18/3/2019, Elijah J Magnier Blog
O Líbano espera essa semana a visita do secretário de Estado dos EUA Mike
Pompeo, num momento em que o mapa político econômico do Líbano está sendo
redesenhado, e o Líbano sofre o mais grave revés econômico de sua história
recente.
Entre as razões da deterioração da economia local, está não só a corrupção da
liderança política e do 'baixo clero' do governo libanês, mas também as
recentes sanções, as mais duras jamais
impostas. E afetarão dramaticamente o Líbano enquanto o presidente Donald Trump
permanecer no poder, se o Líbano não seguir a política e as ordens dos EUA.
Se como foi previsto, Washington declara guerra econômica ao país, as sanções
deixarão poucas alternativas ao Líbano. Podem forçar o Líbano a voltar-se para
a indústria civil iraniana, para sobreviver à pressão econômica dos EUA, e a
depender da indústria militar russa para equipar as forças de segurança do
Líbano. Acontecerá precisamente isso, se Pompeo insistir nas ameaças a
funcionários libaneses, como assessores dele têm
feito em visitas anteriores ao país. A insistente mensagem de funcionários dos
EUA tem sido: ou você está conosco, ou contra nós.
Politicamente, o Líbano está dividido entre duas correntes, uma pró-EUA (e
Arábia Saudita) e outra fora da órbita dos EUA. A situação econômica pode bem
aprofundar a divisão interna, a ponto de a população reagir com fúria, para que
se excluam do Líbano os EUA e aliados.
com seu mais próximo aliado, presidente libanês Michel Aoun
Esse cenário pode também ser evitado, se Arábia Saudita injetar suficiente
investimento que consiga religar a agonizante economia local. Mas a Arábia
Saudita teme que todos os não alinhados às suas políticas e às políticas dos
EUA possam extrair benefícios do apoio dos sauditas. Até aqui, Riad ainda não
compreendeu completamente a dinâmica interna libanesa e o que é possível ou
impossível alcançar no Líbano. O sequestro do
primeiro-ministro Saad Hariri foi a mais flagrante indicação da ignorância
saudita quanto à política libanesa. O mais provável é que a nenhuma visão
estratégica dos sauditas para o Líbano venha a impedir qualquer apoio à
periclitante situação econômica libanesa e pode levar o país a instabilidade
grave.
Antes de 1982, 1 EUA-dólar equivalia a 3 libras libanesas. Aconteceu em parte porque
a Organização de Libertação da Palestina (OLP) estava gastando dezenas de
milhões de dólares no país, em benefício preferencial das famílias palestinas
que viviam no Líbano. Além disso, organizações da ONU (UNRWA) e outras
ONGs também distribuíam apoio financeiro a refugiados palestinos cujos lares
foram tomadas por Israel, o que forçou muitas famílias a deixar o próprio país.
Depois da invasão israelense ao Líbano em 1982, a OLP foi forçada a deixar o país. Não muito depois, o EUA-dólar
alcançou taxa de câmbio de 3.000 liras libanesas, depois desvalorizada, para
estabilizar na taxa atual de 1 EUA-dólar por 1.500 liras libanesas. O Irã
entrou em cena para apoiar os combatentes libaneses (a Resistência Islâmica no
Líbano, i.e. o Hezbollah) a recuperar o próprio território então ocupado por
Israel. No ano 2000, o Irã começou a investir pesadamente no Hezbollah, e o
grupo conseguiu expulsar os israelenses de praticamente todo o território libanês. O
investimento financeiro iraniano alcançou nível muito alto na época da guerra de 2006, quando Israel tentou e não conseguiu desarmar o
Hezbollah, que manteve seus foguetes e mísseis fora do alcance de Israel.
Em 2013, o governo sírio convocou o Hezbollah para apoiar o Exército Sírio que
combatia para impedir a desintegração do país e impedir que os militantes takfiri ganhassem
o controle do país. O Irã bombeou bilhões de dólares para derrotar ISIS e
al-Qaeda e impedir que esses grupos se impusessem na Síria e Iraque, sabendo
sempre que o alvo seguinte seria o Irã. O orçamento para as tropas do Hezbollah
subiu à estratosfera. Apoio à movimentação de tropas, logística e pagamentos
diários aos próprios combatentes, contribuíram para 'animar' a economia
libanesa. O orçamento do Hezbollah subiu bem acima de $100 milhões por mês.
Mas depois da chegada de Donald Trump ao poder, e de os EUA terem desertado do acordo nuclear com o Irã, o
governo dos EUA impôs àquele país as sanções mais severas de todos os tempos,
e cortou as doações às organizações da ONU que apoiam os
refugiados palestinos (UNRWA). As sanções contra o Irã forçaram o
Hezbollah a viver sob novo orçamento: um plano de austeridade de cinco anos. As
forças foram reduzidas a um mínimo na Síria, o movimento das tropas foram
reduzidos conforme a verba mais curta, e todos os pagamentos adicionais foram
suspensos. O Hezbollah reduziu o próprio orçamento a ¼ do que havia sido, sem
suspender salários mensais e assistência médica a militantes e fornecedores,
por ordem pessoal de Said Hassan Nasrallah, secretário-geral
do Hezbollah.
Essa nova situação financeira, de fluxo de dinheiro reduzido e sem moeda
estrangeira, afetará a economia do Líbano. Prevê-se que as consequências sejam
mais visíveis nos próximos meses, o que pode levar a possível reação doméstica,
quando a população sentir o peso da dificuldade econômica.
EUA e Europa estão impondo controle estrito sobre ativos que entrem e saiam do
Líbano. O país está numa lista negra financeira e todas as transações são fiscalizadas em
detalhe. Doações religiosas de outros países estão proibidas, na prática, posto
que expõem os doadores a acusações graves, por países ocidentais, de apoio ao
terrorismo.
Enquanto Trump permanecer no poder, Hezbollah e Irã avaliam que a situação
permanecerá crítica; estimam que, muito provavelmente, o presidente dos EUA
será reeleito para um segundo mandato. Os próximos cinco anos serão muito
provavelmente difíceis para a economia libanesa, especialmente se a visita de
Pompeo trouxer mensagens e ordens às quais o Líbano não pode atender.
Pompeo quer que o Líbano desista da demanda de redefinir suas disputadas fronteiras líquidas
com Israel, cedendo à entidade sionista os
blocos 8, 9 e 10. A demanda não será atendida, e funcionários
libaneses disseram em várias ocasiões que contam com os mísseis de precisão do
Hezbollah para impedir que Israel continue a roubar água do Líbano.
Pompeo também quer que o Líbano exclua o Hezbollah do governo. Outra vez, o establishment norte-americano
ignora que o Hezbollah é quase 1/3 da população do Líbano, apoiado por mais da
metade dos xiitas, cristãos, sunitas e drusos libaneses, com cargos noExecutivo e no Legislativo do país.
Qual, então, a alternativa? Se Arábia Saudita entrar no jogo, o Líbano não
precisa de um ou dois ou cinco bilhões, mas de dezenas de bilhões de dólares
para ressuscitar a economia. E também precisa que de uma política de 'tirem as
mãos daqui' para o establishment dos EUA, para que o país
consiga se autogovernar.
Os sauditas já estão sofrendo com os abusos de Trump, e o dinheiro saudita está
desaparecendo. E se os sauditas decidirem investir no Líbano, tentarão impor
termos não muito diferentes do que os EUA exigem. A Arábia Saudita delira, se
conta com bloquear, no Líbano, a influência do Irã e a ação dos apoiadores do
Hezbollah: é objetivo completamente inatingível.
Quanto ao Líbano restam-lhe poucas escolhas. O Líbano pode aproximar-se ainda
mais do Irã pensando em reduzir gastos e o preço de bens de consumo; e pode
pedir à Rússia que apoie o exército libanês, se o ocidente não o fizer. A China
prepara-se para entrar no país e, sim, pode ser alternativa positiva para o
Líbano, usando o país como plataforma para chegar à Síria e, dali, ao Iraque e
à Jordânia. Sem isso, o Líbano terá de preparar-se para juntar-se à lista dos
países mais pobres da região e do mundo.
Um sombra paira sobre a terra dos cedros, que já teve de lutar pela própria
sobrevivência no século 21. O Hezbollah, agora sujeito às sanções de EUA e
Reino Unido, é a mesma força que já protegeu o país contra combatentes takfiri do
ISIS e outros, que ameaçavam expulsar do país os cristãos. Esse foi o conselho
que o presidente Sarkozy da França deu ao patriarca libanês, que os cristãos
libaneses deixassem as suas casas. Os jihadistas takfiri e a
OTAN têm precisamente os mesmos planos para o Líbano.
O fracasso do plano do establishment dos EUA, de dividir o
Iraque e criar um estado falhado na Síria, como parte de um "novo Oriente
Médio" despertou o urso russo de sua longa hibernação. Hoje, a Rússia
compete com os EUA pela hegemonia no Oriente Médio, obrigando Trump a tentar
absolutamente tudo, sem limite, para quebrar a frente anti-EUA.
É batalha sem regras, vale-tudo no qual se permitem todos os golpes. Os EUA
estão empurrando o Líbano para um beco, onde não lhe restará alternativa que
não seja firmar uma íntima parceria com Irã e Rússia.
Postado há 17 hours ago por O
Empastelador
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