando o Irã, os estados do Golfo e Israel. Pareceria talvez
improvável, se se considera a ascensão do Irã e a concomitante hostilidade que
essa ascensão desperta e faz crescer em Israel e nos estados do Golfo. Mas
Pequim não vê aí qualquer contradição e trabalha para que as três trilhas, além
do mais, sejam mutuamente complementares. Claro que se pode supor que, sim, um
dia, essas três vias se complementarão e reforçarão
mutuamente.
A grande beleza
está em que esses três atores da história do Oriente Médio – Irã, o Conselho de
Cooperação do Golfo e Israel – desejam igualmente ter as melhores relações com a
China e manifestamente disputam as atenções do dragão. Eis aí criado e proposto
um enigma praticamente inextricável para potências de fora que aspirem a
“comandar” a região – sejam EUA, União Europeia, Turquia ou
Rússia.
Netanyahu disse
que “vejo bem clara a necessidade da China de garantir suprimento regular de
energia, para sustentar seu impressionante crescimento. Considero possível
substituir o petróleo iraniano”. – Ainda alimenta esperanças de separar a China
e o petróleo iraniano, embora Pequim absolutamente não cogite de enfraquecer
seus laços com o Irã. O comércio entre China e Irã já chegou a US$45 bilhões; o
comércio China-Israel é de $8 bilhões.
“Junção de dois
continentes”
Mesmo assim,
Israel fez uma massiva oferta de petróleo e gás das reservas da Bacia do
Levante, no Mediterrâneo oriental. A área, de aproximadamente 32 mil milhas
quadradas, inclui reservas em terra e no oceano, incluindo a Faixa de Gaza,
Israel, Líbano, Síria e Chipre. Em 2010, o US Geological Survey estimava
que ali haveria apenas 1,7 bilhões de barris de petróleo extraível e meros 122
trilhões de pés cúbicos (tfc) de gás extraível.
Por estimativas
anteriores, ali haveria petróleo e gás suficiente para atender às exigências da
segurança energética de Israel; mas medições mais recentes, à luz de reservas
recém descobertas, mostram que há muito mais.
Já há planos para
obras gigantescas de infraestrutura, incluindo instalações para liquefação de
gás, a serem construídas no litoral de Israel, e rotas de transporte até os
mercados viáveis para as exportações israelenses de energia. Essas
entusiasmantes perspectivas de cooperação explicam a confiança de Netanyahu, em
que o comércio bilateral com a China poderá duplicar em futuro muito próximo. (A
China já aparece como terceiro principal parceiro comercial de Israel, depois de
EUA e União Europeia.)
Yisrael Katz |
O ministro dos
Transportes de Israel, Yisrael Katz, esteve em Pequim em setembro e, como se leu
recentemente, disse que “a capacidade profissional das empresas chinesas para
construção de sistemas ferroviários e redes de transporte está entre as melhores
do mundo.”
O Ministério dos
Transportes de Israel tem repetido que Israel prefere que empresas estatais
chinesas encarreguem-se da construção da chamada linha ferroviária “Med-Red”,
que atravessará o Vale Zin do deserto de Negev, conectando o Mediterrâneo
israelense às cidades costeiras de Haifa e Eilat, no Mar
Vermelho.
Na sequência
imediata, depois das conversações de Katz em Pequim, a China começou a trabalhar
numa proposta conjunta com Israel, para o ramo Eilat. Empresas chinesas e
israelenses podem executar juntas o projeto e pode-se supor que os investimentos
serão chineses.
Ora, os dois
maiores campos de gás recentemente descobertos em Israel – Leviathan e Tamar –
estão a 130 e 80
km de distância da cidade portuária de Haifa. Estimam-se
em 16 trilhões de pés cúbicos (tcf) a reserva de Leviathan; e em pelo menos 8,4
tcf, a de Tamar. (Recentemente, foram descobertos outros dois campos de gás –
Sarah e Mira –, ao largo do porto de Hadera, mais ao sul de
Haifa.)
A conexão
ferrovia-estrada facilitará a transferência do gás natural liquefeito da costa
mediterrânea israelense para a costa do Mar Vermelho, de onde o gás poderá ser
embarcado pelo Oceano Índico até a China. Outra vez, o elo de comunicação
ampliará o escopo das exportações chinesas para a Europa central e do sul, e
para os Bálcãs.
O relacionamento
entre China e Israel sempre foi complexo, com altos e baixos. Mas o ministro
israelense de Negócios Estrangeiros não errou ao dizer, semana passada, que os
dois países vivem “nos anos recentes um florescimento em suas
relações”.
Wu Shengli |
2011 foi, de fato,
um bom ano. Em maio, o comandante da Marinha chinesa, almirante Wu Shengli
visitou Israel; depois, em agosto, esteve também em Israel o chefe do
departamento de pessoal do Exército de Libertação do Povo, general Chen Bingde.
Foi a primeira visita de comandante militar chinês a
Israel.
Entre uma e outra
visita, o ministro da Defesa de Israel Ehud Barak visitou a China, em julho.
Também foi a primeira visita desse tipo. Em julho, os dois países assinaram um
acordo de cooperação econômica. Nas palavras de Netanyahu, “Os laços bilaterais
são importantes para nós; estamos comprometidos com expandi-los rapidamente, nos
mais variados campos. Por isso, já dei ordens para que se aceitem todos os
convites para visitar a China.”
Muito claramente,
Israel e China estão posicionados para iniciar relacionamento profundo e
altamente estratégico. Em reunião do Gabinete em Telavive, domingo passado,
Netanyahu disse que trabalhará para desenvolver o projeto das redes ferroviária
e rodoviária que ligarão Eilat ao norte de Israel, como uma “junção de dois
continentes”. E destacou o interesse da China no projeto.
Pequim, com certeza, avaliou o
imenso potencial estratégico de um projeto ousado de vias de transporte através
do Negev, que deixará de lado o congestionado Canal de Suez no Egito, e poderá
conectar Ásia e Europa. É quase como se Washington tivesse perdido o bonde da
história.
Nota
dos tradutores
[1] Rios
intermitentes (secos durante a maior parte do ano; e cheios nos curtos períodos
de chuva).
*MK Bhadrakumar foi diplomata de
carreira do Serviço Exterior da Índia. Prestou serviços na União Soviética,
Coreia do Sul, Sri Lanka, Alemanha, Afeganistão, Paquistão, Uzbequistão e
Turquia. É especialista em questões do Afeganistão e Paquistão e escreve sobre
temas de energia e segurança para várias publicações, dentre as
quais
The
Hindu,
Asia
Online e Indian Punchline.
É o filho mais velho de MK Kumaran (1915–1994), famoso escritor, jornalista,
tradutor e militante de Kerala.
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