30/7/2014, [*] MK Bhadrakumar, Indian Punchline − Rediff Blogs
Traduzido pelo pessoal da Vila Vudu
Mitt Romney (E) e Barack Obama na Lynn University - Debate de 23/10 2012 |
A nova Guerra
Fria era a última coisa que o presidente Barack Obama tinha em mente no momento
em que caía a noite, há bem pouco tempo, dia 22/10/2012, no campus da Lynn
University na Florida. Foi a noite das facas longas, [1] do famoso debate sobre política exterior
na campanha presidencial, quando Obama arrasou seu opositor, o Republicano Mitt
Romney, ao ridicularizar uma de suas frases – Romney disse que a Rússia seria a
maior ameaça geopolítica para os EUA no século XXI!
Eis
o que disse-fez Obama, esnobando Romney:
Governador,
muito me alegra que o senhor reconheça que a al-Qaeda é uma ameaça, porque há
poucos meses, quando lhe perguntaram qual a maior ameaça geopolítica que os EUA
enfrentam, o senhor respondeu “a Rússia” – não a al-Qaeda – o senhor disse “a
Rússia”. E não interessa a ninguém trazer de volta a política exterior dos anos
1980s, porque, o senhor sabe, a Guerra Fria já acabou há 20 anos. Mas,
governador... No que tenha a ver com política exterior, o senhor parece querer
importar as políticas externas dos anos 1980s.
Depois, no
programa para a reeleição, Obama ostentava o “reset” entre EUA e Rússia como o
mais fulgurante feito de política externa de seu primeiro mandato no Salão
Oval. Deitou e rolou vaidosamente sobre o acordo START sobre desarmamento com a
Rússia; a ajuda valiosíssima da Rússia, que colaborava para criar a rede de
rotas transitáveis conhecida como Rede Norte de Distribuição, e em outras áreas
relacionadas à guerra no Afeganistão; e a Rússia que suspenderia vendas
militares ao Irã, e a Rússia aliada dos EUA nas sanções contra o Irã, e tal e
tal, como os ganhos mais substantivos de suas relações exteriores.
Não se sabe
exatamente quando Obama mudou de lado e tornou-se soldado e seguidor de Romney.
Obama atribui a metamorfose exclusivamente aos desenvolvimentos na Ucrânia, há
mais ou menos quatro meses, desde a reincorporação da Crimeia pela Rússia. Mas
nesse curto período, Obama passou-se para o extremo oposto, como se viu nas
suas “Observações” sobre as mais recentes sanções da
3ª-feira (29/7/2014). Agora, Obama está gozando um gozo vicário, que consiste
em “implantar medidas que tornem ainda mais fraca a já fraca economia russa”.
Sanções |
Obama exulta
que “projeções para o crescimento da economia russa já se aproximam do zero”.
Deixa transparecer rancor, espírito mesquinho, que sujam a própria imagem dos
EUA na comunidade mundial. Que ninguém se engane: há um mundo no mundo, além de
EUA e Europa Ocidental. E todo esse “resto do mundo” está assistindo, hoje, com
um misto de descrença e de irritação, ao desastre completo da marca “Obama”.
Essa
vastíssima fatia da comunidade internacional, a maioria silenciosa, também tem
algumas perguntinhas a fazer a Obama.
Para começar,
por que ele se arroga o direito de interpretar a lei internacional como melhor
se encaixe no que precisa ou deseja, num ou noutro ponto? Como ele explica as
agressões dos EUA contra Iraque e Líbia, que resultaram na destruição dos dois
países – ou a escandalosa ilegal interferência dos EUA na Síria? Quem é
realmente responsável por disparar os tumultos na Ucrânia no ano passado?
Desgraçadamente,
Obama não percebe que marcou gol contra e que está ferindo muito fundo a
credibilidade das políticas dos EUA; e que tudo isso está tendo efeito muito
estranho.
Considere-se,
por exemplo, a retórica de
sedução do secretário de Estado John Kerry na 2ª-feira (28/7/2014), tentando dar
o tom perfeito à sua visita a Delhi, dois dias adiante. De nada adiantou. O
discurso soou desafinado aos ouvidos indianos.
Na verdade, o
porta-voz do Ministério de Relações Exteriores em Delhi acertou o alvo, na
4ª-feira (30/7/2014), quando confirmou que o ministro indiano deve discutir com
Kerry as espantosas revelações do ex-empregado da CIA Edward Snowden sobre as
atividades de espionagem do DSA na Índia. Disse que:
Todos sabem que há considerável preocupação na
Índia quanto a autorizações dadas a agências norte-americanas para invadirem a privacidade
de indivíduos, entidades e do governo da Índia. Portanto, obviamente, se há
considerável preocupação, essas questões provavelmente serão discutidas, sem
que eu entre agora em detalhes do que será discutido.
Barack Obama-NSA (John Cole) |
Os jornais
indianos em geral pintaram a missão de Kerry como movida por instintos vulgares
e estreitos os mais crassos – interessado em vender mais armas à Índia e em
tentar remover impedimentos à exportação de reatores nucleares norte-americanos
para o mercado indiano. Kerry foi pintado como caixeiro viajante suarento em
peça de Arthur Miller.
Por que essas
coisas acontecem? A Índia sempre foi país que caía de joelhos em transe de
paixão pelo predecessor de Obama, George W. Bush. Mas de algum modo, em algum
momento, formou-se uma impressão na consciência dos indianos que agora é
difícil de apagar – que Obama não passaria de oportunista cínico e
autocentrado, singularmente devotado a qualquer causa que apareça e, assim,
altamente suscetível a virar-casaca.
E é onde a
mais recente virada nas políticas de Obama para a Rússia pode ferir os
interesses dos EUA. Para dar um exemplo: a Índia não quer nem ouvir falar de
aproximar-se, e não se aproximará, de qualquer estratégia dos EUA para
reequilibrar-se na Ásia.
Obama não
está entendendo que o mundo não tem interesse algum em isolar a Rússia ou em
destruir a economia russa, num momento em que a economia mundial precisa tão
desesperadamente de centros de crescimento, sobretudo fora do mundo ocidental.
Assim sendo,
se a Europa só quer da Rússia o gás, e impôs sanções ao petróleo russo, é ótimo
para economias em rápido crescimento como Índia ou China ou Vietnam. Se a
Europa não quer mais comprar armas russas, ótimo também para Índia, Iraque,
Egito, Venezuela, Brasil, etc., que têm negócios de armas com a Rússia. E não
há dúvidas de que os BRICS e a Organização de Cooperação de Xangai não
desmoronarão.
Os BRICS |
O que Obama
não vê é que os instrumentos da era da Guerra Fria estão ultrapassados e já não
funcionam. É pura arrogância de Obama iludir-se de que ele seria alguma espécie
de Flautista de Hamelin, que tocaria sua flautinha mágica e o mundo inteiro o
seguiria sem fazer perguntas.
Por que o mundo
guerrearia a guerra dos EUA, só
para salvar a pseudo virgindade do dólar norte-americano de modo a preservar a
hegemonia global dos EUA – por mais que se veja que os EUA já são país inexoravelmente
em decadência?
O Banco dos
BRICS, que está destinado a competir com o Banco Mundial e com o FMI – e que
significa “o fim da dominação ocidental sobre a ordem financeira e econômica
global”, para citar importante
especialista estrategista indiano, que preside o Conselho Consultivo do
Conselho de Segurança Nacional — já é
inarredável fato da vida. Índia, Brasil e China não se assustarão ante as
restrições que o ocidente está impondo contra bancos russos.
Nota dos tradutores
[1] Referência a outra data, 30/6/1934, conhecida como “A
noite das Facas Longas”, quando foram assassinados dezenas de adversários
(antigos e atuais) dos principais nazistas, pessoas informadas que, conhecendo Hitler,
poderiam “falar demais” a seu respeito; trata-se, por isso, de um dos mais
célebres e dramáticos expurgos do Partido Nacional−Socialista.
__________________
[*] MK
Bhadrakumar foi diplomata
de carreira do Serviço Exterior da Índia. Prestou serviços na União Soviética,
Coreia do Sul, Sri Lanka, Alemanha, Afeganistão, Paquistão, Uzbequistão e
Turquia. É especialista em questões do Oriente Médio, Afeganistão e Paquistão e
escreve sobre temas de geopolítica, de energia e de segurança para várias
publicações, dentre as quais
The Hindu,Asia Times
Online, Al Jazeera, Counterpunch, Information Clearing House e muitas outras. Anima o blog Indian
Punchline no sítio Rediff BLOGS. É o filho mais
velho de MK Kumaran (1915–1994), famoso escritor, jornalista, tradutor e
militante de Kerala, Índia.
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