quinta-feira, 23 de junho de 2011

Quem tem medo da História?

Silvio Tendler
 

Estamos assistindo, perplexos, à enorme conspiração contra a verdade, a história e a memória.

O Ministério da Defesa, o Ministério das Relações Exteriores, dois ex-presidentes da República, políticos de diferentes matizes, se unem para que o Brasil não conheça a sua verdade.

Já é difícil fazer filmes, livros e peças de teatro sobre personagens reais -- mesmo os de vida pública --, sem autorização do próprio ou de familiares e herdeiros. Agora, a pá de cal chega com a intenção de trancafiar documentos para que a verdadeira História não se revele.

E quem orquestra essa trama contra o futuro do Brasil? Sim, porque povo sem memória é povo sem futuro e estaremos sujeitos eternamente a sermos alimentados por contos da carochinha. Mas, afinal, o que querem esconder de nós? Quem bateu, torturou, mandou prender e arrebentar? Quem negou passaportes, quem expedia os tenebrosos atestados ideológicos, que impediam o acesso à escola ou ao emprego?

Estive duas vezes no Smithsonian Institute em Washington. Na primeira, percorri uma exposição que retratava as condições de vida dos negros nos Estados Unidos e as lutas pela conquista dos seus direitos cívicos.

Estavam ali expostas todas as mazelas de uma sociedade que destinava banheiros públicos e bebedouros diferentes para negros e brancos. Escolas diferentes, lugares separados nos transportes públicos, os mais confortáveis e em maior quantidade sempre destinados aos brancos. E se faltasse lugar, o negro sentado deveria ceder o lugar ao branco. Uma sociedade que queimava jovens por razões de cor se expunha ali como um ato de superação do passado, de construção do novo.

Na segunda vez assisti a exposição que tratava das condições de vida dos imigrantes japoneses e seus descendentes nos Estados Unidos durante a Segunda Guerra Mundial. Vi coisas que nem os livros escolares nem o cinema americano me contaram. Vi fotos de lojas de japoneses atacadas por norte-americanos enfurecidos com os ataques japoneses a Pearl Harbor, imagens de famílias sendo recolhidas aos campos de concentração nos Estados Unidos para isolar o perigo amarelo e imagens de batalhões de jovens soldados nipo-americanos para guerrear diretamente contra o exército japonês como uma afirmação do patriotismo norte-americano!

A exposição termina com uma carta do então Presidente Ronald Reagan pedindo desculpas à comunidade japonesa pelas humilhações impostas.

Querem nos impedir de saber a verdade sobre a guerra do Paraguai, ao que parece, uma verdadeira carnificina praticada para atender interesses de poderoso banqueiro inglês. Nós não podemos saber o que os paraguaios sabem e contam a seus filhos, por quê?

Resistirão almirantes, generais e marechais à lupa da História? Suas biografias corresponderão às narrativas descritas nas pinturas das grandes batalhas? O silêncio que nos impõem deve ser a razão porque não cultivamos nossos heróis e não preservamos sua memória, a total falta de identificação de identidade com eles.

Os que nos negam conhecer a verdadeira História do país são cúmplices das carnificinas, dos torturadores, dos alcaguetes a soldo do Estado; dos que ordenaram censurar jornais, revistas, peças de teatro e músicas.

Não podemos nos calar e aceitar como fato consumado essa violência da censura que tentam nos impor.

Construir um país livre representa lutar para conhecer a história. Não queremos cultivar falsos heróis e, a partir de hoje, personagens da história oficial estarão sob suspeita, enquanto não nos deixarem conhecer os documentos que abrigam verdades, que, mesmo dolorosas, devem ser reveladas.

Enviado por Silvio Tendler

3 comentários:

  1. (comentário enviado por e-mail e postado por Castor)

    Só vejo uma solução: fazer filmes “ilegais", i.e., desrespeitando os chamados direitos "autorais" de parentes e descendentes, os quais não são autores de obra nenhuma das e dos finada(o)s; e o raio dessa legislação que nos veda o acesso às fontes documentais. O segundo comportamento, ademais, será gerador de contravenções e delitos, inclusive de suborno dos que prezam uma "gorgetinha". Formam legiões, como sabemos.

    Abraços do
    ArnaC

    P.S.: nossa história não é das mais bonitas, mas as de outros povos, sobretudo os arrogantes "civilizados", bempensantes e paternalistas, do chamado centro do Ocidente (Europa e América do Norte), também não! Mas eles deixam a gente ver, fotocopiar e divulgar seus arquivos, aí é que está!

    N.B.: Silvio, nos EUA não foram só negros e japoneses os perseguidos. Theodore Roosevelt, v.g., permitia o linchamento de imigrantes italianos; os "latinos" (detesto o gentílico desprezante que nos aplicam) sofrem nas mãos dos gringos; outros asiáticos, também; judeus (até o aparecimento de cristãos sionistas, como Harry Truman); árabes, nem falar!; e assim por diante. É o país dos WASPs (americanos brancos anglo-saxões protestantes).

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  2. (comentário enviado por e-mail e postado por Castor)


    A questão fundamental é abrir o debate. Não considero nem a européia nem a norte-americana modelos de civilizações. Estão sempre correndo atrás do leite derramado. primeiro escalpelam, escondem, depois pedem desculpas.

    Aqui no Brasil, primeiro tivemos a desculpa da ditadura para não deixar falar e agora criamos a desculpa dos direitos individuais para não deixar falar. ArnaC tem razão: o negócio é deitar falação e quem quiser processe.
    Beijos
    Silvio Tendler

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  3. comentário enviado por e-mail


    Caro ArnaC:

    (comentário enviado por e-mail)

    Sabe quem também foi vítima nos EUA? Os próprios norte-americanos! Centenas deles foram esterelizados entre outras barbaridades. A respeito do assunto, existe o livro do Edwin Black, que no Brasil recebeu o título de "A Guerra contra os fracos".

    Com um abraço, Fábio Koifman.

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