30/6/2015, [*] Dmitry Orlov, Club Orlov
Traduzido pelo pessoal da Vila Vudu
Sergey Glazyev |
Há algum tempo, tive o prazer de ouvir Sergey Glazyev – economista, político, membro da Academia de Ciências da Rússia e conselheiro do presidente Putin – dizer algo que confirmou muito bem o que sempre pensei. Glazyev disse que qualquer um que saiba matemática pode ver que os EUA estão à beira do colapso, porque a dívida interna norte-americana cresce exponencialmente. Não são palavras que político europeu ou norte-americano ande dizendo por aí em público, talvez nem sussurradamente na cama, porque nos EUA travesseiros têm ouvidos, e, se acontecer assim, o tal político receberá tratamento de Dominique Strauss-Kahn (cuja ilustre carreira terminou quando, numa visita aos EUA, foi falsamente acusado de estupro, e preso). Por essas e outras nenhum político europeu (e dos norte-americanos, então, nem se fala), pode jamais declarar o óbvio, por mais óbvio que seja.
A essa altura, os russos já sabem muito bem disso. Sim, manter diálogo e relações cordiais com europeus é importante. Mas que fique bem entendido que europeus não passam de fantoches dos EUA sem vontade nem poder para tomar decisões próprias. Melhor talvez falar com os norte-americanos diretamente? Infelizmente, também são fantoches. Funcionários do governo e políticos norte-americanos são todos fantoches controlados por lobbyistas de grandes empresas e oligarcas sinistros. Mas, aqui, o choque: esses também são fantoches, controlados pelos simples imperativos do lucro e da preservação da riqueza respectivamente. De fato, são todos fantoches de cabo a rabo, de cima a baixo. E no fundo, por baixo deles, há um gigantesco, eternamente em expansão, buraco negro financeiro.
Você gosta de seu buraco negro? Se não tem muita certeza de que gosta, deixe-me fazer-lhe algumas perguntas: Você gosta do fato de que seus cartões de crédito ainda funcionem, ou de poder ainda deixar dinheiro no banco e até pegar dinheiro num caixa de atendimento automático, ou de já estar recebendo ou algum dia, sim, receber uma aposentadoria? Você gosta de poder obter coisas úteis – comida, combustível, passagens de avião – em troca de meros pedaços de papel impressos com retratos de homens brancos falecidos? Você gosta de ter acesso à internet, de ter lâmpadas acesas, água na pia? Bem, se você gosta dessas coisas, nesse caso você também tem de gostar do buraco negro financeiro, porque é ele que torna possíveis todas essas coisas, apesar de você viver num país quebrado, falido, em bancarrota. Talvez seja daquelas relações de amor-ódio: você ama conseguir fingir que está tudo ótimo, mesmo você sabendo que não está, e quer curtir mais um pouco do bussiness-como-sempre, antes que tudo vá prô inferno, seja só mais alguns dias, seja um, dois anos. Mas você odeia saber que é altamente possível que o buraco o sugue para o fundo, momento a partir do qual você estará sugado, digo, definitivamente ferrado.
Experimento do Buraco Negro dá dramaticamente ERRADO |
Nos EUA, até agora, o buraco negro tem sugado famílias individualmente consideradas (embora às vezes sugue cidades inteiras, feito Detroit, Michigan ou Bakersfield, Califórnia ou Camden, New Jersey). Com a ajuda da gangue das hipotecas fraudulentas, ele suga casas e as cospe de volta, oneradas por dívidas podres. Com a ajuda da indústria médica, ele suga gente doente e cospe os doentes de volta, falidos. Com a ajuda da gangue das universidades privadas, suga gente jovem cheia de esperanças, e cospe formados nas “especializações” mais ridiculamente inúteis e com as pernas e o espírito quebrados pela mais obscena dívida “estudantil” que se possa imaginar. Com a ajuda do complexo industrial-militar, suga praticamente qualquer coisa e cospe cadáveres, tragédias ambientais, terroristas e instabilidade global. E assim vai.
Mas o buraco negro financeiro pode também sugar países. Nesse momento, está ocupadíssimo tentando devorar a Grécia, mas está difícil, porque a Grécia é – adivinhem! – estado democrático. Esse fato surpreendeu os fantoches do buraco negro, que já começaram a clamar por “mudança de regime” na Grécia, para que a Grécia possa ser obrigada a render-se, antes de o buraco negro morrer de fome.
O processo pelo qual o buraco negro financeiro suga países inteiros é o seguinte. Se o buraco negro não encontra coisas suficientes para sugar logo de início, ele então põe os mercados financeiros em queda livre. Instrumentos financeiros de países que estejam longe do buraco negro – lá, na periferia – caem mais depressa. Em busca de “paraíso seguro”, o dinheiro flui para fora desses países e diretamente para dentro dos países “núcleo” firmemente agarrados em torno do buraco negro financeiro – EUA, Alemanha, Japão e uns poucos outros. O buraco negro devora esse dinheiro, mas logo novamente já fica com fome e quer mais. E, porque os países da periferia já estão agora financeiramente fracos demais para resistirem, podem ser facilmente convertidos em ração para buraco negro financeiro. A devoração começa quando o país é sobrecarregado com dívida externa que jamais poderá pagar, o que força o país-comida a “amortizar” só parcelas da dívida, que não pode deixar de pagar completamente, porque os empréstimos para pagar dívidas são como uma linha vital de abastecimento pela qual o país recebe... mais dívidas. E assim os bancos podem ser mantidos em funcionamento, os caixas de autoatendimento abastecidos, as lâmpadas acesas e tal e tal.
O povo vai direto para Buraco Negro |
Para conseguir pagar parcelas da tal dívida, o país é forçado a desmantelar a própria sociedade e a própria economia. E lhe são impostos: o mais total ARROCHO e a privatização de tudo que haja à vista (e cada empresa privatizada é empresa a ser pescada para dentro do saco das dívidas impagáveis, ou só “amortizáveis” com mais dívidas); e o país é forçado a entregar a própria soberania, a qual, rendida, passa a pertencer a organizações transnacionais, como FMI ou BCE, todas diretamente envolvidas na alimentação e na prestação de serviços de atenção à saúde do buraco negro financeiro.
E quem comanda tudo isso? – você poderia perguntar. Se tudo é buraco negro, se não há outra coisa além de buraco negro financeiro, os fantoches encarregados de mantê-lo saudável e bem alimentado e as desgraçadas vítimas do buraco negro financeiro, nesse caso... quem toma as decisões? Bem, fato é que o buraco negro financeiro é racional. Embora também seja muito, muito estúpido. E o meio que conhece para fazer acontecer o que deseja que aconteça é destruir o cérebro e o coração dos seus fantoches – o que os torna incapazes de compreender certas coisas. Mas estupidez é faca de dois gumes, e ao servir-se dela para chegar mais rapidamente ao objetivo, o buraco negro financeiro distorce também o seu próprio objetivo.
Por exemplo, há pouco tempo, o buraco negro financeiro encontrou objeto grande demais, que quis sugar, mas não conseguiu. O objeto chama-se Federação Russa. Controla território imenso, farto em todos os tipos de recursos naturais que o buraco negro financeiro muito gostaria de privatizar e converter em empréstimos colaterais e sugar para dentro do bucho. Problema é que o lugar está cheio de russos, gente difícil, com a qual os fantoches do buraco negro não conseguem lidar bem. Os russos insistem que os fantoches se mantenham à distância, para lá daquela linha vermelha real bem ali, e, se se mexerem, eles engatilham a pistola e fim de conversa fiada.
É situação que exige negociação, mas o buraco negro financeiro é exemplarmente estúpido, como já disse, e só conhece uma tática de negociação. Ele ordena e põe-se à espera que o outro lado se renda. Se não se rende, vêm as pressões: sanções, ataques contra a moeda, transações financeiras tornadas impossíveis, de tão complicadas, confisco de propriedade do país resistente e por aí vai – e outra vez, é só esperar pela rendição. Se nem isso tudo funcionar, então o país é bombardeado até ser convertido em montes de ruínas, pela OTAN. Ou, caso a OTAN não queira participar, o país é bombardeado exclusivamente pelos EUA, até ser convertido em montes de ruínas.
Em geral funciona, embora não tenha funcionado no caso da Federação Russa. Mas o buraco negro financeiro é muito, muito estúpido e fica lá, só repetindo, só repetindo, só repetindo. De tanto que só repete, só repete, só repete, a mente dos fantoches-agentes se atrapalha mesmo, de verdade, a ponto de eles já não entenderem nem a repetição, repetição, repetição deles mesmos.
Por exemplo, todo mundo sabe que pressionar a Rússia não funciona: segundo a 3ª Lei de Newton, toda a ação produz reação igual e oposta, e a Rússia é grande demais e não adianta empurrá-la, que ela não se move nem um passo – e é o empurrador que, de tanto que se esforça, acaba machucado. É feito tentar mudar a órbita da Terra, saltando de uma cadeira com os joelhos tensos (vídeo no fim do parágrafo), bom truque se você quiser atrair atenção médica. Os russos até agradeceram pelas sanções, porque afinal apareceu boa razão para investirem no desenvolvimento da própria economia doméstica e na autossuficiência. Mas os fantoches-agentes, cujos cérebros já foram sugados pelo buraco negro financeiro, nada vêem, nem compreendem e ficam lá, empurra e empurra, fazendo naufragar, no processo, as próprias economias.
Mas se as sanções não funcionam, é tempo de recorrer à opção militar. Para isso, é preciso inventar um casus belli – um motivo para ir à guerra. Foi quando o buraco negro financeiro enlouqueceu completamente: “A Rússia invadiu a Crimeia!” – sim, sim, talvez tenha invadido há algumas centenas de anos, mas já há séculos a Rússia está lá, recentemente já há até acordo internacional sobre o caso, mas... E que importa tudo isso?! (Ah! E não há o que comprove que a Crimeia foi algum dia dada à Ucrânia, porque Nikita Khrushchev alterou toda a papelada, antes de entregar o presente). Não interessa! Não interessa! A Rússia invadiu a Ucrânia e pronto! E sim, sim, sempre, é verdade todos os dias que se escrevam com “d”, mas foi muito safadinha e retirou as tropas antes que alguém pudesse fotografar, uma fotinho, que fosse, deles, por lá. OK, OK, mas isso também não interessa, porque a Rússia está prontinha para invadir a Estônia, a Letônia e a Lituânia e, pode ser, também a Polônia. Mas... vai invadir como? Você... Você acha que é fácil como tomar um ônibus para o festival de música de Jūrmala? Pode ser que seja, mas, o festival já acabou e até os fãs de música que invadiram o país vizinho já estão de volta, dormindo em casa. OK, OK, também não interessa. E os fantoches-agentes só fazem repetir “invasão russa!”, “invasão russa!” sem parar. É o dano cerebral típico de quem vive muito próximo do buraco negro financeiro. Como esse sujeito (foto abaixo), coitado, por exemplo. Bate que bate o maxilar inferior, sempre “agressão russa”, “agressão russa”, enquanto bolina uma imaginária vaca de estimação, tentando acalmar-se. Deus o ajude!
Robert Work, Secretário Adjunto de Defesa dos EUA |
De volta ao mundo real: os infelizes fantoches-agentes do buraco negro financeiro não conseguem entender que, se se trata de Rússia, não há opção militar: o poder nuclear funciona aí como excelente argumento de contenção estratégica, é território muito bem defendido e não tem qualquer intenção agressiva contra seja quem for.
Mas os fantoches com a mente perturbada, nada veem, nem isso nem coisa alguma, e lá estão, empilhando os mais variados tipos de lixo militar obsoleto nas fronteiras da Rússia, e até já ameaçaram levar para a Europa os seus mísseis nucleares Pershing de alcance médio e obsoletos. São obsoletos, porque os russos têm agora o sistema S-300, com o qual podem neutralizar todos os Pershings. A opção militar tampouco funcionará, mas não conte aos fantoches-agentes – eles não suportarão informação dessa natureza, sem sofrerem novos danos neurológicos extensos.
De volta à Grécia: a pequena Grécia com certeza não é a poderosa Rússia, mas mesmo assim se recusou a capitular ante as exigências do buraco negro financeiro. Recebeu ordens para destruir completamente a própria sociedade e a própria economia, como condição para manter a linha de dinheiro de sobrevida que lhe enviariam o FMI e o BCE.
Muito inconvenientemente para o buraco negro financeiro e seus fantoches, a Grécia não é algum obscuro país “de 3º mundo”, povoado de gente de pele escura com quem o buraco negro financeiro não quer que a filha dele case: é país europeu e berço da civilização e da democracia europeias. A Grécia conseguiu eleger governo que bem que tentou negociar em boa fé, mas os fantoches-agentes não negociam – eles ordenam, ameaçam e machucam até que chegar onde querem, ou até que a cabeça deles exploda.
Vai ser interessante assistir ao que vem por aí.
Se o buraco negro financeiro conseguir sugar a Grécia, que país virá depois dela? Itália, Espanha ou Portugal? E, com o processo a continuar, quando chegará o momento em que gente em quantidade suficiente decida que basta?
O jornalismo é também responsável pelo Buraco Negro |
Porque quando gente em quantidade suficiente decidir que basta, o buraco negro financeiro se encolherá. Não é buraco negro verdadeiro, feito de matéria tão densa que o seu campo gravitacional segura tudo, até a luz. O buraco negro financeiro é buraco negro fake, constituído da ganância combinada de todos.
No âmago dele só há ganância. Ganância envolta em medo por todos os lados e ele se autossustenta alimentando-se de medo, cada vez de mais medo.
Se puder continuar a sugar pessoas, famílias, países inteiros, pode manter viva a ganância que tem no âmago. Mas se não puder, nesse caso a ganância também se converterá em medo, tudo se autoconsumirá e o buraco negro financeiro se terá autodevorado.
Espero que quando acontecer, todos os seus fantoches ruins-da-cabeça livrem-se dele, percebam o quanto estavam errados e quem sabem acham algo útil para fazer – criar ovelhas, plantar hortaliças, desenterrar caranguejos...
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[*] Dmitry Orlov é um engenheiro russo-americano e escritor sobre temas relacionados ao declínio econômico, ecológico e político dos Estados Unidos. Orlov acredita que o colapso será o resultado dos orçamentos militares, enormes déficits do governo e um sistema político que não responde e declínio da produção de petróleo. Orlov nasceu em Leningrado (agora São Petersburgo) e se mudou para os Estados Unidos com 12 anos. Tem bacharelado em Engenharia de Computação e Mestrado em Lingüística Aplicada. Foi testemunha ocular do colapso da União Soviética durante os ano 1980-90. Entre 2005 e 2006 escreveu uma série de artigos sobre o colapso da União Soviética publicada em Peak Oil. Em 2006 publicou o Manifesto Orlov on-line, “A Nova Era da Vela”. Em 2007, ele e sua esposa venderam seu apartamento em Boston e compraram um veleiro, equipado com painéis solares e seis meses de fornecimento de gás propano e capaz de armazenar grande quantidade de produtos alimentícios. Chamou “cápsula de sobrevivência”. Continua a escrever regularmente no seu blog “Clube Orlov” e no EnergyBulletin.Net
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