segunda-feira, 25 de novembro de 2013

Conflicts Forum: Comentário semanal de 8 até 15/11/2103

21/11/2013, [*] Conflicts Forum
Traduzido pelo pessoal da Vila Vudu


Uma coisa que se resultou da primeira rodada de negociações dos EUA (P5+1) com o Irã é que, afinal, há clareza sobre as verdadeiras posições de vários atores: é visível que os sauditas (como uma espécie pervertida de Perseu no submundo), acionaram as forças mais obscuras, tentando matar “os demônios” do Oriente Médio (tudo e todos que não sejam os próprios sauditas). Mas, diferentes de Perseu, os sauditas não tem Hermes, para guiá-los e explicar que nunca conseguirão realmente “matar” a Medusa, nem o Cérbero de várias cabeças, porque essas entidades não passam de imagens – imagens que, em última instância, são projeções dos abismos interiores dos próprios sauditas.

Rei Abdullah
Arábia Saudita
Até aqui, não há sinal de que algum Hermes-guia tenha surgido dentro da família de Saud (pelo menos, alguém que se consiga ver de cá, de fora do círculo familiar). O que se vê é que todos parecem paralisados, numa luta viciosa pela coroa.

A menos que algum deus ex machina intervenha logo (o que pode bem acontecer), os sauditas parecem condenados a só aumentar suas ameaças contra todos os “demônios” que veem na Síria, no Líbano, no Iraque, no Iêmen e no Irã. A “missão” deles, nesse “mundo infernal” do Oriente Médio, com certeza afetará o timing para o início de alguma Genebra-2, mas também pode complicar as negociações do Irã. A violência dos sauditas está encorajando a França e Israel a tentar boicotar as negociações. (A França, principalmente por razões comerciais: a França espera substituir os EUA como parceiro comercial privilegiado da Arábia Saudita; e Israel, porque o atual primeiro-ministro jamais quis qualquer tipo de negociação que não tratasse exclusivamente dos “termos de rendição” do Irã).

Recentes declarações de porta-vozes oficiais dos EUA na imprensa-empresa norte-americana têm destacado a mudança de interesses dos EUA, além do abandono da noção de que os EUA devam agir só como “advogados de Arábia Saudita e Israel”; para eles, tudo isso sugere “um tranco” que o atual governo dos EUA estaria dando contra o eixo franco-saudita-israelense. Mas, mais importante, os comentários que têm aparecido sugerem que o contexto geral para o acordo provisório proposto em Genebra nada teve de “momentâneo” e deve a própria gênese a conversas entre EUA e Irã ao longo dos últimos meses em Omã; isso sugere, afinal, que os EUA têm forte intenção de persistir na sua iniciativa iraniana.

Mas o outro elemento chave em todos esses eventos intercomunicantes no Oriente Médio é a Rússia.

A Rússia, trabalhando com os EUA, produziu o Tratado das Armas Químicas para a Síria. A Rússia está-se engajando num Egito muito frágil, pela primeira vez em 30 anos – e num momento em que a influência dos EUA está ali sob eclipse total. A Rússia está profundamente envolvida na campanha para derrotar o extremismo sunita; e a Rússia pode, com plena justiça, reclamar os méritos de ter influenciado a modelagem do Acordo Provisório proposto em Genebra, a partir de contatos diretos já de longa data que mantém com o Irã, sobre sua “questão nuclear”. Mas será a Rússia um parceiro potencial de um Irã que emerge do isolamento? Ou a Rússia vê o Irã como concorrente, que ameaçaria diretamente os interesses energéticos da Rússia?

O presidente Vladimir Putin da Rússia (D) encontra-se com seu colega iraniano, Hassan Rouhani, durante a cúpula da Organização de Cooperação de Xangai (SCO), em Bishkek, 13/9/2013. (Foto M. Klimentyev) 
Fyodor Lukyanov
Já se disseobservou o conhecido analista Fyodor Lukyanovque a volta do Irã aos palcos mundiais, depois de longo isolamento, seria uma perda para a Rússia, porque o atual “relacionamento especial” se baseia principalmente no fato de Teerã enfrentar terríveis sanções e não ter mais ninguém a quem recorrer senão à Rússia (o que se aplica basicamente às relações que têm a ver com a construção de usinas nucleares e cooperação militar). Mas, se o Irã tiver outras oportunidades, o país se reorientará na direção de países ocidentais mais influentes. Sempre há o risco de o país que tanto se dispunha a relações “amistosas” em tempos de dificuldades, afaste-se, tão logo o isolamento seja afrouxado. É o que a Rússia já se viu acontecer, em certa medida, na Líbia de Gaddafi e na Sérvia depois de Milosevic.

Conflicts Fórum agradece a um de nossos colegas, pelo parecer sobre a região, que lhe solicitamos e que aqui transcrevemos:

Bashar al-Assad
O recente levante na Síria serviu, de fato, para exacerbar e tornar muito mais visível, a fratura existente na região, entre dois blocos opostos – um cisma que se ampliou ao longo da última década. Há, é claro, muitos fatores que nos levaram a esse ponto; mas o fator mais significativo é o projeto para a construção de um gasoduto para transportar gás natural a partir do Qatar passando por Arábia Saudita, Jordânia e Síria, até a costa Mediterrâneo, de onde pode ser embarcado para os mercados europeus. O governo Assad foi o primeiro obstáculo no caminho desse gasoduto politicamente estratégico. Mas Assad nunca esteve sozinho na obstrução, que serviu para empurrar a Rússia e o Irã na direção de encontrarem um interesse “energético” comum; e a apoiarem a posição de Assad, a qual complementa os interesses político-estratégicos dos dois países.

Há uma situação semelhante a essa entre Irã e Rússia, relacionada à exportação de gás a partir do Turcomenistão, onde os dois países estão bloqueando qualquer fornecimento direto à Europa que não passe por gasodutos russos ou iranianos.

Prioridade energética para a Rússia é, bem claramente, proteger seu objetivo de converter-se em principal fornecedor de energia para a União Europeia e dificultar a concorrência. É claro que o Irã também tem interesse em impedir que o Qatar se converta em principal exportador de gás do Golfo – sobretudo num momento em que o Irã está sob sanções, incapaz de exportar o próprio gás. Mas o interesse do Irã não se centra tão decididamente na Europa, mas no potencial de fornecer para seus vizinhos (inclusive Síria e Líbano), que o Irã vê como mercado crescente. Mais importante, os dois países têm interesse em impedir que aumente a importância estratégica, no campo energético, do Qatar e da Arábia Saudita, para os países europeus. Rússia e Irã têm, ambos, interesse comum em impedir que o gasoduto qatari veja a luz do dia; mas também têm interesse comum em ver Síria e Líbano estabilizados, estabilidade que um gasoduto ajudaria a consolidar.

Contudo, à parte esse interesse comum, a conciliação de interesses russos e iranianos é mais nuançada. A Rússia observa atentamente o projeto do gasoduto iraniano, que levará gás do Golfo à Síria, em esforço conjunto com o Iraque. O Irã declarou que seu principal interesse nesse gasoduto é fornecer gás à Síria e ao Iraque, e possivelmente também ao Líbano.

Estima-se, porém que, somados, Iraque, Síria e Líbano precisarão de cerca de 16 bilhões de barris/ano, enquanto a capacidade planejada do gasoduto é de 40 bilhões de barris/ano. É razoável que os russos estejam preocupados com a possibilidade de que esse superávit possa ser redirecionado para projetos de gasodutos alternativos, do Leste do Mediterrâneo para a Europa – os quais, atualmente, estão sendo ativamente pensados. Os iranianos não se cansam de repetir que não têm interesse em fornecer para a Europa; que aspiram a fornecer na direção leste, para Índia e China (o Paquistão está saindo da linha de interesse). Funcionários do governo iraniano têm insistido que só querem fornecer gás para seus vizinhos.

Um prolongamento da crise síria – pode-se argumentar – obrigaria a suspender o projeto iraniano, mas não afetaria diretamente os interesses energéticos russos, uma vez que não impedirá que a Gazprom expanda o Gasoduto do Norte na direção da Europa nem terá impacto na construção do Gasoduto do Sul. Nem Síria nem o Irã, contudo, veriam aí alguma razão para a Rússia adiar um acordo para a Síria – porque, para o governo russo, derrotar o extremismo sunita é interesse maior que qualquer interesse que os russos tenham na competição por energia.

Projetos de gasodutos da Gazprom construídas e a construir
(clique no mapa para visualizar melhor)
O novo governo do Irã quer, visivelmente, mudar a situação atual, na qual o Irã é importador líquido de gás, para explorar ao máximo o potencial significativo que o país tem como exportador de gás. Nesse contexto, o Irã negocia com o P5+1 e, paralelamente, indica sua intenção de abrir sua indústria de energia a investidores estrangeiros. O Irã precisa atrair investimento externo para o setor de energia na ordem de 100 bilhões de dólares norte-americanos. Para tanto, os iranianos já indicaram também que estão dispostos a alterar os procedimentos atuais para contratos e empréstimos, para torná-los mais atrativos aos investidores de fora. Naturalmente, o Irã deseja condições de concorrência entre as empresas internacionais de petróleo, incluindo as empresas russas, chinesas e talvez, até, as norte-americanas. E a Rússia também quer que o Irã abra sua indústria de gás para as empresas russas.

O comércio e a oferta internacionais de gás mudarão significativamente, se o Irã tornar-se grande exportador. A Rússia está acompanhando atentamente todos os movimentos do Irã nessa área, especialmente a extensão de uma possível abertura em direção ao ocidente em geral, preparando-se para proteger seus interesses, se as coisas tomarem esse rumo. Prestarão extrema atenção a qualquer tentativa de levar o gás iraniano até a Europa (pela Turquia, Azerbaijão ou o Leste do Mediterrâneo) deixando de fora a Rússia e excluindo a Gazprom desses projetos. Cabe esperar que a Rússia tome medidas concretas para dificultar esses movimentos, como já fez no passado. Por exemplo, a Gazprom assegurou que o gasoduto Irã-Armênia, que já opera desde 2009, tivesse sua capacidade limitada a 50% do previsto – insuficiente, assim, para que haja gás exportável para a Europa.

Uma prioridade estratégica para a Rússia é continuar como o maior fornecedor de gás natural para a Europa e continuar a usar essa posição como alavanca política em sua política europeia. Com esse objetivo, a Rússia está atualmente exercendo fortes pressões para remover os obstáculos remanescentes à construção do Gasoduto Sul – na Sérvia. Mas, tão logo o Gasoduto Sul se torne operacional, a Rússia estará provavelmente aberta para que o gás iraniano junte-se nesse fluxo.

Há pois várias razões pelas quais Rússia e Irã devam cooperar no campo energético e fazer avançar seus interesses comuns – como controlar o transporte mundial e a oferta e o preço do gás natural. Ambos os países têm apostas altas no futuro dessa indústria e no preço do gás no mercado internacional. Se não estreitarem a cooperação, inevitavelmente se tornarão concorrentes, em detrimento dos dois lados.

Rota sul de oleogasodutos da Gazprom em projeto e já construídos
(clique neste link para aumentar a imagem}
Uma parceria estratégica implicaria um acordo de divisão do mercado, com a Rússia focada na Europa, e o Irã na China, Índia, Japão e países vizinhos; projetos conjuntos para conectarem as redes de dutos; e promoção de cooperação regional no que tenha a ver com depósitos de energia na bacia do Cáspio, inclusive um acordo que controle a exportação de gás do Turcomenistão. Atualmente, há esforços para promover essa cooperação em três diferentes níveis:

(a) mediante um acordo bilateral para cooperação de petróleo e gás;
(b) no Fórum dos Países Exportadores de Gás [orig. Gas Exporting Countries Forum (GESF)], que reúne os 13 mais produtores de gás; e
(c) na Organização de Cooperação de Xangai, que reúne, como membros, os maiores produtores e consumidores de petróleo e gás na Ásia.

Mais importante, as relações bilaterais, em geral, e a aliança entre Rússia e Irã estão em ascensão. A Rússia é e continuará a ser a principal fornecedora de armas e de tecnologia nuclear para o Irã, e é contrapeso vital ao ocidente, especialmente se se leva em conta o fortalecimento da influência regional da Rússia e seu comprovado empenho no apoio e na proteção que garante aos aliados. Os dois países também têm muitos aspectos comuns entre os respectivos interesses estratégicos, dentre os quais, e principalmente, a proteção aos respectivos recursos naturais; impedir que se disseminem a militância da Al-Qaeda e a ideologia salafista radical; e proteger os respectivos interesses de segurança na bacia do Cáspio, na Ásia Central, no Oriente Médio e no Golfo. A confluência dos mais altos interesses estratégicos nacionais entre os dois países não lhes deixa alternativa, além de cooperarem também no campo do gás e da energia.

Essa opinião é apoiada por Fyodor Lukyanov, que argumenta:

(...) agora é a hora para [a Rússia] promover a “abertura” do Irã: o conflito sírio, em todas as suas diversas manifestações, mudou a paisagem diplomática no Oriente Médio. A firme posição da Rússia, não importa em que esteja baseada (considerações globais predominando sobre questões regionais), levou a um resultado não esperado. Os interesses da Rússia e do Irã ficaram muito intimamente alinhados, muito mais que antes, quando os dois países tentavam, em essência, explorar cada um as dificuldades do outro, considerando só os interesses de cada um. A emergência da aliança situacional – e também, no atual momento, lógica – entre Moscou, Teerã, Bagdá, Damasco e Hezbollah fez da Rússia um player regional muito mais influente do que seria de esperar há dois anos. Esse curso (...) plantou os pilares para a ação na região.


[*] Conflicts Fórum visa mudar a opinião ocidental em direção a uma compreensão mais profunda, menos rígida, linear e compartimentada do Islã e do Oriente Médio. Faz isso por olhar para as causas por trás narrativas contrastantes: observando como as estruturas de linguagem e interpretações que são projetadas para eventos de um modelo de expectativas anteriores discretamente determinam a forma como pensamos - atravessando as pré-suposições, premissas ocultas e até mesmo metafísicas enterradas que se escondem por trás de certas narrativas, desafiando interpretações ocidentais de “extremismo” e as políticas resultantes; e por trabalhar com grupos políticos, movimentos e estados para abrir um novo pensamento sobre os potenciais políticos no mundo.

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