quarta-feira, 8 de julho de 2015

Pepe Escobar – Por que ainda não há acordo nuclear em Viena


7/7/2015, [*] Pepe Escobar, Asia Times Online
Traduzido pelo pessoal da Vila Vudu


VIENA – Com a negociação Irã-P5+1 alcançando estágio crucial na 2a-feira (6/7/2015) à noite, e as equipes técnicas trabalhando para montar um texto limpo a ser distribuído na 3a-feira (7/7), o ponto que ainda está pegando acabou por ser o embargo de armas convencionais imposto ao Irã pelo Conselho de Segurança da ONU, como disse a Asia Times um veterano diplomata europeu.
Rússia e China, países BRICS, tinham posição coordenada: “SIM” ao fim do embargo. EUA e Reino Unido votaram “NÃO”. E a França, fator crucial, balançava.
Se fosse decisão que coubesse integralmente ao ministro de Relações Exteriores da França Laurent Fabius, o voto seria “NÃO”. Mas pode-se supor que, se a decisão final é do Presidente François Hollande, pode ser “SIM”. Não há o que a indústria francesa de armas deseje mais ardentemente, que acrescentar Teerã à sua lista ainda magra de fregueses para Rafales e Mistrals.
Voltando ao Grande Quadro, diplomatas iranianos insistiam que “todas as sanções relacionadas a aspectos nucleares tem de ser removidas. Foi o que ficou decidido em Lausanne”. Significa que o embargo a armas convencionais imposto pela ONU em 2007, e incluído nas sanções nucleares também tem de desaparecer.
Assim sendo, o que Asia Times noticiou no início da semana ainda se aplica: há diferenças severas dentro do P5+1 em várias questões chaves – daí a necessidade de eles negociarem por mais tempo entre eles mesmos, que com o Irã.
Essa é a razão chave para mais uma prorrogação do prazo final – até 9 de julho/2015, 5a-feira. E mesmo isso pode ainda não ser o fim da estrada.
Todos esses [colchetes]
Com apenas 24 horas até o Dia-D nessa 3a-feira (7/7/2015), os sinais são extremamente confusos. A delegação iraniana enfatizou que “não é um impasse”; afinal, os Ministros de Relações Exteriores do P5+1 estavam reunidos até tarde da noite, e pela segunda vez num dia frenético. Os negociadores iranianos insistiam que “o Irã está pronto para continuar por quanto tempo for preciso, enquanto houver oportunidade para avançar”.


Mesmo assim, o novo prazo tentativo – 3a-feira (7/7/2015) – já estava furado. Os russos, por sua vez, preparavam-se para deixar Viena na 3a-feira à noite; na sequência seu outro destino imediato – que, inicialmente, contaria com a presença também do Ministro Zarif de Relações Exteriores do Irã – são as duas reuniões de cúpula igualmente cruciais e simultâneas, dos BRICS e da Organização de Cooperação de Xangai, em Ufa, Rússia. A OCX começará a discutir ativamente a incorporação do Irã como membro, já no próximo ano, na reunião que se realizará na Índia.
Embora sempre cuidadosos para não se mostrarem pressionados pelo tempo, começa a aparecer entre os diplomatas iranianos algum sinal de frustração quanto às reais intenções dos contrapartes norte-americanos: “Se não podem traduzir intenção política em decisões políticas, teremos de dar por encerradas essas negociações”.
Mas “nenhum dos dois lados quer perder momentum”. O movimento nada diplomático de Kerry no domingo – “o acordo pode ir para qualquer lado” – foi interpretado pelos iranianos como mensagem para aplacar o front interno (nos EUA), e vencer a batalha pela opinião pública em casa. Os iranianos só guardaram, daquilo tudo, que “estamos avançando”.
É difícil imaginar as complexidades que se escondem em texto de 85 páginas e cinco anexos, tudo exaustivamente detalhado. Os funcionários do Irã descrevem a coisa como “um pacote de 85 páginas e muitos colchetes”. Como diz um deles, “até para uma palavra, ou às vezes uma preposição, temos de consumir duas horas de trabalho no nível técnico” “Sucesso” é quando os negociadores conseguem resolver de 15 a 20 colchetes por dia.
O que logo foi definido, na última perna das negociações é que, depois do acordo, “será redigida uma Resolução”. O Conselho de Segurança “tomará conhecimento” do que tenha ficado acordado em Viena. E depois essa resolução suspenderá todas as resoluções passadas, até o dia da implementação. “A vantagem dessa resolução” – acrescenta um especialista iraniano do corpo técnico – “é registrar o que tenha sido acordado em Viena. E então tudo passa pela jurisdição do Conselho de Segurança da ONU”.


Do fundo de uma cálida noite vienense, com o legendário Café Sacher já fechado, ainda faltava muito que andar. Num quarto de hotel, um diplomata iraniano meditou: “os americanos criaram uma estrutura de sanções que não querem destruir. Estão emocionalmente apegados a ela”. Não surpreende que tantos dos colchetes ainda não resolvidos no texto final tenham a ver com as sanções de EUA e União Europeia.
E lá estava o busílis, sempre o mesmo: o governo Obama abrirá mão, afinal, da arma de eleição de toda a política externa dos EUA? Seria evento digno de celebração de gala na Wiener Staatsoper.
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[*] Pepe Escobar (1954) é jornalista, brasileiro, vive em São Paulo, Hong Kong e Paris, mas publica exclusivamente em inglês. Mantém coluna no Asia Times Online; é também analista de política de blogs e sites como:  Sputinik, Tom Dispatch, Information Clearing House, Red Voltaire e outros; é correspondente/ articulista das redes Russia Today e Al-Jazeera. Seus artigos podem ser lidos, traduzidos para o português pelo Coletivo de Tradutores da Vila Vudu e João Aroldo, no blog redecastorphoto.
Livros:
Obama Does Globalistan, Nimble Books, 2009.
Adquira seu novo livro Empire of Chaos, publicado no final de 2014 pela Nimble Books

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